Blog do Flavio Gomes
F-1

TO PIZZA OR NOT TO PIZZA?

SÃO PAULO (ficou enorme, nunca mais escrevo sobre isso!) – Passada a tempestade, ficam duas perguntas. Terminou tudo em pizza? Quem ganhou e quem perdeu, afinal? Primeiro, é um equívoco acreditar que tudo não passou de um teatro e que era fácil adivinhar seu desfecho. Não. Houve possibilidades reais de ruptura e temores dos dois […]

SÃO PAULO (ficou enorme, nunca mais escrevo sobre isso!) – Passada a tempestade, ficam duas perguntas. Terminou tudo em pizza? Quem ganhou e quem perdeu, afinal?

Primeiro, é um equívoco acreditar que tudo não passou de um teatro e que era fácil adivinhar seu desfecho. Não. Houve possibilidades reais de ruptura e temores dos dois lados. Das equipes, porque seriam incapazes de montar um campeonato em tão pouco tempo. Da dupla FIA/Bernie, de perder o que sempre tiveram, o controle da F-1. As chances maiores eram de um acordo, sim. Porque ele era necessário. Se não houvesse, porém, estariam todos lascados. E cada lado sairia a campo para lutar por sua sobrevivência, um tentando matar o outro. É assim nas guerras.

Mas houve um acordo, a guerra acabou, e voltamos às perguntas iniciais.

Terminou tudo em pizza?

Bem, pizza, assim, do jeito que a gente conhece, a clássica “fica tudo como está”, não. Afinal, a F-1 de 2010 será outra. O ambiente todo mudou. Max Mosley não será mais o presidente da FIA. Sem ele no comando, os times/montadoras podem pensar um pouco à frente, em colocar na cadeira do rei do chicotinho alguém mais simpático às suas causas. Não há pizza aí. Além do mais, o Mundial terá três equipes novas, algo que não aconteceria de forma espontânea. Será um campeonato diferente, que agrega mais três independentes, equilibrando um pouco a relação fábricas x “garagistas”. Não, definitivamente, sob esse ponto de vista, não acabou tudo em pizza.

Mas…

Há algumas sutilezas que devem ser observadas nesse episódio todo, e é preciso voltar um pouco no tempo para tentar compreender cada passo dado pelos combatentes nos últimos meses.

Max comanda a F-1 desde 1991, quando assumiu a presidência da FISA, o braço esportivo da FIA. Esse órgão seria extinto alguns anos depois. Mas em 1993 Mosley foi eleito presidente da entidade principal, o que dá na mesma.

Bernie sempre foi seu aliado, especialmente quando, no final dos anos 90, a Comissão Europeia acusou a FIA de monopólio por controlar tudo que dizia respeito à F-1 sem dar chances a ninguém de participar do racha do butim. Em 2000, numa manobra até hoje considerada bizarra, a FIA (leia-se Mosley) repassou os direitos comerciais da categoria à FOM (leia-se Bernie) por 100 anos. 100 anos! Estava, de certa forma, descaracterizado o monopólio que a Comissão Europeia contestava.

E tudo seguiu mais ou menos em paz, com um Pacto da Concórdia assinado em 1998 por dez anos, quando a presença das montadoras na F-1 ainda era fraca. Em 2007, porém, quando o acordo deveria ser renovado (para quem não sabe, o Pacto rege todas as relações entre FIA, FOM e equipes, comerciais e regulamentares), o quadro era outro. As fábricas, que tomaram a categoria de assalto, tiraram o pescocinho do engradado e começaram a pleitear fatias maiores das receitas que, achavam, eram magras demais para elas, as donas do espetáculo.

O que Mosley e Bernie fizeram? Cooptaram a Ferrari, assinando um contrato paralelo com o time de Maranello dando direito de veto aos italianos em questões ligadas às regras. Com a Ferrari ao seu lado, montadora nenhuma estaria disposta a encher o saco da dupla. Dupla que, diga-se, nunca confiou nelas, as montadoras, sob o argumento, muito aceitável, de que elas não tinham compromisso com o esporte, mas sim com seus balanços financeiros. Não iriam entregar nada a corporações que no dia seguinte poderiam se mandar da categoria. E foi assim, com esse equilíbrio meio mambembe, que a F-1 sobreviveu até setembro do ano passado, quando foi criada a FOTA.

Luca di Montezemolo, que não é tido como gênio por seus pares — antes, tem a fama de meio bronco e midiático além da conta —, assumiu a presidência da associação das equipes. E a Ferrari, que sempre rezou pela cartilha da FIA, alinhou-se às fábricas que, de novo, queriam fatias maiores do bolo que Bernie sempre mordeu com apetite inversamente proporcional ao seu diminuto tamanho. Foi assim que começou a guerra. Porque, além de querer mais dinheiro, as equipes-montadoras tinham um medo.

Mosley, àquela altura, já havia lançado, talvez na melhor das intenções, as bases de sua F-1 popular, barata, controlada. Controle. Era isso que apavorava os times das montadoras. Não é um acaso o fato de que as duas únicas associadas da FOTA que ficaram com a FIA sejam equipes realmente independentes. Têm nas corridas sua atividade principal. Não prestam contas a ninguém, exceto à Receita dos países onde estão sediados.

Ferrari, Toyota, Renault, BMW Sauber, McLaren, Red Bull e Toro Rosso são, por assim dizer, “filiais” das matrizes que fazem carros e latinhas de energéticos. A Brawn é a exceção nesse grupo, cuja decisão de não correr para a FIA é, para mim, ainda um mistério. Essas sete se arrepiam só de pensar em ter alguém de fora controlando suas contas, digamos, pouco ortodoxas. O medo não era tanto do teto. Era de ter alguém escarafunchando livros e notas fiscais para fiscalizar seu cumprimento.

Esse era o ponto. Foi por isso que os ânimos se acirraram tanto.

Vencedores e vencidos?

Bem, pelo comunicado oficial do Conselho Mundial, as equipes das montadoras (como estão sendo chamadas) não farão um campeonato novo, mandando em tudo, de cabo a rabo. Aí temos uma vitória da FIA. O regulamento, por outro lado, será o mesmo deste ano com algumas bobagens extras, como proibição de mantas térmicas nos pneus e fim do reabastecimento. Vitória dos times, que pediam estabilidade das regras. As equipes, por sua vez, vão reduzir seus gastos genericamente “aos níveis do início dos anos 90”. Vitória da FIA, mas neste caso apenas retórica, porque quero ver quem é que vai fiscalizar isso. O que veremos serão medidas práticas de economia, como equipamentos padronizados, motores e câmbios mais baratos etc. Mas elas, as equipes, continuarão aceitando a FIA como órgão regulador e fiscalizador das regras técnicas e esportivas, vitória da FIA de novo, que segue à frente da categoria como sua principal governante, algo de que Max não abria mão.

Mosley concordou em não concorrer à presidência em outubro, e aí temos uma vitória clara das equipes, que não o queriam mais no comando da federação. Mas todas se comprometeram a seguir os acordos comerciais da FIA até 2012, concordando em renegociar seus termos e estender o Pacto da Concórdia antes que ele expire. Mais um ponto para a FIA, e este é o mais importante.

Aí sim temos uma pizza das mais recheadas. Saborosíssima para Bernie Ecclestone, que no fim das contas é o grande vencedor dessa parada toda (alguém duvidava?). Afinal, o que todos queriam era controlar o dinheiro. E é ele que continua chefiando as finanças, dando as cartas, assinando contratos com TVs e promotores de corridas.

Para os times, de certa forma, tudo bem. A não-adoção do teto orçamentário permite que elas continuem gastando à vontade, sem controle externo. É uma espécie de compensação. Sem o teto, podem seguir com sua atual, digamos, liberdade financeira — que deixaria qualquer fiscal honesto do imposto de renda de cabelos em pé.

Assim, pode-se dizer que não há propriamente vencedores e vencidos, Ecclestone à parte. Nem Max foi à lona, nem os times ajoelharam diante da sede da FIA na Place de la Concorde pedindo perdão por seus pecados.

Cada um cedeu um pouco. A FIA continua fazendo as regras e Bernie segue com sua caixa registradora tilintando. As equipes e as montadoras não terão de se preocupar com situações constrangedoras caso alguém venha rebuscar seus livros fiscais. No que diz respeito àquilo que move o mundo, a grana, aí sim a redonda foi para o forno. E, a esta altura, a mozzarella já derreteu e todos comeram.