Blog do Flavio Gomes
F-1

1 CHOPPS, 25 PASTEL

SÃO PAULO (boas mãos) – Uma vez, cobrindo um GP da Espanha, a gente foi jantar num restaurante em Granollers. É uma microcidade-dormitório (OK, nem tão micro assim) do lado de Montmeló, onde fica o circuito de Barcelona. Explicando: o circuito de Barcelona, que a gente chama de Barcelona, fica na cidade de Montmeló, na […]

SÃO PAULO (boas mãos) – Uma vez, cobrindo um GP da Espanha, a gente foi jantar num restaurante em Granollers. É uma microcidade-dormitório (OK, nem tão micro assim) do lado de Montmeló, onde fica o circuito de Barcelona. Explicando: o circuito de Barcelona, que a gente chama de Barcelona, fica na cidade de Montmeló, na perifa de Barça, mas a gente diz Barcelona porque é mais bonito. Granollers fica à direita da entrada do autódromo. Montmeló, à esquerda. Mais para a direita a gente chega na França. Mais para a esquerda, em Barcelona. Sacaram?

Bem, saímos tarde da pista e fomos a um restaurante simpático em Granollers, que tinha dois grandes salões e um bom presunto pata-negra. Patanegra? Patannegra?

Não vou lembrar o ano, mas é bem provável que fosse 2001. Sim, 2001. Jenson Button estava na Benetton. Tinha estreado no ano anterior pela Williams, depois de derrotar, numa espécie de vestibular da equipe, o brasileiro Bruno Junqueira, que tinha vencido o campeonato da F-3000.

Button chegou chegando, porque Damon Hill tinha parado no ano anterior e a Inglaterra ficara sem nenhum bonitão para torcer. A Williams era a Williams, ora bolas, equipe de ponta, e lá foi Jenson começar sua vida de famoso. O companheiro dele era o mala sem alça do Ralf Schumacher, e assim ele virou a estrela da companhia.

Marcou uns pontinhos e, ainda muito jovem, 20 anos, foi parar na Benetton no ano seguinte, um time fashion, de vida social agitada, e aí ele pirou. Sabe aquela coisa de carrões, iates e mulheres? Pois é. Carrões, iates e mulheres. E aí chegamos ao restaurante de Granollers.

Numa mesa próxima estava um senhor de enorme nariz e rosto muito vermelho. John Button estava curtindo adoidado aquela vida de pai de piloto de F-1. Dividia os carrões, os iates e as mulhers com o filho, pode-se dizer. Usava camisa rosa e calça branca. Disso eu lembro bem, parecia da velha guarda da Mangueira. E bebia com gosto. E ria com gosto. Como a gente estava bebendo com gosto e rindo com gosto na mesa ao lado, estávamos no mesmo time.

“Buttão” virou figura frequente nos autódromos, sempre esteve ao lado do filho, um bonachão, mas ninguém deu muita bola mais para ele quando Button, o filho, entrou na espiral que leva pilotos para o fundo do poço por falta de resultados, até renascer anos depois na BAR em 2004, para sumir de novo até o começo desta temporada na Brawn.

Jenson sempre teve fama de bom piloto quando as coisas vão bem. Com um carro bom, neutro, sabe como buscar pontos e pódios. Depois da pirada juvenil dos tempos de Benetton, vendeu os carrões, os iates e as mulheres, e se concentrou em tentar ser alguém relevante na pista. Mas estava difícil, na Honda. E, para piorar, o posto de queridinho do Reino Unido foi perdido para Hamilton em 2007, por motivos óbvios. Button estava condenado ao ostracismo, em resumo.

E foi assim, esquecido, que reapareceu em Barcelona poucos dias antes da primeira corrida deste ano, num carro branco com faixas amarelas marca-texto. Era o primeiro teste da Brawn, a sucessora da Honda, que conseguiu se ajeitar para disputar o Mundial aos 44 do segundo tempo. Ninguém apostaria uma libra furada naquela equipe.

Talvez ele tenha ido jantar, naquele dia, no restaurante de Granollers. Com seu pai, John, que talvez estivesse de camisa rosa e calça branca. Talvez tenha dito ao pai que o carro era muito bom e que estava feliz por poder continuar a correr.

Duvido que tenha dito que seria campeão com ele.

Hoje ele se tornou o oitavo inglês a conquistar um título mundial de Fórmula 1. Seu pai apareceu bastante na TV neste ano. É um velhinho simpático e sempre sorridente. Transpira muito, vive com a camisa aberta, é meio desgrenhado, continua bonachão.

Viu o filho ser campeão. Não há mais carrões, iates ou mulheres. Mas há um filho campeão.

Deve ser legal ser pai de um campeão. Por isso, fui lá embaixo agora há pouco falar parabéns para ele. E pedi para tirar uma foto. Minha?, ele perguntou. Claro, uai. Estava com a mesma roupa daquela noite no restaurante de Granollers. E o mesmo sorriso no rosto. Um bom cara, esse John. E lembra meu avô.