Blog do Flavio Gomes
Indy, IRL, ChampCar...

A QUEM NÃO ENTENDEU NADA

SÃO PAULO (uma boa parte) – Meu post de ontem à noite sobre a Indy em São Paulo não foi bem compreendido por muita gente. Não sou contra corrida de nada em São Paulo, nem em lugar algum. Sou pró-corridas, inclusive (e principalmente) as de rua. Adoro eventos assim. Minhas críticas são à maneira como as […]

SÃO PAULO (uma boa parte) – Meu post de ontem à noite sobre a Indy em São Paulo não foi bem compreendido por muita gente. Não sou contra corrida de nada em São Paulo, nem em lugar algum. Sou pró-corridas, inclusive (e principalmente) as de rua. Adoro eventos assim.

Minhas críticas são à maneira como as coisas aconteceram nesse caso. São Paulo é uma cidade muito complicada. Mexer no trânsito é delicado. Numa metrópole deste tamanho, corrida de rua é maluquice. Dá para fazer? Dá, dá para fazer qualquer coisa. Mas há consequências, e por isso as pessoas precisam pensar bem no que fazem. É preciso planejar com um mínimo de responsabilidade. Ninguém falou em dinheiro até agora, por exemplo. E essa questão é básica: transparência. Quem paga a conta, afinal? O dinheiro da cidade é público. Sei bem quanto deixo de impostos aqui todos os meses. E gostaria que eles fossem usados com mais critério.

A situação é bem diferente da de 1990. O Brasil estava prestes a perder seu GP de F-1, evento mundial que já era realizado aqui desde 1972, importantíssimo para qualquer cidade. A toque de caixa, a prefeita Erundina, com dinheiro da iniciativa privada (foi a Shell que pagou tudo), reformou Interlagos e salvou a corrida. Não saiu um centavo dos cofres públicos. O GP está lá até hoje e traz lucros para a cidade.

A Indy foi perdida pelo Rio há alguns anos, depois da construção de um oval (com dinheiro público) que poderia estar recebendo a prova até hoje. O que me parece é que os detentores dos direitos da Indy para o Brasil, nos últimos meses, criaram um fato — conseguiram incluir o país no calendário — sem ter nada garantido nas mãos. Não havia onde fazer a corrida, mas americano não quer saber dessas coisas. Pagou, levou. Inventaram Ribeirão Preto, Salvador, Rio de novo, e ninguém teve grana para bancar. Aí, se valeram desse fato consumado para forçar uma decisão em ano eleitoral. São Paulo foi presa fácil, aqui tem dinheiro, prefeito e governador vão se candidatar em 2010 ao governo e à presidência. Isso se chama esperteza.

Não tenho nada contra a categoria Indy, fiz várias corridas no Rio e fora do Brasil, foram bárbaras. Eventos de rua acontecem aos montes, nessa e em outras categorias, mas são planejados, estudados, acontecem em cidades que não enfrentam os problemas de trânsito e sociais que São Paulo enfrenta. Para mim, está muito clara a explicação para essa pressa paulista/paulistana: governador e prefeito receberão elogios aos montes da emissora oficial, a Band, nos próximos meses. Os dois, com essa corrida, conseguiram propaganda eleitoral gratuita em nível nacional. Ninguém nesse canal, ou nas emissoras ligadas a ele (o grupo é forte em todo o país, tem rádios, retransmissoras, sites de grande audiência), fará críticas à dupla Kassab-Serra, que vai bancar um evento dela, Band.

Três meses não é tempo suficiente para fazer um evento desse tamanho direito. Ele vai sair, claro, todo mundo vai achar lindo, até eu, é evidente que vou achar o máximo ver carros e pilotos importantes correndo na minha cidade, mas não é esse o jeito correto de fazer as coisas, atropelando regras essenciais de administração de uma cidade do tamanho de São Paulo em nome de um suposto interesse pelo automobilismo. Ele não existe. Peçam para o Kassab dizer o nome de cinco pilotos da Indy, e ele não saberá. É capaz de citar o Emerson. Perguntem quem é o atual campeão, e ele não saberá, também.

Que ninguém venha com esse papo de que São Paulo tem vocação internacional, tem poder econômico etc. Deem uma volta pelo centro da cidade num domingo à tarde (a foto que ilustra este post foi emprestada deste blog do link, de Marcelo Evelin). Ou em qualquer noite, durante a semana. Vejam os moradores de rua largados debaixo do Minhocão, dormindo na merda, os nômades embrulhados em cobertores velhos fumando crack, vagando pelas ruas desertas e imundas, o cenário pós-guerra nuclear, a sujeira, sofás velhos nas calçadas, o cheiro de fezes e urina, a desolação, a falta de esperança e a ausência de preocupação do poder público com o destino dessa gente.

Não sei quanto vai custar essa corrida para a cidade. A Ribeirão, pediram US$ 21 milhões. Imagine-se que São Paulo vá pagar isso, e some-se o custo das obras necessárias. Se tem dinheiro para trazer uma corrida da Band usando a falácia dos “lucros para a cidade e sua imagem internacional”, tem dinheiro para salvar essas vidas, tirá-las das ruas, atacar de frente o problema das drogas.

É o que penso, e quem pensa o contrário que se dane.