Blog do Flavio Gomes
DKW & cia.

FUMAÇAZUL (1)

POÇOS DE CALDAS (50?) – Meu pai, me dando a dica do caminho: lembra quando a gente foi para Águas da Prata e passou por não sei onde? É por lá. Pai, isso faz mais de 30 anos. Mas é o mesmo caminho, ele respondeu. Os pais sempre acham que os filhos se lembram de […]

POÇOS DE CALDAS (50?) – Meu pai, me dando a dica do caminho: lembra quando a gente foi para Águas da Prata e passou por não sei onde? É por lá. Pai, isso faz mais de 30 anos. Mas é o mesmo caminho, ele respondeu.

Os pais sempre acham que os filhos se lembram de tudo. Eu também me pego perguntando aos moleques se eles lembram de coisas e lugares de cinco anos atrás. Pai, a gente era bebê, eles dizem.

Bem, era o mesmo caminho. Mas eu não lembrava, e a este Blue Cloud, o oitavo encontro de DKW que realizamos desde 2003, vim sem mapa, sem anotações, sem GPS, evidentemente. Nada. Para não ser dizer que saí totalmente no escuro, confesso que bati o olho no Google e anotei quatro cidades numa folha de papel: Campinas, Mogi Mirim, Andradas e Poços.

Mas como antes passei por Jarinu para ver umas coisas, e lá encontrei os velhos e recebi a dica do pai durante o almoço, o negócio foi, mesmo, confiar no meu sentido de direção. De Jarinu, à esquerda para pegar a Dom Pedro. Dali me viro.

Waltinho é meu meio de transporte para este Blue Cloud. Como boa parte de meus carros, ele também tem nome. Vivemos grandes histórias juntos. Se um dia ele tiver netos, terá o que contar. Na saída da cidade, parei num posto para jogar água na sua carcaça empoeirada. Estrada de terra é uma praga. Por 15 mangos, deram um trato na caranga. Eu calculava 260 km de SP até Poços, nem sei de onde tirei a distância, no fim descobri que era bem mais. Mas acho que errei o caminho.

Num dia de sol e céu azul, porém, errar o caminho não é nenhum grande problema. Eu precisava manter a proa rumo norte, em direção ao sul. Norte de SP, sul de Minas. Mais ou menos isso. Fui seguindo minha bússola interna depois de sair de Jarinu, que descobri ser a capital nacional das ameixas, escutando uma maluca no rádio que dava dicas de numerologia, vendia escamas de peixes, falava sobre anjos, elaborava mapa astral e fazia massagem cambojana. Tudo no cartão ou em três cheques, o primeiro para 10 de dezembro. Aí a emissora foi sumindo, sumindo, e ficou só um chiado. O rádio de Waltinho é uma bela merda.

Passei por Morungaba, Amparo e Arcadas, e estava chegando a Santo Antonio da Posse quando um pneu estourou. Há um santo que protege os carros antigos na estrada, disso todos sabem, talvez seja esse mesmo da Posse, e o fato é que assim que percebi o problema, numa subida, notei que a não mais do que 200 metros algumas construções indicavam o que parecia ser o início daquela aldeia, e o primeiro estabelecimento comercial da própria era uma borracharia.

Assim, drama algum se configurou com o pneu estourado, da gloriosa marca inglesa Viking, 165/80/R13. Rachou na parede lateral. Acho que é a idade da borracha. Hoje mesmo vou a alguma loja aqui da cidade para trocar os quatro. Não confio mais nos Vikings. Paguei 40 mangos num pneu usado mequetrefe, coloquei de estepe, peguei o estepe e coloquei para rodar.

Deve ter sido um choque para o estepe. A última vez que ele viu asfalto foi ainda na Alemanha Oriental. Mas como não achei lá muito sensato simular um “Adeus, Lenin” para um estepe, deixei que ele se entendesse com a nova realidade da geopolítica mundial.

Tive alguma dificuldade para sair de Santo Antonio da Posse, era horário do rush na cidade. Mas assim que caí na estrada de novo, passei a curtir a paisagem do fim de tarde. O interior de SP é bonito, e gosto particularmente de observar os inferninhos de beira de estrada, aquelas casinhas que se chamam Alguma Coisa Drinks, sempre ao lado de um motel, que vem de motor+hotel, coisa de americano, aqui deveria se chamar metel, dadas suas funções primárias. Gosto também das enormes fábricas, aquelas que a gente nunca sabe onde ficam, embora compremos seus produtos todos os dias nos supermercados, e foi assim que passei pela Ypê, que lava minhas louças, por um depósito da Crystal, cerveja que já devo ter dado uns goles, pela Seara, que faz salsicha, pela Chamex, que produz umas folhas, e pela Mahle, dos pistões dos meus DKWs. Esses não tem em supermercado algum.

Gosto também de imaginar quem foram as pessoas que deram seus nomes aos nossos caminhos, como o Jornalista Walter Lühmann e um certo Luiz Moffa, o primeiro uma ponte, o segundo um viaduto. A rodovia tinha o nome de um vereador, mas não guardei.

E foram ficando para trás Mogi Mirim, Mogi Guaçu, Aguaí, São João da Boa Vista, Águas da Prata, bem que meu pai falou, e acabou SP e começou Minas, e cheguei a Poços de Caldas junto com a noite que caía, e fiquei impressionado com a cidade, uma graça, um rio no meio de uma grande avenida com ciclovia e calçadão, árvores frondosas e pessoas correndo e passeando, mais adiante bares chiques e bonitos, centro histórico, gente na rua, construções antigas preservadas e restauradas, um Cristo Redentor iluminado lá no alto, um coreto com uma bandinha tocando e casais de velhinhos dançando na praça como se fosse a praça um salão de baile, juro pra vocês, e o hotel onde estamos, os DKWs, construído em 1925 e que tem telefone de baquelite e disco no quarto, o que achei o máximo.

Já tem mais de 30 carros lá atrás, um monte de Belcar, Vemaguet, Candango, Puma, Malzoni, mais Waltinho e sua irmã mais velha, uma perua Wartburg que veio de Brasília, turma boa que trouxe 11 fumacentos e a alegria de sempre.

Daqui a pouco nos encontramos no café da manhã para ficar o dia todo falando de DKW. Tem coisa melhor?