Blog do Flavio Gomes
Indústria automobilística

DKW, 80

SÃO PAULO (palmas, que merecemos) – A Audi, na Alemanha, não tem a menor vergonha de seu passado. Muito pelo contrário, cultiva sua história com orgulho e reverência. Bem ao contrário do que aconteceu quando a marca chegou aqui, no final de 1993, pelas mãos da família Senna — que veladamente “escondia” a relação com […]

SÃO PAULO (palmas, que merecemos) – A Audi, na Alemanha, não tem a menor vergonha de seu passado. Muito pelo contrário, cultiva sua história com orgulho e reverência. Bem ao contrário do que aconteceu quando a marca chegou aqui, no final de 1993, pelas mãos da família Senna — que veladamente “escondia” a relação com a DKW, por avaliar que era algo que maculava a imagem “premium” das quatro argolas. Isso me foi dito, na época, por um alto executivo do grupo. Uma bobagem monumental. Quase enfiei a mão no cara.

Hoje recebo um texto do serviço de imprensa internacional da Audi para lembrar que o mês de fevereiro marca o momento mais importante da trajetória da empresa. Há exatos 80 anos, era apresentado no Salão de Berlim o primeiro carro do mundo com tração dianteira fabricado em larga escala, o DKW F1, esse aí da foto, clicado no museu da Horch em Zwickau, na Saxônia. O F, que passaria a ser usado nos códigos para designar os modelos DKW até o fim, era relativo a “front”.

E a história desse carrinho, ancestral de todos os Audi que conhecemos, é maravilhosa. Jörgen Rasmussen, o dinamarquês que fundara a DKW em 1916 (a fábrica fazia pequenos motores a vapor para usos diversos), entrara forte nas motocicletas em 1919 e na década de 30 a DKW era já a maior fabricantes de motos do mundo. Em 1928, ele se tornou acionista majoritário da Audi. Mas a crise mundial no final daquela década atingiu em cheio a empresa, que fazia carrões enormes e luxuosos, com motores de 8 cilindros em linha.

Foi o que o levou a apostar na produção de um carro pequeno, barato, com motor derivado das motos, dois tempos, dois cilindros, e tração dianteira. Em outubro de 1930, Rasmussen deu seis semanas aos seus engenheiros para desenhar um carro com essas características. Em novembro do mesmo ano, o F1 já estava sendo testado. Em fevereiro de 1931, era apresentado em Berlim.

Foi um sucesso. Até 1942, 270 mil F1 e seus derivados saíram da fábrica de Zwickau, onde, depois, seriam feitos os Trabant, com motores de concepção idêntica: dois cilindros, dois tempos, 600 cc. Foi o carro-chefe da Auto Union, uma “joint-venture” nascida em 1932 que uniu Audi, DKW, Horch e Wanderer, popularizando o automóvel na Alemanha muito antes de se pensar em Fusca.

Depois da Guerra, como se sabe, a maior parte das fábricas da Auto Union ficou do lado da recém-criada Alemanha Oriental, e elas deram origem à indústria automobilística da DDR com seus Trabis e Wartburgs feitos pela estatal IFA, todos com motores dois tempos. A empresa se reergueu no lado ocidental fabricando apenas veículos DKW, de 1949 até 1966, quando, depois de passar alguns anos sob controle da Mercedes, foi comprada pela VW — que resolveu descontinuar os dois tempos e ressuscitar a marca Audi, usando as mesmas quatro argolas como logotipo.

Nesse período, foram 887 mil DKWs produzidos em seus vários modelos nas fábricas de Ingolstadt, sede da Audi hoje, e Düsseldorf. Eram os sedãs e peruinhas iguais aos brasileiros, mais o jipe Munga, igual ao nosso Candango, e alguns modelos que nunca foram fabricados aqui, como o Junior, o 1000SP, o F12, o F102 e o furgão Schnellaster.

Audi e DKW são a mesma coisa, em resumo. O primeiro Audi “moderno” foi um sedã derivado do último DKW, o F102, com algumas modificações estéticas na carroceria de três volumes e motor de quatro tempos. Pode-se dizer sem medo de errar que foi desse carrinho aí da foto que nasceu a empresa que, no ano passado, vendeu 1.092.400 carros no mundo inteiro, saídos de cinco fábricas diferentes (duas na Alemanha, uma na Hungria, uma na Bélgica e uma na China), pelas mãos de 60 mil funcionários.

Um brinde ao F1, pois. Nome de carro que, curiosamente, é o mesmo da principal categoria do automobilismo mundial. E, até onde se sabe, nenhum descendente de Rasmussen pensou em processar Bernie Ecclestone pelo uso indevido da marca… Ao contrário do que faz o próprio o tempo todo, julgando-se dono da letra F e do algarismo 1.