Blog do Flavio Gomes
Grande Prêmio

O CASO TARSO

SÃO PAULO (e os chatos somos nós) – Uma “nota de esclarecimento” assinada por Tarso Marques está circulando hoje entre a imprensa especializada. Refere-se à reportagem de capa da Revista WARM UP #13, de abril, sobre o caso de doping de Tarso Marques omitido pela CBA. Até então. Porque no dia 5 de maio a […]

SÃO PAULO (e os chatos somos nós) – Uma “nota de esclarecimento” assinada por Tarso Marques está circulando hoje entre a imprensa especializada. Refere-se à reportagem de capa da Revista WARM UP #13, de abril, sobre o caso de doping de Tarso Marques omitido pela CBA.

Até então. Porque no dia 5 de maio a CBA foi obrigada a vir a público para confirmar que Marques “teve sua licença de piloto suspensa pelo período de dois anos”. O comunicado da CBA, cuja íntegra está logo abaixo, é encerrado com a seguinte frase: “O piloto está a par desta conclusão e não há registro de recurso contra a decisão”. É interessante lê-lo de cabo a rabo para tentar compreender o incompreensível, a “nota de esclarecimento” de Tarso divulgada hoje.

STJD da CBA confirma suspensão de Tarso Marques

Piloto foi suspenso por dois anos

Rio de Janeiro, 5 de maio de 2011 – O Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) da Confederação Brasileira de Automobilismo (CBA), através de documento apresentado pelo Auditor-Relator Dr. Leonardo Pampillon Gonzalez Rodrigues, confirmou que o piloto Tarso Aníbal Sant´Anna Marques teve sua licença de piloto suspensa pelo período de dois anos. A decisão obedece aos regulamentos internacionais adotados pela Federação Internacional do Automóvel (FIA) e pela Agência Mundial Antidoping (WADA) atualmente em vigor.

A decisão foi tomada após o processo instaurado e realizado pelo STJD, órgão que opera de forma totalmente independente da CBA. Na análise de material colhido de acordo com os critérios estabelecidos pela FIA e pela WADA foi constatada a presença das substâncias Norantosterona e 3´hidroxiestazolol.

O piloto está a par desta conclusão e não há registro de recurso contra a decisão.

Confederação Brasileira de Automobilismo
Assessoria de Imprensa
Wagner Gonzalez

Ótimo. O comunicado não é das melhores peças lítero-informativas às quais já tive acesso, mas vá lá. Digo isso porque falta dizer quando foi feito o exame, quando a suspensão foi aplicada, em qual corrida e de qual categoria ele foi pego etc e etc e etc. Isso, no entanto, quem leu a WARM UP de abril já sabia. Para quem não leu, está aqui.

Agora, leiam o comunicado do piloto, que chegou através da empresa MS2 Comunicação Integrada, com sede em Porto Alegre.

Nota de esclarecimento – Tarso Marques

São Paulo, 3 de junho de 2011

Tendo em vista as notícias veiculadas nos últimos dias, especialmente por parte de um site e blog especializados em competições automobilísticas, o piloto TARSO MARQUES vem esclarecer para a mídia, aficionados, promotores de eventos esportivos e parceiros comerciais do automobilismo nacional o seguinte:

a) Em sessão realizada na última quinta-feira, dia 26 de maio, o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), da Confederação Brasileira de Automobilismo (CBA), reuniu-se e decidiu acolher, por unanimidade de votos (cinco a zero), o requerimento interposto pelo piloto Tarso Marques.

Tarso havia sido denunciado por ter ingerido um medicamento, flagrado em exame regular de dopagem realizado na última etapa da Stock Car V8 em 2009. Mesmo que a data da utilização desta medicação tenha ocorrido meses antes da referida competição, restaram traços da substância em seu organismo, como o rigoroso exame apontou.

b) Por se tratar de uma análise qualitativa, a substância foi detectada, apesar da ínfima quantidade do resultado, e, como a lista dos produtos proibidos pela Agência Mundial de Controle de Doping (WADA) é extremamente ampla e diversificada, os responsáveis médicos da CBA enquadraram o piloto na condição de infrator.

c) Diante deste fato, o STJD entendeu de aplicar uma punição que foi agora revista, em razão dos argumentos e provas apresentados, pois ficou clara a ausência de dolo na ingestão do medicamento que, ressalte-se, não colaborou sob nenhum aspecto para alterar o desempenho da função no esporte, seja na parte física ou mesmo psicológica.

d) Com esta decisão, agora definitiva e irrecorrível, Tarso continua a participar de provas automobilísticas em qualquer parte do mundo, sem nenhum tipo de restrição.

e) O piloto faz questão de destacar o exemplar comportamento da CBA, que, enquanto aguardava uma decisão definitiva da Justiça Desportiva, tomou todas as cautelas para proteger a imagem pública de um filiado, respeitando o natural segredo de justiça que causas envolvendo suspeita de doping exigem.

f) Infelizmente, este caso terminou vindo a público quando, por provocação de um portal de notícias esportivas (mal informado este, que já tem como característica querer criar polêmica a título de notoriedade), a mídia tomou conhecimento parcial dos fatos, como ressalta o advogado do piloto, Marcelo Aiquel: “Em realidade, o que houve foi uma típica atitude irresponsável de jornalistas mal informados, ávidos por matérias de teor sensacionalista, que sequer procuraram checar a completa veracidade das informações e publicaram de forma espalhafatosa uma matéria tendenciosa e bastante divorciada da realidade. A prova desta imparcialidade é que, decorridos apenas poucos dias do referido “furo” jornalístico, o egrégio STJD revisou a sua própria decisão anterior, atendendo pedido formulado em dezembro passado, logo após o julgamento do processo, e meses antes da “investigação” jornalística citada. É lamentável constatar que, quem cobra profissionalismo no automobilismo, não faça do seu próprio trabalho um exemplo daquilo que exige, com tanto ênfase, dos dirigentes. Mas, como em todos os grupos, encontramos os bons e os maus profissionais. Eu diria que o tal portal e seus blogs deram uma “patinada” ao procurar fazer sensacionalismo sem antes buscar, de forma responsável, descobrir a verdade dos fatos.”

g) Tarso vem estudando algumas propostas para, em breve, disputar campeonatos e declara: “Graças a Deus, meus patrocinadores sempre acreditaram na minha inocência e não se deixaram induzir pelos boatos. Como é notório, aguardei meu julgamento certo de que a justiça seria feita. Agora a minha meta é focar exclusivamente nas vitórias. Infelizmente, existem pessoas deste tipo em todos os lados e é uma pena pois nós, esportistas, sempre contamos e procuramos atender a imprensa que sempre nos apoia em grande maioria e mesmo assim existe esta espécie que, para tentar promover seu sitezinho, blog ou o que quer que seja acabou querendo usar meu nome (que já tem uma historia sólida no automobilismo) para fazer sensacionalismo, e trazer a atenção de leitores e visibilidade ao seu site. Esse tipo de imprensa, sim, deveria ser banido do automobilismo, pois tem uma arma nas mãos e saem falando besteiras sem base, sem veracidade e acabam prejudicando outras pessoas. Mas acredito que, depois dessa, todo mundo ficará com um pé atrás ao receber suas publicações”.

Tarso Marques

Ótimo.

Eu até tenho algumas perguntas. Gostaria de saber, por exemplo, por que a CBA diz em seu comunicado, de maio, que não havia nenhum recurso do piloto, e o advogado diz que “o egrégio STJD revisou a sua própria decisão anterior, atendendo pedido formulado em dezembro passado”. Foi feito um pedido em dezembro e cinco meses depois, em maio, a CBA ainda não sabia?

Putz.

O rapaz foi suspenso no final de 2009 e em dezembro de 2010 pediu para reformularem a decisão?

Putz.

O item “f” do comunicado társico também me causa espécie. “Infelizmente, este caso terminou vindo a público quando, por provocação de um portal de notícias esportivas (mal informado este, que já tem como característica querer criar polêmica a título de notoriedade), a mídia tomou conhecimento parcial dos fatos (…)”.

Infelizmente? Claro. Melhor seria se tudo ficasse escondido, ninguém soubesse de nada. Ora, bolas, que gente chata, que se mete na nossa vida! Só porque é um caso de doping num esporte de risco, corrida de automóvel, as pessoas precisam ficar sabendo que tem bolinha rolando na parada?

Que gente chata.

Na verdade, o arrazoado da “nota de esclarecimento” é ótimo, porque de fato esclarece como alguns personagens do mundo do esporte, em particular do automobilismo, acreditam que deve ser o jornalismo: parceiro, brother, cheio de conchavos, amiguinho, pra que falar de coisa ruim se é tudo tão bacana, não?

Meu site, nossa revista, meus repórteres, são implacavelmente descascados pelo advogado e pelo piloto, com estilo e elegância. Não custa listar o que acham de nós Tarso e seu defensor Aiquiel: sensacionalistas, espalhafatosos, tendenciosos, divorciados da realidade (aqui cabe: a realidade era um caso de doping escondido pela CBA, com nome, data, endereço)… O advogado fala que a “prova da imparcialidade” etc é que o tribunal etc. Imparcialidade nossa, creio, e agradecemos o elogio. Mas será que nunca as pessoas vão parar de confundir “parcialidade” com “imparcialidade”? Ser imparcial é legal, gente! Obrigaduuuuuu!

Mas sigo. Fomos acusados de “patinar” na busca da verdade dos fatos (aqui cabe de novo: a verdade dos fatos era um caso de doping escondido pela CBA etc). “Patinar”. Pô, aí é sacanagem. Chamou de patinador, iiihhhh!

E Tarso, rapaz a quem sempre admirei, com quem convivi por algum tempo quando ele estava na F-1, figura doce, simpática, ótimo piloto, diga-se (Alonso vive dizendo que ele foi seu professor na Minardi), segue com suas considerações sobre o Grande Prêmio e a Revista WARM UP, lamentando que exista “esta espécie que, para tentar promover seu sitezinho, blog ou o que quer que seja acabou querendo usar meu nome (que já tem uma historia sólida no automobilismo) para fazer sensacionalismo, e trazer a atenção de leitores e visibilidade ao seu site”.

Pô, o Grande Prêmio não é um sitezinho, não! É até grandinho, mas pode crescer, claro. De forma que é sempre bom quando o noticiário é quente e envolve grandes nomes do automobilismo. Já pensou um caso de doping do Schumacher? Ou do aluno Alonso? Putz, a gente arrebentaria a boca do balão. Mas lamento informar que nossa audiência não aumentou grande coisa com a revelação do caso de doping de Marques — que não é exatamente um personagem de enorme popularidade; se a gente tivesse de usar o nome de alguém para dar “visibilidade” ao site, talvez a escolha recaísse sobre figuras mais notórias, como Justin Bieber (coloquei nas tags, isso bomba, ops, em ferramentas de busca!) ou Tati Quebra-Barraco. Existe uma Tati Quebra-Barraco, não?

Alguém pode imaginar que esse tipo de coisa me aborrece. Pode-se dizer que nestes anos todos de jornalismo não fiz grandes amigos, digamos, entre aqueles cujas trajetórias esportivas me cabe relatar para meus amigos de verdade, os leitores — e telespectadores, ouvintes, internautas, aqueles que consomem a informação que eu e minha equipe produzimos. Só neste ano, por exemplo, desagradamos os Giaffone por causa das mortes na Stock Light e na Copa Montana, aquele menino Nunes que postou um vídeo de uma moto a 300 km/h numa estrada brasileira, uns caras que vendem pastilhas, e em passado recente aconteceu o mesmo com pilotos e promotores de várias categorias, além de dirigentes, políticos e até jornalistas do meio que tem um, hum…, diferente grau de “engajamento” com aquilo que cobrem.

Não, essas coisas não me aborrecem. Não, não me sinto ofendido quando um piloto chama meu site de “sitezinho”, ou de “sensacionalista”, ou de “divorciado da realidade”.

Eu conheço a realidade. Meus repórteres também. Alías, meu editor Victor Martins rabiscou algumas saborosas linhas sobre o tema também, e elas estão aqui. Não temos nenhuma pretensão messiânica com o que publicamos, com o tipo de jornalismo que praticamos. Nunca derrubamos ninguém, nenhum presidente de federação caiu, ninguém fez nada em relação aos carros da Copa Montana, nenhum autódromo ficou melhor porque a gente vive dizendo que todos são ruins, as arquibancadas continuam vazias, nenhuma categoria nasceu ou morreu por nossa causa, na verdade estamos cagando e andando para essas coisas.

O que fazemos tem um nome e alguns adjetivos que a ele, o nome, sempre são associados por quem nos acompanha há tantos anos: sério, honesto, imparcial, isento. É por isso que algumas pessoas não gostam de nós. É difícil gostar de quem é exatamente o contrário daquilo que se é.