Blog do Flavio Gomes
Automobilismo internacional

SOBRE PIETRO FITTIPALDI

SÃO PAULO (informem-se) – Está causando comoção nas redes sociais a notícia divulgada pelo blog de José Cruz, no UOL, de que “verba pública financia a carreira de neto de Fittipaldi nos EUA”. Diz respeito à aprovação, pelo Ministério do Esporte, de projeto que prevê a captação de R$ 1.001.203,00 em recursos na iniciativa privada […]

Pólo pode?

SÃO PAULO (informem-se) – Está causando comoção nas redes sociais a notícia divulgada pelo blog de José Cruz, no UOL, de que “verba pública financia a carreira de neto de Fittipaldi nos EUA”. Diz respeito à aprovação, pelo Ministério do Esporte, de projeto que prevê a captação de R$ 1.001.203,00 em recursos na iniciativa privada em forma de benefícios fiscais para financiar o garoto na Nascar.

É uma falsa polêmica, e desonesta. Não há dinheiro saindo dos cofres públicos para pagar a conta de Pietro Fittipaldi. Há um projeto apresentado ao ministério dentro daquilo que prevê a Lei de Incentivo ao Esporte. Pode-se discutir se a lei é aceitável, se essa história de renúncia fiscal faz algum sentido. Mas uma vez que ela existe e os proponentes atendem às exigências legais, qualquer um pode apresentar um projeto e pleitear não a verba pública, mas o direito de captar o dinheiro junto a patrocinadores — esses, sim, é que pagam a conta, destinando sua grana para os projetos em vez de usá-la no pagamento de alguns impostos.

Assim, alguém tentar patrocínio para correr de carro é tão “legítimo”, do ponto de vista da legislação,  quanto uma entidade buscar patrocínios, usando a Lei  Incentivo ao Esporte, para um projeto de capacitação de professores de educação física ou para a construção de uma quadra de esportes na periferia.

O blogueiro que está fazendo alarde com o que considera um absurdo, o que chama de verba pública para financiar a carreira de um piloto, está sendo desonesto na medida em que pega o automobilismo como mau exemplo único de renúncia fiscal. Assim como o Ministério do Esporte aprova, para captação, projetos teoricamente mais louváveis como “Esporte para Inclusão: Apoio ao Basquetebol sobre Rodas” (autorização para captar R$ 947.584,20) do Instituto Cultural, Educacional e Profissionalizante de Pessoas com Deficiência no Brasil (número do processo 58701.004474/2010-93), aprova outros bem menos, digamos, “defensáveis”.

Exemplos? Basta entrar na página que lista todos os projetos aprovados para captação de recursos, neste link aqui. Numa busca boba, a partir de 1/1/2011, sem nenhum juízo de valor, encontrei:

– R$ 1.164.951,33 para o Clube de Pólo São José, de São Paulo, fazer a “Copa de Ouro”
– R$ 1.642.820,38 para o Crixás E.C., de Goiás, tocar o projeto “Bom de Base 80”
– R$ 1.770.099,11 para o Automóvel Clube do Vale do Paraíba, de São Paulo, levar a cabo o projeto “Leonardo Cordeiro na GP3 2011”
– R$ 3.556.573,84 para o Clube de Natação de Maratonistas C. Naman, de São Paulo, conduzir o projeto “Navega SP – Ampliação”
– R$ 896.761.04 para a Associação Marcos Mercadante de Judô, de São Paulo, colocar na praça o projeto “Kimono de Ouro II”
– R$ 1.267.425,39 para o Joinville E.C., de Santa Catarina, seguir com a “Academia de Futebol – plano anual de atividades”
– R$ 7.950.956,88 para o Centro Esportivo e Educacional Jorginho Bola pra Frente, do Rio, implantar o “Centro de Capacitação Toque de Mestre”

Não estou julgando a qualidade de nenhum desses projetos, mas não vejo por que pólo, judô, natação e futebol podem ser contemplados com a Lei de Incentivo ao Esporte e o automobilismo, não. Desde que todos atendam às exigências do ministério, apresentem contrapartidas e as cumpram, não há nada de legalmente errado nisso.

O que há de errado, talvez, sejam os critérios que o ministério usa para aprovar os projetos. Pelo que sei, um projeto bem elaborado passa sossegado nas comissões do ministério, independentemente da modalidade que contempla. Nessa busca que dei, a partir de 1/1/2011, encontrei 551 projetos aprovados. Mas insisto: a aprovação é para captação de recursos em forma de patrocínio no mercado, não dinheiro que sai do caixa da União direto para os proponentes. E a maioria deles não consegue captar nada.

Sim, é claro que esse dinheiro, quando captado junto a patrocinadores, deixa de entrar nos cofres públicos em forma de impostos e passa a financiar projetos esportivos que muita gente pode contestar. Mas a Lei de Esporte é assim, assim com as leis de incentivo à cultura e outras tantas que preveem renúncia fiscal para financiamento de atividades diversas. Está aí o Itaquerão que não me deixa mentir.

Então, sejamos honestos. O governo não está bancando diretamente as aventuras de Pietro Fittipaldi na Nascar, assim como não está bancando jogadores de basquete de cadeira de rodas. O governo oferece uma possibilidade de se captar dinheiro para que esses projetos sejam levados adiante. Achar que basquete de cadeira de rodas pode e automobilismo não pode é julgar uma lei com critérios próprios, muito pessoais. Eu, por exemplo, acho uma aberração um clube de pólo tentar grana através de renúncia fiscal. Só milionário joga esse negócio, assim como só gente rica corre de carro. Mas é um direito que o clube tem, porque a lei existe e deve servir para todos, ricos e pobres.

Demonizar o automobilismo porque busca receita nas mesmas fontes que esportes mais “pobres” é meio populista. Acho, sim, que cabe a quem vai buscar a grana ter um mínimo de consciência e entender que a renúncia fiscal quebra um puta galho, mas nem sempre é algo positivo para o país. Eu, se sou do clube de pólo, teria vergonha na cara e não iria buscar dinheiro dessa forma. O mesmo se aplica aos Fittipaldi, que têm vastas condições de obter recursos sem recorrer à Lei de Incentivo ao Esporte. Exagerando, eu poderia elaborar um lindo projeto para correr de carros clássicos e tentar arrumar uma grana para o Meianov com recursos da Lei de Incentivo ao Esporte, mas não o faço porque seria uma picaretagem sem tamanho. Não acho que essa conta tenha de ser paga com dinheiro que poderia ser destinado a coisas bem mais nobres, mesmo sabendo que ele sai, em primeira instância, dos cofres de empresas privadas.

Mas a lei existe e está aí para ser usada por quem se acha no direito de usá-la. É uma democracia, não? Eu, quando for presidente do mundo, naturalmente vou acabar com ela. Ou, então, escolherei pessoalmente os projetos que merecem aprovação. E antes que perguntem, aprovaria o do basquete sobre cadeira de rodas, não aprovaria o do Pietro Fittipaldi, nem o do clube de pólo. E tentaria descobrir quem é esse Jorginho Bola pra Frente e que pito toca o Crixás E.C.