Blog do Flavio Gomes
Gira mondo

GIRA MONDO, GIRA

SÃO PAULO (dois temas, hoje) – O ex-respeitado (eu, pelo menos, respeitava até acontecerem algumas coisas na redação do jornal no ano passado) “El País”, da Espanha, teve de mandar recolher milhares de exemplares hoje de manhã. Ontem à noite, o jornal comprou por 30 mil euros, de uma agência desconhecida, uma suposta foto de […]

SÃO PAULO (dois temas, hoje) – O ex-respeitado (eu, pelo menos, respeitava até acontecerem algumas coisas na redação do jornal no ano passado) “El País”, da Espanha, teve de mandar recolher milhares de exemplares hoje de manhã. Ontem à noite, o jornal comprou por 30 mil euros, de uma agência desconhecida, uma suposta foto de Hugo Chávez entubado.

Entubou-se o “El País” — que, como muitos órgãos, entidades, governos e gentes, numa demonstração de ausência de caráter, aguarda a morte do presidente venezuelano para soltar seus fogos Caramuru. A imagem havia sido capturada de um vídeo do YouTube. Não era uma foto, muito menos de Chávez.

“O ‘El País’ publicaria uma foto semelhante se fosse de algum líder europeu?”, questionou o ministro da Informação da Venezuela, Ernesto Villegas. Claro que não. A Venezuela, aos olhos da direitona mundial, e aqui no Brasil a patética direitinha liderada pelos ex-grandes jornais e pela ex-revista faz o mesmo, é uma aberração por ter um presidente de traços indígenas, que tirou milhões da miséria e enfrentou uma das elites mais perversas da história da humanidade. “Já pensou se outros resolvem fazer o mesmo com a gente?”, é o que temem direitinhas e direitonas apavoradas.

Quem só se baseia nas merdas escritas pela “Folha”, “Estadão” e “Veja” para formar uma opinião sobre Chávez deveria buscar informação real onde ela existe. Não falo de textos, nem de vídeos panfletários. Falo de informação. Este perfil de Gustavo Cisneros, por exemplo, escrito pelo jornalista inglês Richard Gott, que colabora com frequência com jornais como “The Guardian” e “The Independent”.

Mas, sobretudo, deveriam perder uma horinha de suas vidas bestas para assistir a este documentário aqui: “A Revolução não será televisionada”, dos irlandeses Kim Barlteyl e Donnacha O´Brian, que estavam meio por acaso em Caracas em abril de 2002, quando os canalhas de sempre tentaram um golpe de Estado para derrubar Chávez. Conseguiram por algumas horas. O presidente eleito teve de fugir de Miraflores para destino desconhecido, mas acabou voltando, reconduzido ao cargo pelo povo venezuelano e por parte das Forças Armadas.

Este documentário mostra aquilo que a direitona e a direitinha não assumem: que a Venezuela sempre foi um puteiro das elites dominantes, dos barões da mídia que vivem em Miami e das grandes corporações que enriqueceram barbaramente roubando petróleo do país. Tem no YouTube também, se alguém tiver problemas com as legendas.

Chávez é tratado com desdém e ódio pela ex-imprensa brasileira por conta da má-fé, do desconhecimento, do preconceito. É chamado de “ditador”, mesmo tendo sido eleito várias vezes — essa mesma ex-imprensa não se refere a nenhum sheik árabe que usa Rolex e anda de Ferrari banhada a ouro de ditador; afinal, eles governam coisas lindas como Dubai e Abu Dhabi. Chega-se ao extremo, por aqui, de se torcer pela morte do presidente, que combate dolorosamente um câncer em Cuba.

A estupidez não tem limites.

Um pouco mais abaixo da Venezuela, já no Nordeste brasileiro, Ivete Sangalo fez um show sexta-feira em Sobral, no Ceará, na inauguração de um hospital. O governador Cid Gomes contratou a cantora mãos-pro-alto-tira-o-pé-do-chão por 650 mil dinheiros nacionais.

É evidentemente uma aberração gastar-se dinheiro público, num Estado pobre, com um show de inauguração de hospital. Por isso mesmo o governador está sendo questionado por um procurador local, e se sai com respostas estarrecedoras. Que arda no fogo do inferno.

Mas de governantes já se espera esse tipo de canalhice (aproprio-me do termo usado, com enorme precisão, por Ricardo Boechat hoje na rádio BandNews). O que não engulo é essa classe artística brasileira despida de qualquer caráter.

Uma cantora trepada na grana como Ivete Sangalo, que tem milhões de fãs e serve de exemplo para tanta gente com suas pernas enormes e seu discurso sou-boazinha-e-somos-todos-felizes, essa moça que propaga, fim de semana sim, fim de semana não, no programa do Luciano Huck, ou quando vai ao Faustão, ou no “Fantástico”, suas qualidades de batalhadora incansável, mãe exemplar e portadora da alegria ao povo brasileiro, não poderia simplesmente dizer “não”?

Não poderia divulgar uma nota oficial informando que se recusou a receber 650 mil reais do povo cearense para inaugurar um hospital? Ou, pelo menos, não poderia doar o cachê integral e imediatamente ao próprio hospital, para deixar o idiota do governador com cara de cu?

Ivetão, como alguns a chamam, ou Ivetinha, como a ela outros se referem, precisa, realmente, tirar 650 mil reais da população do Ceará? Já não faz shows em quantidade suficiente com suas pernonas por aí? Não tem vergonha na cara?

Não, não tem. Nem ela, nem a maioria.