Blog do Flavio Gomes
Gira mondo

GIRA MONDO, GIRA

SÃO PAULO (direitinha ridícula) – A capa da “Folha” hoje traz uma foto no alto, acima da dobra, de Yoani Sánchez, a blogueira cubana que, oh!, finalmente!, conseguiu sair de Cuba para dar a volta ao mundo com o objetivo de falar mal de Cuba. “Adeus Fidel”, teve a grande sacada o redator, que surpreendentemente […]

ontnmSÃO PAULO (direitinha ridícula) – A capa da “Folha” hoje traz uma foto no alto, acima da dobra, de Yoani Sánchez, a blogueira cubana que, oh!, finalmente!, conseguiu sair de Cuba para dar a volta ao mundo com o objetivo de falar mal de Cuba. “Adeus Fidel”, teve a grande sacada o redator, que surpreendentemente deve ter visto “Adeus, Lênin!”. Ou talvez tenha sido coincidência, apenas. Minha amiga Marina Samurai Miyazaki, indignada, escreveu no Twitter: “Como se essa rapariga estivesse à altura de rivalizar coma importância histórica de Fidel”.

No ponto.

Ontem, durante sua incrível jornada, Yaoni fez uma escala no Panamá e quase teve um orgasmo ao descobrir que no aeroporto havia uma zona com wi-fi liberado. Oh! Como é belo o mundo aqui fora!

Ela tuitou o tempo todo antes de embarcar. Não sei como encontrou sinal aberto no aeroporto de Havana.

A tonta morou anos na Suíça. Esse papel de silvícola que se surpreende quando vê um espelhinho beira o patético (a propósito, leiam este texto do Lúcio de Castro, escrito no ano passado, para saber direitinho que tipo de gente é a blogueira incensada pela direitinha ridícula e cada vez mais inexpressiva nesta América do Sol; tem esse aqui do Altamiro Borges, também). Voltou a Cuba porque quis. Tem sua vidinha de blogueira inútil bancada por agências americanas e pela imprensa espanhola — a mesma que publicou uma foto falsa de Chávez quase morto. Chávez, como se sabe, voltou hoje à Venezuela.

Yaoni, de uma relevância próxima do zero — qual a novidade de se falar mal de Cuba? — foi vaiada quando chegou a Recife, de madrugada. Mas será aplaudida e paparicada pelos integrantes do Instituto Millenium que na quinta-feira irão vê-la numa palestra na sede do… “Estadão”, claro, este baluarte da modernidade e do livre pensamento.

No mesmo dia em que a desocupada embarcou em Havana, um rapaz de 39 anos suicidou-se no Brasil. Carlos Alexandre Azevedo foi barbaramente torturado pela ditadura militar quando tinha um ano e oito meses. Vocês não leram errado. Um ano e oito meses. A história está aqui, contada há três anos pela “IstoÉ”. Sua morte foi comunicada pelo pai, Dermi, com uma nota no Facebook. Carlos Alexandre foi levado junto com os pais pela equipe do carniceiro Sérgio Paranhos Fleury à sede do DEOPS, que prendeu o casal em janeiro de 1974 sob a acusação de ter em casa um livro que falava sobre a escalada fascista no Brasil. Um bebê. Apanhou que nem gente grande, levou choques, foi golpeado na cabeça a atirado no chão. Um bebê. Nunca se recuperou dos traumas, nunca conseguiu viver em sociedade.

Não mereceu foto na primeira página de jornal algum, que eu saiba. Ao contrário da importantíssima Yaoni, combatente do teclado, que vai dar a volta ao mundo falando mal de Cuba, de como é dura sua vida. Sua pregação será noticiada e ganhará repercussão naquilo que se chamava de grande mídia. Que, por sua vez, alimentará as conversas da nossa brava classe média que todas as noites agradece aos céus por viver num país que lhe permite viajar para Miami todos os anos sem grandes problemas, exceto uma razoavelmente incômoda fila no consulado dos EUA — ainda que as coisas estejam ficando cada ano mais difíceis, veja só, a empregada agora quer carteira assinada e tem uma ali no 181 que ganha quase dois mil reais por mês, um absurdo.

Yaoni será ouvida e aplaudida, e muita gente terá pena dela porque em Cuba não tem wi-fi no Starbucks, nem tem Starbucks.

O grito de desespero de Carlos Alexandre não será ouvido por ninguém.