Blog do Flavio Gomes
F-1

SANTA PISTA (2)

SÃO PAULO (eu falo…) – Podem construir quantos autódromos quiserem no mundo. Para corrida noturna, com refletores de led, boxes com ar-condicionado, torres de controle espelhadas, inventem o que quiserem. Mas nunca conseguirão fazer algo parecido com Spa. Onde mais, com o cronômetro zerado, um cara que está na pole, de uma equipe pequena, vê […]

trapiste2SÃO PAULO (eu falo…) – Podem construir quantos autódromos quiserem no mundo. Para corrida noturna, com refletores de led, boxes com ar-condicionado, torres de controle espelhadas, inventem o que quiserem. Mas nunca conseguirão fazer algo parecido com Spa.

Onde mais, com o cronômetro zerado, um cara que está na pole, de uma equipe pequena, vê ruir seu sonho em questão de segundos pelos que ainda estavam na pista? Pista que estava molhada, piorando, mas de repente melhorou? Onde mais três dos quatro carros das piores equipes do universo seriam capazes de passar para o Q2 numa classificação de F-1? Onde mais um piloto que vinha se arrastando nos treinos consegue, do nada, arrancar uma pole na qual nem ele, nem o time, nem ninguém acreditava?

Só em Spa-Francorchamps.

“É o clima, seu estúpido!”, diria famoso colunista de economia. Verdade, é o clima. Sempre foi assim em Spa. Viram ontem o vídeo da corrida de 1955? Já tinha chuva, já tinha sol, tudo junto e misturado. Só mesmo nessa santa pista belga.

Bem, como todos já sabem a esta altura do dia, deu Hamilton de novo. Aos números, para não escapar nada: quinta dele no ano, quarta seguida, oitava da Mercedes em 11 GPs nesta temporada, 31ª do piloto inglês na carreira. É o sétimo nas estatísticas, uma pole atrás de Mansell e duas atrás de Prost e Clark.

“Não acredito!”, está gritando Lewis até agora, e gargalhando do destino. Vai ganhar a corrida amanhã? Não creio, se estiver seco e firme. Aí dá Red Bull, provavelmente com dobradinha. Aliás, Spa quando está seco e firme não tem graça nenhuma, já houve uma ou outra corrida lá chata pacas. Porque é uma pista completa, tem de tudo, subida, descida, curva lenta, rápida, de raio longo, retas enormes, retinhas curtas, chicanes. Em circuitos assim, o melhor carro ganha sempre. Se as condições forem normais, claro. Se o tempo estiver seco e firme.

Só que não vai estar seco e firme, as condições em Spa quase nunca são normais, então que não se arrisque muita coisa nos palpites. Pode acontecer qualquer coisa, como aconteceu hoje na classificação. No Q1 o Van der Garde ficou em terceiro. Chilton e Bianchi passaram ao Q2. Só em Spa, lembrem-se. Barrichello fez uma pole lá de Jordan em 1994. Fisichella, de Force India em 2009. É a delícia do caos, é o clima, seu estúpido.

Vamos lá, ao que rolou nas Ardennes hoje. No Q1 a pista estava um sabão dos infernos, todos saíram de intermediários, garoava, e as primeiras voltas foram fechadas, pela turma da ponta, em 2min06s. No seco, para comparar, os mais rápidos estavam virando na casa de 1min48s. Mas em Spa o asfalto seca rápido. A 9 minutos do final, já tinha um trilho. E faltavam 5 quando Chilton, o marússico, colocou slicks. Bianchi e Van der Ley, da Caterham, fizeram o mesmo. O que é um peido para quem já está todo cagado?, como diz uma amiga minha, finíssima. As nanicas ficam sempre nas duas últimas filas. Vamos arriscar, ora bolas. Pic só não colocou slicks também porque seu carro foi parado para a pesagem. Senão, seriam os quatro a causar.

E causaram. Van der Ley ficou em terceiro, Bianchi em 11° e Chilton em 16°. Todos passaram ao Q2, para gáudio dos que torcem para os mais fracos. Alonso foi o mais rápido virando dois duro (2min00s, leigos), seguido por Hamilton e o já citado Van der Garde. Dançaram na primeira degola: Maldanado (que no fim do Q1 chegou a ficar em primeiro, quando a pista estava secando, e em segundos despencou para o inferno), Verme, Ricardão, Sapattos, Guti-Guti e Pica.

O Q2 não seria muito dramático porque, na prática, de 16 participantes apenas 13 disputariam os dez primeiros lugares para ir ao Q3. Afinal, os três nanicos já tinham cumprido a cota de milagres do dia. E a chuva tinha parado. Deu tempo até de experimentar os pneus médios e os duros. Os tempos caíram para 1min50s. Mesmo assim, quando o cronômetro zerou Massa, Rosberg e Di Resta eram os três eliminados junto dos pequeninos. Mas estavam na pista, ainda, fechando voltas. E todos conseguiram seu lugarzinho no Q3, deixando para trás, a partir do 11°: Incrível Hulk, Futil, Chapolim, Van der Ley, Branquinho e Chaton. Raikkonen fechou essa parte do treino na frente, com 1min48s296 — estava tudo seco mesmo, parecia que nunca tinha chovido na história belga. Quem bateu na trave foi Hamilton, o décimo. Estava apagado, o inglês.

E quando começou o Q3, o que veio junto? A chuva, claro. Óbvio. Estamos falando de Spa. Todos saíram de slicks médios, menos Di Resta. No meio da pista todos viram que com pneu de pista seca não ia dar, e voltaram todos para os boxes para colocar intermediários. Menos Di Resta, que já tinha esses pneus desde o início e, assim, conseguiu dar uma volta sozinho, sem mais ninguém na pista, e no melhor momento do asfalto: seco no começo da volta, não muito molhado no fim dela. Resultado: 2min02s332. E a chuva apertando. Pole, uai! Aposta certeira, monstro, mágico! Iria repetir o que fez Fisichella na mesma Force India em 2009, demais!

Como o tempo no Q3 é curto e na Bélgica as voltas são longas, a correria foi imensa. Enquanto Di Resta dava sua volta, os demais trocavam os pneus. Massa foi o primeiro da fila a sair dos boxes com intermediários e virou 1s727 mais lento que Paul. Alguma dúvida que o escocês tinha dado o tiro definitivo? Todos seriam mais lentos que ele, a chuva estava apertando, bingo!

Mas, ops… Rosberguinho fechou uma volta 0s541 mais lento, apenas. Será possível que em dois minutos a chuva vai parar, a pista vai melhorar e todo mundo vai me passar?, perguntou-se Resta Um, intrigado. Sim, Resta Um. É Spa. E foram assim os dois minutos finais da classificação. Cronômetro zerado, um monte de gente com volta aberta, Rosberg fecha mais uma 0s081 melhor que Di Resta, tirando o doce da boca do forceíndico. Aí vem a dupla da Red Bull e crava primeiro e segundo, antes Webber, depois Vettel. E então surge Hamilton, que apresenta o nabo da Mercedes ao resto do mundo com 2min01s012 para ficar com a pole. Uma volta incrível, de um piloto que tem algo a mais.

Hamilton, Vettel, Webber, Rosberg e Di Resta ficaram com os cinco primeiros lugares. Button, Grosjean, Raikkonen, Alonso e Massa fecharam o top 10. A Ferrari pode andar mais que nono e décimo, suas posições de grid. A Lotus também. Seus pilotos, porém, por questão de segundos, acabaram não pegando a pista do jeito ideal, algo que Rosberg, Hamilton, Vettel e Webber conseguiram. Faz parte. É Spa.

Que seja assim o GP amanhã. Uma zona federal. E se tiver de torcer para alguém, que seja para Hamilton, piloto muitas vezes comovente na disposição, no entusiasmo, no amor às corridas. E o único, nesta segunda metade da temporada, que pode incomodar Vettel. O alemãozinho deve conseguir o tetra, é favorito e merecedor. Mas que tenha algum trabalho para isso. Muito fácil não tem graça.