Blog do Flavio Gomes
Automobilismo internacional

O FATOR MEDO

SÃO PAULO (assino embaixo) – O Ricardo Divila mandou este link com uma interessante entrevista com Anthony Davidson, piloto inglês de 34 anos que na F-1 nunca teve chances muito claras (quando correu, correu em time ruim) e soube dar uma guinada na carreira. Hoje é um dos pilotos da Toyota no WEC. Ano passado, […]

lemansdavidsonSÃO PAULO (assino embaixo) – O Ricardo Divila mandou este link com uma interessante entrevista com Anthony Davidson, piloto inglês de 34 anos que na F-1 nunca teve chances muito claras (quando correu, correu em time ruim) e soube dar uma guinada na carreira. Hoje é um dos pilotos da Toyota no WEC. Ano passado, quase morreu num acidente muito forte em Le Mans. Saiu ileso, mas a panca foi assustadora.

Nessa entrevista ao “The Guardian”, Davidson fala sobre o tipo de piloto que temos hoje na F-1. São pilotos que, na sua opinião, guiam “na fronteira da imprudência” porque sabem que eventuais acidentes não têm grandes consequências, tamanha a segurança das pistas à prova de erros que atualmente compõem a maior parte do calendário.

Davidson lembra com incrível serenidade do acidente de Le Mans. “Achei que ali eu ia me encontrar com Deus. Como não bati a cabeça, minhas lembranças estão intactas. Lembro direitinho de como o motor parou de funcionar com o carro no ar, de escutar o som do vento passando por cima do carro, de pensar na minha família e de ter plena consciência de que provavelmente iria morrer. E quando você sabe que vai morrer, seu corpo fica completamente relaxado. Eu estava completamente calmo, aceitando o fato de que tudo iria acabar. É como se seu corpo tivesse um jeito muito próprio de iniciar um processo de desligamento.”

Uau. Nunca li nada sobre a sensação de morte como isso.

Anthony não é contrário às seguidas medidas que só aumentam a segurança de pilotos, seria loucura alguém ser contra algo que te protege, mas acha que o automobilismo deveria exigir um pouco mais de seus protagonistas. “Um piloto deve ser mais desafiado e punido por seus erros. As pessoas gostam do perigo, gostam de ver os pilotos como heróis. Não que eu queira ver pilotos ou torcedores machucados, mortos, feridos, nada disso. Mas o erro deve ser punido. Em alguns desses circuitos modernos de hoje, é patético quando você vê um piloto saindo da pista e nada acontece com ele”

Para Davidson, o que está faltando é o “fator medo”. Ele cita as áreas de escape enormes, asfaltadas, como algo que acaba fazendo com que os pilotos sejam cada vez menos qualificados. Não existem mais curvas de alta, diz, em que um errinho acaba no muro, ou na brita. “O problema é que quanto mais segura uma pista, mais implacável o piloto se torna. Hoje há pouca consideração pela segurança dos outros na pista. Eles acham que podem bater rodas numa reta porque os carros são super-seguros, vão aguentar, e aí o que se vê é essa pilotagem desrespeitosa, na fronteira da imprudência.”

A reportagem traz também declarações de um sujeito que trabalha numa empresa de projetos de circuitos, e ele acha que as áreas de escape atuais fazem com que os pilotos se sintam “invencíveis” porque sair da pista não traz consequência nenhuma. “Estamos formando pilotos que não sabem o que fazer quando encontram uma superfície de pouca aderência”, diz. E Davidson arremata: “Como piloto, você tem de conviver com o fato de que pode morrer um dia. Caso contrário, é melhor ficar jogando videogames em computadores”.

Faz sentido. Quando não se tem medo, se faz qualquer barbaridade.