Blog do Flavio Gomes
F-1

SENNA, 25

SÃO PAULO (boas madrugadas) – É claro que lembro bem do GP do Japão de 1988, uma das maiores vitórias de Ayrton Senna, talvez mesmo a maior e mais dramática, pelo que estava em jogo. Um título, ora bolas. E na largada o carro fica, fazendo com que ele tivesse de iniciar uma recuperação dura, […]

suzuka88podioSÃO PAULO (boas madrugadas) – É claro que lembro bem do GP do Japão de 1988, uma das maiores vitórias de Ayrton Senna, talvez mesmo a maior e mais dramática, pelo que estava em jogo. Um título, ora bolas. E na largada o carro fica, fazendo com que ele tivesse de iniciar uma recuperação dura, duríssima, porque o cara lá na frente tinha o mesmo carro e não era um zé-ninguém, era Alain Prost.

Mas Suzuka e o mundo assistiram a uma exibição de gala de Ayrton, que foi buscar o que perdeu na largada e na metade da corrida já estava na cola do francês de novo, para passar e ganhar.

Hoje faz 25 anos do primeiro título de Senna, conquistado com estilo e dificuldade. E com menos pontos que seu companheiro de equipe, porque o regulamento, na época, previa descartes. Era triste para um piloto da McLaren ter de descartar resultados tendo na mão um carro que venceria 15 das 16 provas da temporada. Só o GP da Itália não ficou com Senna ou com Prost. Porque Ayrton se atrapalhou ao passar um retardatário, Jean-Louis Schlesser, e bateu. Berger ganhou, poucos dias depois da morte de Enzo Ferrari, num momento emocionante daquela temporada.

E foram muitos, apesar do domínio maclariano. Como esquecer a estreia de Senna pela equipe, em Jacarepaguá? Calor dos diabos, gente saindo pelo ladrão, Ayrton acabaria sendo desclassificado por ter trocado de carro antes da largada e depois da volta de apresentação. E mais umas semanas teve Mônaco, e quando eu dizia lá na primeira linha que é claro que me lembro da corrida de Suzuka, iria acrescentar que o que mais me marcou em 1988, mesmo, foi a corrida de Monte Carlo, por razões profissionais.

Eu trabalhava na “Folha” e estava muito envolvido com a cobertura da F-1, nosso carro-chefe na época — o futebol brasileiro estava em baixa, Piquet tinha sido campeão no ano anterior, Senna era o maior ídolo do país, eram tempos em que se falava de corrida em botequins e padarias. Naquele GP monegasco, todos se lembram, Ayrton tinha uma enorme vantagem sobre Prost quando bateu sozinho na entrada do Túnel.

Meu editor na época, Nilson Camargo, era chegado numa provocação. E elaborou, pessoalmente, a manchete do caderno de Esportes: “Senna, o barbeiro de Mônaco”. Ayrton, que lia tudo e sabia o que cada um escrevia sobre ele, ficou doido e passou o resto daquela temporada irritado com a gente. Era dura, a vida. Quem quiser ver a cobertura daquele GP, está aqui.

Aquela batida besta, no entanto, acabou sendo decisiva para Senna. A partir dali ele passou a se concentrar mais e venceu seis das sete etapas seguintes, sendo saudado como campeão por Prost depois da vitória em Spa. Bateu na Itália, Alain reagiu, mas não conseguiu a virada por conta dos descartes.

A campanha do francês naquele campeonato foi, a rigor, bem melhor que a de Senna. Sem os descartes, ele teria 105 pontos. Pelo regulamento, terminou com 87. Teve de jogar fora nada menos que três segundos lugares. É cruel. Senna teria feito 94 sem os descartes e ficou com 90 no total, tendo desprezado um quarto e um sexto entre seus descartes. Senna teve oito vitórias, três segundos, um quarto, um sexto e três abandonos. Prost ganhou sete, ficou sete vezes em segundo e abandonou duas. Mas eram as regras, e ninguém contesta a conquista. Vale a lembrança, no entanto, porque as campanhas deixam bem claras as diferenças entre os dois pilotos. Ayrton era o “win or wall”; deixou de ganhar duas provas fáceis, em Mônaco e Monza, por ser “wall”. Alain era mais regular e cerebral. Não cometia mais os erros da juventude, bicampeão que era.

Também na “Folha”, nossa cobertura naquele dia 31 de outubro foi gigantesca. Oito páginas, e eu que fechei a edição. Criei o “chapéu” (a pequena linha acima dos títulos, que dá o tom de uma cobertura) “A pátria sobre rodas”, que me pareceu apropriado para o momento do Brasil — um evidente trocadilho com o famoso “pátria de chuteiras”. Fizemos um bom trabalho.

No fim das contas, era o que me interessava naquele momento da vida. Fazer um bom trabalho. Se Senna fosse campeão, OK. Se fosse Prost, OK também. Mas na madrugada escura e silenciosa da minha casa, onde vi a corrida curiosamente sozinho, não lembro por quê, torci por Ayrton. Sua corrida foi fenomenal e ele mereceu.