Blog do Flavio Gomes
F-1

JEREZ, DIA 4

SÃO PAULO (empacota) – Acabou a primeira bateria. E a grande conclusão que se pode tirar dos quatro dias de Jerez é que a Red Bull, pela primeira vez desde o início de 2010, tem problemas e vai sofrer. Vai sofrer porque os novos carros da F-1 são muito sofisticados, complicados e melindrosos (vou publicar […]

SÃO PAULO (empacota) – Acabou a primeira bateria. E a grande conclusão que se pode tirar dos quatro dias de Jerez é que a Red Bull, pela primeira vez desde o início de 2010, tem problemas e vai sofrer. Vai sofrer porque os novos carros da F-1 são muito sofisticados, complicados e melindrosos (vou publicar hoje mesmo uma espécie de guia para esclarecer as mudanças todas, em linguajar muito técnico e de difícil compreensão; nem precisam ler, que não vão entender). E no caso rubrotaurino, a grande dificuldade é refrigerar a unidade de força (motor é coisa antiga) com suas caixas eletrônicas, baterias acopladas e dutos e cabos por todos os lados. Se essa bagaça toda esquenta, não funciona. Simples assim. Vocês viram aí embaixo que Newey mandou abrir um buraco na lateral. A coisa está feia. Na prática, os tetracampeões perderam os testes. Foram apenas 21 voltas com Vettel e Ricciardo. Até a Marussia andou mais. E a Caterham. E o trator-pipa.

Falando nele, a Pirelli nem precisou molhar a pista de manhã para mais testes com pneus de chuva, porque choveu. Por isso a discrepância de tempos. Massa foi o mais rápido com 1min28s229 obviamente no seco, ou quase isso, meio seco, meio úmido. Kabayashi (oba!) virou 1min43s193 em sua melhor volta, obviamente no molhado. O resumo do dia está aqui, mas é claro que sem os detalhes sórdidos que seguem. E hoje num texto enorme e cheio de fotos, porque descobri muita coisa agora à tarde em trocas de telefonemas, e-mails, whatsapps e SMSs. Sim, plural de SMS é SMSs. Aprendam.

Comecemos com Massa, o mais rápido do dia. Ele disse que nem se lembrava de quando tinha sido primeiro colocado em alguma coisa. E disparou: “Treino é treino [jogo é jogo]”, sendo o complemento entre colchetes aquilo que ele pensou, ou que se subentende, ou o que o redator imagina que ele diria se tivesse se lembrado na hora do ditado inteiro.

(Aliás, se alguém conseguir me explicar o uso de colchetes na imprensa escrita, agradeço. Neguinho acha chique. E coloca entre colchetes trechos de frases que o entrevistado disse, que não disse, que pensou, ou que deveria pensar. Tem de ver isso aí.)

Felipe está feliz e o começo de vida na Williams não poderia ser melhor. O carro teve poucos problemas técnicos, a Mercedes não tem tido grandes dificuldades com os sistemas de recuperação de energia, nem com refrigeração dos próprios. Claro que é cedo e pode parecer precipitado, mas dá para dizer que a equipe fará um ano bem melhor que 2013 — o que não é muito difícil, eu com meu Lada andaria na frente da Williams no ano passado. Se me perguntassem no ar se já dá para afirmar isso, que será um ano melhor, eu seria cauteloso, mas cravaria: “Ainda não podemos conjugar o verbo já, mas as perspectivas são boas”.

(Homenagem a um velho amigo repórter de futebol.)

Massa falou umas coisas interessantes que estarão na abertura do dia amanhã no Grande Prêmio, já que não teremos notícias melhores, mas já vou antecipar. Gosto de furar meu próprio site. O brasileiro disse que se fosse da Red Bull, estaria preocupado. E que no fundo é bom ver os rivais se estrepando. “Melhor do que se eles já estivessem dois segundos mais rápidos que todos, como tem sido ultimamente”, declarou, usando também o verbo já.

Sobre os novos carros, a maior dificuldade foi se adaptar aos freios eletrônicos (calma, depois explico). “Tem de mudar o jeito de frear, é diferente e meio estranho. As rodas patinam muito, e temos menos pressão aerodinâmica que no ano passado, por isso o carro está mais difícil de guiar. E é importante entender o câmbio e o motor.” Problemas de idioma, claro. Felipe usou a vida toda motores e câmbios italianos. Ele fala bem italiano. Entender alemão é foda.

Falemos agora da Ferrari, segunda colocada do dia com Alonso depois de 115 voltas. Fominha. No total, 252 voltas em quatro dias. Não quebrou nada sério, o que já é um alívio para os vermelhos.

Depois de encerrados os trabalhos, El Fodón reuniu-se com os engenheiros por duas horas e marcou de conversar mais durante o jantar. Raikkonen, por sua vez, mandou um relatório por escrito para ajudar na avaliação dos quatro dias de testes ao qual tivemos acesso e reproduzimos a íntegra do texto ao lado, com a caligrafia do piloto.

Daniel Juncadella foi o escolhido pela Force India para andar hoje, e foi bem, com 81 voltas e o terceiro lugar.

Quem?

Juncadella, meninos e meninas, é espanhol e sobrinho de Luiz Pérez-Sala, lembram dele? Correu de DTM no ano passado pela Mercedes. Mas é claro que para não deixar vocês no vácuo, fui buscar mais informações sobre o rapaz. Onde? No seu site oficial, óbvio. Recorri à página “Bio“, onde supostamente encontraria um histórico de sua carreira.

Mas fiquei com medo. Porque o que encontrei lá foi assustador. Leiam:

Nimilis conseque late officiusa corerruntio officideni ut es recatur eruptus moluptate delestia volupta tquiae veliquatem tio ea si untiunt, cus, vel id etur si ut voluptae.

Isso aí é coisa do capeta. Esse rapaz é um illuminati, Opus Dei, essas coisas. Não quero papo com ele, não.

Pula a Force India.

Vamos para a McLaren, equipe cristã e de boa família, que completou 110 voltas com o jovenzinho Magnussen, muito bom piloto e devoto de São Francisco de Assis, como o pai. Andou muito na chuva, para aprender. No fim se empolgou e deu uma batidinha de leve. Batizado está. Descontando o problemas das chaves no primeiro dia, prontamente resolvido com uma sessão de espancamento em Martin Whitmarsh, o resto foi tudo bem para os prateados.

Como também para os outros prateados, da Mercedes, que dividiram o carro entre Rosberguinho, de manhã, e Hamilton, de tarde. Nico se disse feliz por ter conseguido simular uma corrida apenas no quarto dia de testes. “Acharam melhor eu parar na hora do almoço para almoçar”, esclareceu. Paddy Lowe, garantiu que o alemão foi para a pista exatamente às 9 da manhã. Mas advertiu Hamilton por este ter deixado os boxes “pouco antes das 15h”, atrapalhando seu obsessivo controle do tempo. Lewis deu 41 voltas e Rosberg, 91. “Tirando isso, foi tudo bem”, afirmou o engenheiro-ampulheta.

A Marussia, que chegou mais tarde a Jerez, conseguiu fazer 25 voltas com Bianchi e fechou o dia em sexto. Já a Sauber encerrou os testes com Sutil e 69 voltas, o alemão relevando eventuais problemas porque “o carro é muito jovem”. Assim como Hülkenberg, ele evitou dar as costas para o automóvel. Sabe como são os jovens, sempre prontos para qualquer coisa.

Legal foi a volta de Kobayashi, e o japonês deu 54 voltas com a Caterham pela manhã, saindo do carro cheio de sorrisos com o retorno ao seu habitat. Só que o motor, desculpem, a unidade de força da Renault deu problemas e de tarde ele nem andou. Mas foi bom ver os olhinhos puxados de novo num F-1.

E deixamos as duas energéticas para o fim porque a coisa está definitivamente feia com Toro Rosso e Red Bull. E a conta vai para a Renault. O soviético Daniil Kvyat conseguiu completar apenas nove voltas e o motor, desculpem, a unidade de força foi para o vinagre. “Eu confio na Renault”, falou o jovem bolchevique. Na matriz, um desastre. Ricciardo fechou meros sete giros e quando a lista de defeitos já não cabia mais em 140 caracteres abreviados, a Red Bull decidiu encerrar os testes, empacotar tudo e jogar no lixo.

No momento mesmo em que a caçamba estava pronta para levar carro, unidades de força, panelas e caçarolas, além de um motorhome, Christian Horner apareceu gritando e se dizendo arrependido pediu para o operador do caminhão de lixo, Maldonado, colocar a tranqueirada toda num canto que ele ia dar um jeito de levar para a Inglaterra, onde o custo de descarte de dejetos metálicos é mais baixo.

Antes de encerrar, e para quem gosta de números, a Pirelli divulgou vários, a saber:

– 22 pilotos participaram dos quatro dias de testes
– Eles completaram 1.470 voltas e 6.509 km; no ano passado, em Jerez, foram 3.531 voltas e 15.634 km
– O melhor tempo foi de Magnussen, 1min23s276, ontem, com pneus médios; ano passado, Massa foi o mais rápido com 1min17s879
– Rosberguinho, com 188 voltas, foi quem mais andou nos treinos
– 99 jogos de pneus foram utilizados, sendo 1 supermacio, 2 macios, 23 médios, 11 duros, 32 de inverno, 20 intermediários e 10 de chuva
– as temperaturas ficaram entre 5°C e 17°C, com 6°C e 23°C no asfalto

E fim de papo. As equipes voltam à pista entre os dias 19 e 22 no Bahrein. Até lá, trabalho monstruoso nas fábricas. Especialmente da Renault e da Red Bull. Que estão vivendo um longo e tenebroso inverno.

Essa foi boa, longo e tenebroso inverno.