Blog do Flavio Gomes
F-1

CIAO, LUCA

SÃO PAULO (foi bem) – Às vezes a gente trata a Ferrari como se fosse nosso time de futebol. Ela vai mal, saímos criticando todo mundo, os imperadores romanos, as máquinas de café expresso, as fábricas de macarrão, mecânicos, projetistas, pilotos, e no fim da linha a porrada, nos últimos 23 anos, acabava sempre na […]

lucasaindoferrariSÃO PAULO (foi bem) – Às vezes a gente trata a Ferrari como se fosse nosso time de futebol. Ela vai mal, saímos criticando todo mundo, os imperadores romanos, as máquinas de café expresso, as fábricas de macarrão, mecânicos, projetistas, pilotos, e no fim da linha a porrada, nos últimos 23 anos, acabava sempre na mesma pessoa: Luca di Montezemolo.

Pois hoje, aos 67 anos, Luca anunciou que está deixando a presidência da Ferrari. Desde 1991 ele ocupava o cargo. Passou por tudo. Pegou o time no auge do jejum de títulos e vitórias, montou o esquadrão que, com Schumacher à frente, dominou o início dos anos 2000, viveu intensamente momentos de crise e de sucesso e, agora, capitulou.

Claro que 23 anos é um período longo o bastante para errar e acertar na mesma medida, e ninguém precisa ficar com pena dele. Montezemolo, nos últimos tempos, tornou-se um dos mais poderosos italianos, presidiu tudo que se pode imaginar (da Fiat à confederação das indústrias; da Maserati à Fiera di Bologna; do comitê organizador da Copa de 1990 à tripulação de um barco italiano que disputou a America’s Cup; dizem até que era síndico do prédio onde morava e líder da comissão de pais e mestres da escola de seus filhos), ninguém no mundo acumulou tantos cargos quanto ele.

Mas sua saída tem a ver com os novos tempos, também. A Fiat comprou a Chrysler e hoje é quase uma companhia… americana. É um “player” monstruoso, que exige lideranças menos, digamos, apaixonadas.

Isso ele era e sempre foi: apaixonado pela marca do Cavalinho Rampante. Conheci Luca pessoalmente em 1993, quando fiz minha primeira visita à fábrica da Ferrari. Ele tinha acabado de assumir. Maranello era meio que uma fantástica fábrica de chocolates, com tudo feito muito artesanalmente e tal. Hoje é quase uma estação espacial. Ao final da visita, o presidente me recebeu em sua sala, conversamos rapidamente e, no fim, ele me deu de presente um pistão com biela do motor do ano anterior — aquele carro de 1992 que parecia um caça com suas entradas de ar laterais lembrando avião de guerra, que acabou sendo um fiasco completo. Era um motor que tinha cinco válvulas por cilindro, não iria funcionar nunca. Incrivelmente leve e bem feito, no entanto, o conjunto me deixou impressionado. Nunca tinha visto um pistão de carro de F-1. Está lá no escritório, depois coloco uma foto aqui. “Esse não deu certo”, me disse Luca. “Pode ficar pra você.”

Em todos os anos seguintes, em Monza, a Ferrari fazia no sábado à noite um jantar para toda a imprensa mundial, e Luca ia de mesa em mesa cumprimentar os comensais. Não sei se era com todo mundo, mas a mim ele chamava pelo nome e sempre trocávamos amabilidades e algumas piadas — sempre adorei zoar a Ferrari, mas entre 2000 e 2004 digamos que quem tinha direito de zoar qualquer um era ele, não eu. O assessor de imprensa Luca Colajanni ficava apavorado sempre que se aproximava com o presidente, quase implorando com os olhos para que eu e o Seixas nos comportássemos. O mesmo acontecia em Madonna di Campiglio nas festanças de início de temporada. Nunca nos comportamos e sempre foi muito divertido.

É mesmo o fim de uma era. Várias estão chegando ao fim. Luca di Montezemolo pode se orgulhar do que fez pela Ferrari. Goste-se ou não dele, de suas declarações desastradas, de suas posições esquisitas, de seu discurso muitas vezes histriônico, foi um cara importante para a F-1. E sempre foi um sujeito simpático e afável, o que conta muito nesse meio. Ao menos para mim.