SÃO PAULO (my life) – Estava no porta-malas do Niva, e não sei bem como foi parar lá. Possivelmente, alguns meses ou anos atrás, fui à casa de meus pais com o jipe e minha mãe me entregou. Ela guarda tudo e, quando encontra, me devolve.
A caixa azul e laranja, quando eu tinha 12 ou 13 anos, era o que de mais valioso uma criança poderia ter. Nela cabia o mundo. O mundo, no meu caso, eram bolhas, chassis, motores, coroas, pinhões, pneus, silicone, decalques, aceleradores, uma latinha de Azedinhas Sonksen com peças, contatos, eixos, guias e alfinetes.
Uma caixa de autorama, no entanto, não era nada se não tivesse adesivos colados na sua superfície barulhenta e colorida. Eles mostravam quem era seu dono. No meu caso, de novo, o estilo era bem eclético. Quem via minha caixa sacava logo de cara que eu era fã da Lotus do Emerson, que curtia a corrida espacial com um leve pendor para os cosmonautas no embate com os astronautas, que já tinha viajado de Varig, que meus pais tinham estado em Capri, que rolava até um lance psicodélico com borboletas e flores. Um negócio meio Mutantes, se é que vocês me entendem.
E os carros. Sempre os carros… Tudo tinha começado com um Fórmula 1 da Estrela, o vermelho, porque o preto, a Lotus do Emerson, ficou para meu irmão mais velho. Desse só sobrou o aerofólio traseiro. Mas ele deve estar em algum canto, encontrarei. Meu pai pintou e colocou os decalques. Vermelho, asas dianteiras brancas, o capacete azul com uma faixa amarela.
Mas isso era coisa de amador, esse tipo de carrinho que vinha no Autorama da Estrela. Quando nos mudamos para São Paulo caí no profissionalismo e fui conhecer a Sébring (assim mesmo, com acento) na Augusta, e passei a frequentar também as pistas do Ibirapuera e do clube Paulistano. Morava perto, ia a pé. E como estudava no Arqui, na Vila Mariana, pit stop obrigatório era na Loja Paraíso, que na minha cabeça era uma rival mortal da Sébring — quem comprava suas coisas numa não podia visitar a outra, simples assim; eram inimigos.
E foi na Sébring e na Loja Paraíso que gastei boa parte da minha mesada com as bolhas que eu mesmo pintava e colocava os decalques, sendo apenas o DKW #9 o que comprei já pintado e decorado, porque DKW era raridade, mesmo naqueles tempos.
Os outros fui eu que fiz, exceto a Carreteira #18 que meu pai pintou porque era fã do Camillo. O azul era um Chevette, que ostentava no spoiler, orgulhosamente, a inscrição “Escuderia Paraíso”, da loja da Domingos de Morais. O verde claro #30 era um Passat TS. O amarelo e vermelho #32, não sei direito. Talvez outro Chevette. O Fusca, esse lembro bem, era para ser um Herbie, mas eu não tinha tinta branca e pintei com cinza claro. Nunca fiquei contente com o resultado e por isso esse carro pouco andou.
E tinha o protótipo preto #11, o que corria com o Mabuchi. Meu irmão mais velho tinha um idêntico branco, numeral 10. Nossas corridas eram épicas, especialmente no Ibirapuera. Mas eu perdia sempre. Acho que por causa do acelerador, o dele tinha uma espécie de resfriador que melhorava o desempenho da bagaça. O meu esquentava muito e era uma merda. E desconfio que o uso de silicone demais nos pneus, que eu riscava com uma minúscula chave de fenda, segurava demais o bicho nas retas. Nas curvas, ia bem. Problemas de set up, em resumo.
Tirei a caixa do Niva dia desses, quando fomos resgatar os carros na bat-caverna I para transferi-los para a bat-caverna II. Levei para casa, passei um pano por fora para tirar o pó, puxei as duas alças para fora, abri a caixa e mergulhei nos meus anos 70, quando tudo que me importava eram o autorama e a Portuguesa. As bolhas estão todas como sempre foram, um pouco deformadas pelo tempo, mas prontas para vestir um chassi, caso seja preciso. Os motores viram. Não têm sinal de ferrugem, foram bem guardados durante anos.
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