Blog do Flavio Gomes
Gomes

ADEUS, AMIGOS

SÃO PAULO (será que devia?) – Acabo de riscar da minha vida três pessoas. Pessoas que me acompanham há anos, desde o dia em que ganhei um endereço de e-mail. Sendo bem fiel aos fatos, desde o dia em que ganhei meu segundo endereço de e-mail. Corria o ano da graça de 1996 quando o […]

ozimeiuSÃO PAULO (será que devia?) – Acabo de riscar da minha vida três pessoas. Pessoas que me acompanham há anos, desde o dia em que ganhei um endereço de e-mail.

Sendo bem fiel aos fatos, desde o dia em que ganhei meu segundo endereço de e-mail.

Corria o ano da graça de 1996 quando o Zé Otávio me ligou e falou: anota aí o seu e-mail. Anotei numa etiqueta adesiva para colar na portinhola do meu IBM Aptiva, o 486 que financiei no ABM-Amro Bank e que se tornou o primeiro patrimônio da firma. Naquele dia, passei a ser oficialmente flavio.gomes@pbrasil.ax.apc.org. Era preciso anotar porque se tratava de uma complexa salada de letras e símbolos que não decoraria nunca. Se um dia alguém perguntasse qual era meu e-mail, sacaria de outras etiquetas adesivas com aquela sequência mágica e colaria na testa do curioso.

De todo modo, fiquei muito lisonjeado com a deferência e com minha nova identidade eletrônica, passei a me sentir personagem de “Blade Runner” e imaginei que mais cedo ou mais tarde flavio.gomes@pbrasil.ax.apc.org seria convertido em alguma espécie de código de barras, que teria de tatuar na nuca para poder entrar nos EUA, no Japão e na minha casa.

Nunca recebi uma mensagem sequer nesse e-mail, e a partir dele tampouco algo foi escrito. Eu simplesmente não sabia como usar aquele negócio, redigia meus textos numa máquina elétrica Casio e ainda não compreendia direito o que era a internet, que me foi apresentada pelo mesmo Zé Otávio com um passeio pelo Louvre via conexão discada. Esse aí é o site do Louvre, me disse o Zé, e eu continuei sem entender nada, espantado com a fotografia da Mona Lisa que, em alguns minutos, surgiu diante de meus olhos.

Quando meu endereço foi simplificado, passei a entender mais ou menos como funcionava o negócio — uma espécie de telex que eu escrevia no computador e enviava para outros endereços. Virei flaviog@warmup.com.br, isso eu consegui decorar e abri mão das etiquetas adesivas, e foi exatamente nesse momento que entraram em minha vida as três pessoas que acabo de eliminar para todo o sempre da face da Terra.

Paulo Gasparotto, Deputado Alfredo Kaefer e Alep são essas pessoas que estiveram comigo nestes anos todos — quase duas décadas desde o dia em que meu segundo e-mail foi divulgado ao mundo. Nunca saberei como o trio me encontrou, mas a verdade verdadeira é que Gasparotto, Kaefer e Alep se integraram à minha rotina diária sem pedir, mas também sem serem rechaçados. Exceção feita a Alep, que aos finais de semana silenciava, os outros dois me enviavam mensagens religiosamente todos os dias. Todos. Começava a semana e Alep também voltava com pontualidade britânica. Onde quer que eu estivesse, usando o computador que fosse para abrir meus e-mails, era só clicar no botão de receber para surgirem, infalíveis, as mensagens de Paulo Gasparotto, Alep e Deputado Alfredo Kaefer.

Nunca li nenhuma. Mas sua presença ao meu lado era reconfortante, as mensagens de Gasparotto-Alep-Kaefer significavam que o mundo continuava a girar mesmo se as Torres Gêmeas fossem derrubadas, ou se o papa morresse, ou se Saddam Hussein fosse enforcado. No dia em que isso não acontecesse, alguma hecatombe dizimaria do planeta toda a espécie humana, era só fechar o laptop e esperar pelo fim do mundo iminente e inevitável.

Com o passar dos anos, Gasparotto, Alep e Kaefer ganharam a companhia de outros remetentes assíduos, como Maca Peruana, Chinelos Personalizados, Atualização do Banco do Brasil e Aumente seu Pênis. Mas esses eram spams, claramente, porque não tenho conta no BB, detesto chinelos, não me interesso nem por macas, nem por maçãs do Peru, e aumentar o pênis deve ser processo doloroso que não me seduz nem um pouco.

Gasparotto, Alep e Kaefer, no entanto, não se enquadravam nessa categoria de mensagens vulgares e não-solicitadas. Estavam lá desde sempre, mereciam respeito e reverência pela fidelidade. E se é verdade que os e-mails sobre pênis, chinelos e macas peruanas eram eliminados com alguma raiva, irritado que ficava com aquela tática de guerrilha invasiva e agressiva, aos meus três velhos amigos, sempre que mandava suas mensagens para a caixa de itens apagados, eu reservava alguma ternura e dizia bem baixinho um até amanhã.

Hoje, por algum motivo que não sei explicar direito qual é, talvez por um certo cansaço de tudo, não apaguei as mensagens de Paulo Gasparotto, Alep e do Deputado Alfredo Kaefer. Depois de anos cumprindo o exercício diário de checar suas mensagens no índice, não abri-las e apagá-las dizendo até amanhã, resolvi abrir os e-mails, os três. Mas não os li. Antes, até com alguma urgência, que não combinava com convivência tão pacífica, inabalável e serena de décadas, corri furiosamente as páginas até o fim, sem me deter em sequer um título, uma foto, uma palavra, e em todas elas encontrei a frase dura, fria, definitiva, se você não quer mais receber estes e-mails, clique aqui, e foi o que fiz. Fiz isso no e-mail de Paulo Gasparotto, no de Alep e no do Deputado Alfredo Kaefer.

Agora, receio que jamais saberei o que eles tentaram me dizer nesses anos todos.