Blog do Flavio Gomes
F-1

50 TONES DE SILVER (4)

SÃO PAULO (sempre a mesma coisa) – Manifestações por redes sociais são um termômetro de alguma coisa, sempre me dizem, e concordo. É claro que é preciso ponderar um monte de coisa para tratá-las com algum rigor científico (se eu lançar uma pesquisa aqui, por exemplo, perguntando qual esporte você prefere, deve dar automobilismo num […]

tecidocinzaSÃO PAULO (sempre a mesma coisa) – Manifestações por redes sociais são um termômetro de alguma coisa, sempre me dizem, e concordo. É claro que é preciso ponderar um monte de coisa para tratá-las com algum rigor científico (se eu lançar uma pesquisa aqui, por exemplo, perguntando qual esporte você prefere, deve dar automobilismo num embate com o futebol, o que não significa que a maior parte do mundo prefira corridas ao jogo de bola), mas também não se pode ignorar o que as pessoas dizem quando se nota algum padrão.

E o padrão nos minutos seguintes à vitória de Hamilton em Silverstone, entre os que me “seguem” aqui ou ali, foi: sacanearam o Massa, mais uma vez o erro da Williams tirou a vitória do nosso Felipinho, é sempre assim, lamentável, incrível como fazem tudo para atrapalhar no nosso piloto, a equipe fez questão de prejudicá-lo, só assim mesmo para o Brasil não ganhar na F-1, é assim desde sempre, todos contra nós, por isso eu amava Senna, Schumacher era um filho da puta, Alonso, um corno, agora esse time que já matou nosso Ayrton quem acabar com a carreira do Felipe, foi a TV que falou.

Como sempre, começo um texto pós-corrida aproximando a lupa de algo não tão relevante assim — Hamilton está cagando para as manifestações tuíticas, feicebuquianas, instagramenses e bloguísticas da jecaiada brasileira. Mas é que hoje ao longo do dia e amanhã nas conversas entre os que ainda se importam com F-1, esse será o tom. Viram o que a Williams fez com o Massa?

Bom, a Williams não fez nada com o Massa, apenas cometeu um erro de avaliação quando começou a chover, algo que a Ferrari também fez com Raikkonen — com Vettel, acertou, e não por acaso Tião Italiano chegou em terceiro. Esse tipo de coisa acontece numa corrida disputada em condições tão especiais como a de hoje em Silverstone, a melhor do ano. E o erro resultou na perda (ou “perca”, como me escreveu um, indignado com a “Willians”) do pódio, no máximo.

[bannergoogle] A possibilidade de vitória — da Williams, não de Massa — foi para o beleléu por outro motivo. Se no começo da corrida o brasileiro tivesse aberto caminho para Bottas, que estava mais rápido, possivelmente o finlandês teria uma vantagem sobre Hamilton suficiente para voltar ainda em primeiro depois do pit stop. Com Felipe na ponta, isso não aconteceu. Lewis passou. Passou os dois, inclusive, graças a uma estratégia bem clara: depois de largar mal, ficou ali na cola dos dois pilotos da Williams para, no pit stop, dar uma estilingada e jantar os dois quando saísse dos boxes, enquanto ambos teriam a parada para fazer. Claro como a lua cheia. Com o carro que tem, dá para fazer.

E é igualmente claro que a Williams não tinha de mandar Felipe abrir para Bottas, porque é impossível prever o futuro e porque ali o que estava em jogo para todo mundo era ganhar um GP, e todo mundo queria o mesmo — Mercedes, Williams, Massa, Bottas, Rosberg, Hamilton. Nessas horas, é cada um por si, mantidos alguns preceitos de civilidade.

A operação de parada de Hamilton foi muito rápida e precisa, e se não fosse isso, poderia dar errado. Porque ele saiu dos boxes grudado num Force India que, se forçasse a barra, poderia ter atrasado o inglês o bastante para a Williams seguir na frente quando seus pilotos retornassem de seus pit stops. Foi um detalhe que acabou decidindo a prova, pelo menos até aquele momento, em que o asfalto estava seco.

A Mercedes teve esse trabalho todo para fazer uma nova dobradinha porque seus dois pilotos largaram como duas vovozinhas saindo do supermercado. Massa, arisco como um boy com seu Voyage turbo rebaixado, se meteu entre os dois e assumiu a liderança, carregando Bottas junto. Hamilton reagiu e algumas curvas depois retomou o segundo lugar, com Valtteri em terceiro e Rosberguinho em quarto. Aí entrou o safety-car, quando Grojã e Button se enroscaram lá atrás.

Pista limpa, na terceira volta o Mercedão cheio de luzes recolheu e na relargada Hamilton tentou o bote, sabendo que se não fosse ali, talvez não “sesse” nunca — como escreveu outro num revoltado e-mail, “se não sesse a estratéjia da Wilians, o Filipe Massa vençeria”. Comandante Amilton às vezes parece meio fora de prumo. Massa se defendeu com tranquilidade, enquanto o inglês jogava os pneus na frigideira, se atrapalhava todo e, nessas, Sapattos aproveitou e, não mais do que de repente, eis que tínhamos Williams em 1-2 e Mercedes em 3-4.

(Àquela altura, eram 15 carros na pista. Button e Grosjean bateram, Maldanado foi junto, Verstappinho rodou e Felipe II, com problemas no câmbio, nem largou. Aí, olhei para a classificação e Merhi estava em 13°, pertinho dos pontos. Alonso também ciscava por ali. Fiquei sonhando com um acidente múltiplo entre os quatro primeiros, motores Renault quebrados nos dois Red Bull, pneus furados nas duas Ferrari, Alonso, Stevens e Merhi no pódio, mas no fim só mesmo Ricciardo abandonou e ainda não foi desta vez que o sonho se tornou realidade. Isso só aconteceu uma vez, ao menos que eu tenha visto, e foi em Mônaco/1996. Pesquisem. Os blogueiros lembraram também de Spa/1998 e Nürburgring/1999. Verdade. Pesquisem também.)

Na oitava volta, começa um bate papo frenético pelo rádio. Bottas estava bem mais rápido que Massa, trazendo as duas Mercedes na rabeta. A equipe pediu encarecidamente que ele não atacasse o parceiro porque podia dar merda. E avisou Felipe que o lance era sentar o chinelo e tentar escapar dos rivais prateados levando o companheiro junto. Duas voltas depois, com paciência escandinava, Valtteri pediu autorização à torre para proceder a manobra de ultrapassagem, e ouviu da chefia que tudo bem, desde que fosse uma manobra limpa e suave. Lá da cadeira de rodas, Frank Williams chamou a filha Claire e falou para ela: se esses meninos fizerem alguma cagada chamo Mansell e Piquet para a próxima corrida.

Os quatro já tinham mais de 10s de vantagem para o quinto colocado, Raikkonen. Ali também rolava uma briga sincera e aberta, com Hülkenberg, Vettel e Kvyat se provocando, um xingando a mãe do outro, o outro dizendo que comeu a irmã do um. O trenzinho da ponta seguiu firme e forte até a volta 20, quando Hamilton parou e colocou pneus duros — tática clara de um pit stop apenas, como fariam quase todos se não fosse a chuvinha depois.

Massa e Rosberg vieram na volta seguinte e Nico-Nico no Fubá quase ganha a posição do brasileiro — percorreram lado a lado a área dos boxes. Quando os dois saíram, viram passar por eles um carro prateado com asa verde-maravilha — a cor oficial usada pela Petronas é Turquesa Tahiti, a mesma da linha Ford do início da década de 70, estou inclusive de olho numa Belina assim — fazendo tchauzinho.

Bottas parou na 22 e conseguiu voltar em terceiro, à frente de Rosberguinho, e foi muito bonita a disputa até que o alemão decidisse recuar para não acontecer nada de mais grave — afinal, luta pelo título.

Nessas, Comandante Amilton abria alegremente e, na volta 33, já tinha 6s de vantagem para Massa quando houve um safety-car virtual. Sainz Idade quebrou e estacionou num lugar perigoso. Os pilotos são avisados, mantêm uma velocidade padrão e as distâncias são mantidas, sem juntar o pelotão.

E lá na arquibancada alguém abriu um guarda-chuva. Fazia dez voltas que os pilotos vinham recebendo boletins meteorológicos da Maju. Vem água em 20 minutos. Vai chegar pela curva 15. Está chovendo no Ipiranga, mas não no Cambuci. Quando o safety-car virtual foi desativado, Rosberg partiu para cima de Bottas, que perguntava pelo rádio se devia usar capa com capuz e galocha no jantar, ou se um trench-coat e sapatos de cromo alemão seriam o bastante.

Era uma chuvinha mequetrefe, gelada, verdade, mas insuficiente para molhar seriamente o asfalto inglês. Ninguém sabia direito que decisão tomar. Os tempos de volta subiram 10s, estava escorregadio, mas o que fazer? E se parar logo, como parecia que ia acontecer? Na dúvida, Raikkonen foi para os boxes na volta 39 e colocou intermediários. Bottas, ainda decidindo entre a capa e o trench-coat, foi ultrapassado por Rosberguinho. A chuva apertou. Os carros da Williams não gostam de água — inclusive são lavados a seco. Na 41ª volta, Nico passou Massa sem dificuldade alguma e assumiu o segundo lugar. E ninguém colocava pneus de chuva.

Só que, aí, Rosberg começou a apertar o ritmo. Era o melhor no chove-não-molha, e a diferença que Hamilton tinha, de quase 6s, evaporou e caiu para 1s6 na volta 44. Era a senha para correr para o box. Colocou intermediários. Vettel veio junto — esperto, resolveu fazer o mesmo que o líder, afinal líder é líder, nunca é por acaso, se está fazendo isso, é porque é o certo a fazer.

Nesse exato momento a chuva apertou. E quem ficou uma volta a mais na pista se estrepou. Foi o caso da dupla da Williams. Se no úmido o carro já é ruim, imagine no molhado e com pneus slick. Massa e Bottas, a pé, seriam mais rápidos. Do jeito que deu, chegaram aos boxes e na volta 45 trocaram seus pneus. Rosberg fez o mesmo, mas no seu caso não tinha opção — a prioridade nos boxes da Mercedes era de Hamilton, que liderava a prova.

E quem apareceu em terceiro depois dessa zona toda? Ele, Vettel, que brincou de seguir o líder. Hamilton, graças a essa parada na hora certa, abriu 9s para Rosberg. Tião Italiano sossegou onde estava. Os demais, também. Já não havia mais o que fazer. De notável, até o fim da corrida, apenas a nova troca de Kimi, que apostou na chuva com muita antecedência e fez algumas voltas de intermediário no asfalto seco, detonando a borracha.

Fim de prova, maior festança. Comandante Amilton recebe a quadriculada já com sol brilhando em Silverstone, vencendo pela quinta vez no ano e 38ª na carreira, terceira em casa, para delírio do povo britânico na ilha e em todas as colônias, incluindo a Guiana Inglesa. Abriu 17 pontos para Rosberguinho, o segundo — 194 x 177. Vettel fechou o pódio. Tanta coisa numa corrida só para, no fim das contas, dar a lógica. Ironias do destino. Melhor GP do ano, resultado mais do que normal. Massacrado foi o quarto, seguido por Sapattos, K-Vyado, Incrível Hulk (essa versão B da Force India andou direitinho), Kimi Mandou Trocar Pneu É Um Cretino, Maria do Bairro e… e… ALONSO!!!!!!!

“Vocês não sabem como me sinto”, disse o espanhol, chorando, depois de marcar seu primeiro ponto no ano. “Esse resultado é para todo mundo em Faenza, em Viry-Châtillon, para o pessoal da Dunlop, da Castrol, da Mahle, da Bosch, da Magneti-Marelli, da Cantina do Piero, da Droga Raia, das Confecções Lambari, do Shopping Anália Franco, e é claro que para meu pai, minha mãe e a Xuxa.” Os repórteres ficaram espantados com a memória do piloto da McLaren, que conseguiu citar tanta gente sem titubear. “Ele está recuperado”, comentou Ron Dennis. “Está na cara.”

Massa se disse frustrado pelo resultado. Segundo ele, “erramos“. “A primeira parada era mais difícil saber, o Hamilton arriscou e funcionou. Na segunda, lógico que foi erro, porque estava molhando, o Lewis entrou e a gente devia ter entrado também. É frustrante, lógico, porque foi uma largada maravilhosa, a gente estava brigando com a Mercedes e no seco, com estratégia perfeita talvez desse para vencer.”

O erro maior, portanto, foi não ter parado na hora da chuva no momento certo. Poucos o fizeram — apenas Hamilton e Vettel, e segundo Toto Wolff, quem decidiu a hora de parar foi o inglês, e sendo assim, palmas para ele que ele merece. No fim das contas, Massa perdeu o terceiro lugar para o ferrarista. O que aconteceu antes, no seco, foi o de sempre. A Mercedes mais rápida, consertando a má largada numa volta voadora e num pit stop eficiente.

Portanto, ninguém precisa bater panela na varanda por Felipe.