Blog do Flavio Gomes
Dica do dia

DICA DO DIA

SÃO PAULO (me acordem quando acabar) – Tenho observado com alguma curiosidade os primeiros movimentos desta que deve ser a nova grande revolução tecnológica (e comportamental) do planeta: o advento dos carros que não precisam de motorista. A ideia não é nova, no século passado já se imaginava que no futuro isso poderia acontecer, mas […]

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SÃO PAULO (me acordem quando acabar) – Tenho observado com alguma curiosidade os primeiros movimentos desta que deve ser a nova grande revolução tecnológica (e comportamental) do planeta: o advento dos carros que não precisam de motorista.

A ideia não é nova, no século passado já se imaginava que no futuro isso poderia acontecer, mas a gente achava que era apenas literatura, algo distante demais, ficção científica à qual não teríamos acesso nunca, não viveríamos para ver. Afinal, diziam também que no ano 2000 estaríamos voando entre os prédios como os Jetsons e não aconteceu porra nenhuma, continuamos engarrafados nas avenidas. O futuro ficou meio desmoralizado.

[bannergoogle] Só que os meios para que isso finalmente se transforme em realidade estão aí. Basta pegar seu smartphone e clicar no Google Maps. Ele sabe exatamente onde você está. Essa incrível (e para mim quase incompreensível) rede de satélites e sensores capazes de te localizar com margem de erro de centímetros levou ao caminho óbvio. Um automóvel com sistema de navegação preciso, num mundo em que qualquer beco é mapeado do alto, é capaz de sair de A e chegar a B sem que ninguém encoste nos seus comandos. De certa forma, com os aviões já é assim — a diferença é que o tráfego é substancialmente menor e o espaço, mais generoso.

A novidade é que você não vai mais precisar do carro na garagem para ir de A a B. Pelo seu celular, você vai pedir um carro, qualquer carro, de um desses serviços que estarão disponíveis através de aplicativos — hoje a gente já faz isso com táxis e funciona inacreditavelmente bem. Ele vai chegar na sua casa em questão de segundos, você entra, já informou previamente para onde quer ir, ele te leva, e sai para catar outro passageiro. Ou outros passageiros, que possam rachar a conta e vão para o mesmo lugar.

As montadoras de ponta já possuem tecnologia para fabricar e vender carros que andam sozinhos. Mas quem vai querer uma porcaria dessas pagando preços altíssimos se, sei lá, o Google pode te mandar um carrinho elétrico que vai custar apenas a corrida, e que ainda pode ser dividida com alguém? Se o objetivo final de um automóvel é exclusivamente levar uma pessoa de um ponto a outro, e se teremos frotas monstruosas de carrinhos que andam sozinhos e cumprem esse objetivo por um custo baixíssimo, para que ter um carro?

Ah, mas hoje já é assim, quem não quiser ter carro não precisa, é só usar ônibus, metrô e táxi, pode argumentar alguém. São serviços semelhantes, é verdade, com a diferença de que precisam de quem os conduza. OK. Só que táxi custa caro — tem imposto, combustível, desgaste de peças e um cara que precisa ganhar para dirigir. Ônibus e metrô não te levam exatamente de A a B, te levam de mais ou menos perto de A para mais ou menos perto de B, se você tiver sorte de morar em regiões bem servidas pelo transporte público.

E o que vai acontecer quando o mundo for infestado por carrinhos coletivos controlados pelo Google ou pelo Uber? O que farão as montadoras, as fábricas de peças, a indústria do petróleo? E os estacionamentos, as seguradoras, os motoristas profissionais de tudo que anda? Carros particulares serão realmente necessários? Ou apenas as grandes corporações capazes de operar sistemas de compartilhamento de veículos terão necessidade de possuí-los?

É uma discussão interessante, que o blogueiro Evin Moretti propõe a partir da (ufa!) dica do dia, o artigo de um certo Zack Kanter — descrito no fim do texro como “empreendedor, futurista, palestrante, escritor, fundador de algumas startups, chefe de cozinha amador e nerd em geral”. Não o conheço, não sei se é famoso, se as pessoas o levam a sério, mas o que ele vislumbra a partir da disseminação de veículos autônomos faz sentido.

No fundo, acho que o que será determinante no futuro para assegurar a sobrevivência de todo o universo que gira em torno do automóvel é exatamente a visão que o ser humano terá do… automóvel. Na medida em que ele passa a ser visto apenas como algo inanimado e desprovido de qualquer interesse ou atrativo particular, cuja única função é transportar uma pessoa de um lugar a outro, seu valor diminui. De bem durável e sinal de status, passa a ser um estorvo permanente — precisa abastecer, pagar imposto, estacionar, fazer manutenção, licenciar, paga multa, consertar quando quebra, arrumar quando bate. Qual seria uma boa razão para ter um negócio desses — caro, dispendioso, irritante, às vezes — para ir de casa para o trabalho, se serviços gigantescos de compartilhamento podem te atender por uma fração ínfima do valor, fazendo a mesma coisa e assumindo o ônus de todas as dores de cabeça que a posse de um automóvel acarreta?

O carro como o conhecemos está vivendo seus últimos dias?

É possível. Kanter fala que em 2025, daqui a dez aninhos, apenas, já estaremos vivendo num mundo que vai se mover de outro jeito — e, como consequência, terá toda sua economia redefinida graças a esses veículos autônomos que não precisam ser de ninguém, serão de todos, e farão tudo sozinhos. O planeta não precisará de tantos carros queimando gasolina e borracha, um para cada motorista, a frota diminuirá monstruosamente e ninguém olhará para um treco que anda sobre quatro rodas como símbolo de porcaria nenhuma.

Kanter está sendo precipitado? Não sei… Quem imaginaria, há dez anos, sistemas de navegação tão sofisticados como os que temos hoje? Quem é capaz de duvidar do avanço da indústria da conectividade global quando, com qualquer celularzinho mequetrefe, se pode hoje colocar no ar em tempo real (já ouviram falar do Periscope?) imagens em vídeo? Vejo essas coisas e fico sinceramente chocado. Transmitir qualquer coisa ao vivo com imagens é algo que, há pouco tempo, só era possível fazer com uma unidade móvel montada num caminhão, antenas enormes, microondas, cabos infinitos… E o Skype, que te coloca para falar com alguém do outro lado do mundo com vídeo e áudio, sem gastar nada? Você imaginava, no ano 2000, que isso seria possível em 2015 quando se conectava à internet pela linha telefônica? Quando morria de medo de fazer um interurbano porque custava os olhos da cara? Uma ligação internacional, então, era um evento.

Diante de tantos avanços tecnológicos, e tão rápidos, por que é que não se pode imaginar que daqui a dez anos um carro deixará de ser o que é hoje — um objeto de desejo, um símbolo de status, liberdade, prosperidade, potência, velocidade?

Sim, pensando bem, é possível que estejamos vivendo seus últimos dias. Acho que daqui a dez anos vamos olhar para 2015 e dar risada de algumas coisas que hoje nos causam espanto, inclusive de um texto como este. O futuro talvez seja muito mais espantoso do que podemos imaginar.

Por isso, vou aproveitar meus carrinhos o máximo que puder, antes que eles se transformem em vilões da Nova Ordem Mundial.