Blog do Flavio Gomes
F-1

TEM DIA QUE DE NOITE… (3)

SÃO PAULO (e foi mesmo) – Eu escrevi ontem que podia ser a corrida mais interessante do ano. Interessante, não boa. Porque boa, não foi. Mas interessante, sim. O GP de Cingapura foi interessante porque a Ferrari ganhou de ponta a ponta. Foi interessante porque Vettel, ao chegar a 42 vitórias, tornou-se o terceiro maior […]

Diapo_Wecip_Night_Light_Singapore_7SÃO PAULO (e foi mesmo) – Eu escrevi ontem que podia ser a corrida mais interessante do ano. Interessante, não boa. Porque boa, não foi. Mas interessante, sim.

O GP de Cingapura foi interessante porque a Ferrari ganhou de ponta a ponta.

Foi interessante porque Vettel, ao chegar a 42 vitórias, tornou-se o terceiro maior vencedor de todos os tempos, superando Senna e ficando atrás apenas de Schumacher (91) e Prost (51).

Foi interessante porque Hamilton quebrou. Sim, quebrou, coisa rara, e como teve de abandonar, permitiu que Rosberguinho se aproximasse um pouco na luta pelo título. Nico foi o quarto colocado, e a diferença de 53 pontos caiu para 41. Ainda faltam seis corridas.

Foi interessante porque não teve Mercedes no pódio, o que é sempre um alento em temporadas de domínio absoluto de uma equipe. Vettel foi seguido por Ricciardo e Raikkonen — os três primeiros no grid, também, o que mostra que lá na frente nada de muito emocionante aconteceu.

Foi interessante porque teve um safety-car motivado por um doido que invadiu a pista, deu alguns passos pelo “acostamento” e foi embora.

Foi interessante porque Verstappinho, no final da corrida, quando tentava atacar Pérez pelo sétimo lugar e tinha seu companheiro Sainz Jr. logo atrás, em nono, recebeu uma ordem da Toro Rosso para trocar de posição com o espanhol e mandou um sonoro “não” pelo rádio.

Foi interessante porque Nasr, que estava havia longo tempo sem pontuar, lutou até o fim e chegou em décimo, tendo passado Grosjean na penúltima volta.

Foi interessante porque Rossi, o estreante, quase chegou nos pontos, acreditam? Chegou em 14º, ora bolas.

E foi interessante porque sempre é bonito ver a Ferrari vencer, emotiva que é. Arrivabene é um bom chefe, um cara que valoriza o time, que não quer aparecer mais do que ninguém, e na hora do hino ficou lá atrás, quase escondido, porque a festa era para seus pilotos e mecânicos.

Mas, no fundo, foi ruim. Uma corrida que quase sempre tem desfecho interessante para o campeonato, mas raramente é boa tecnicamente. O circuito é lindo, iluminado, chique e luxuoso, mas não é uma pista de corridas. Pista de verdade tem retas maiores, tem curvas de alta, tem freadas absurdas. Marina Bay não tem nada disso direito. Até Mônaco, com todas suas limitações, é um circuito mais divertido.

De todo modo, isso não vem tanto ao caso. Para contar a história do GP de Cingapura de 2015, talvez seja melhor pular alguns trechos longos da corrida em que nada aconteceu. Da primeira à 13ª volta, por exemplo. Trenzinho previsível, até Massa parar nos boxes, trocar pneus e, na saída, encontrar Hülkenberg pelo caminho. Na hora, achei que o brasileiro errou, que podia ter recolhido para que o alemão forceíndico fizesse a curva na frente. Mas os comissários acharam que Hulk foi o culpado e lhe deram uma multa de três posições no grid na próxima corrida.

Vendo e revendo, no fim achei que ninguém teve culpa e os dois foram igualmente burros.

[bannergoogle] Por conta do acidente, a direção de prova acendeu as luzes do safety-car virtual. Vettel tinha 6s de vantagem para Ricciardo na ponta. Na 15ª volta, como tinha muito pedaço de carro no asfalto, foi para a pista o safety-car real. Todo mundo aproveitou o momento de calmaria para fazer a primeira parada. Na relargada, volta 18, Ricciardo deu um aperto em Vettel e chegou a ficar a 0s6 do ferrarista. Foi assim durante um tempo, mas Tião Italiano apenas adminstrava sua borracha supermacia. Não desgarrava, mas também não dava chances de ataque ao australiano.

Foi na volta 27 que Hamilton, então discreto em quarto lugar, notou que seu carro perdia potência. Rosberg passou. Kvyat também. E Bottas. E todo mundo. Pelo rádio, muita conversa. “O que faço? Onde aperto? O que devo desligar?”, perguntava Lewis, e a equipe mandava girar o botão A, desplugar o cabo B, acender a luz C, bater duas palminhas e coçar o queixo. Esse lenga-lenga durou até a volta 32, quando Lewis pediu para parar. O time ainda sugeriu que ele beliscasse o joelho e piscasse os olhos quatro vezes, que isso deveria resolver o problema, mas na volta seguinte ele estacionou nos boxes e relatou que na hora da quarta piscadinha o motor ficou ainda pior, e era melhor abandonar, mesmo.

Massa vivia problemas parecidos. Seu câmbio entrava em ponto motor a cada troca de marchas. Na volta 31, também parou. Daquele jeito, não chegaria a lugar nenhum. Lá na frente, Vettel já tinha tirado as esperanças de Ricciardo. Com três ou quatro voltas rápidas, abriu mais de 3s de novo e ficou na dele.

Aí o biruta invadiu a pista e na volta 37 o safety-car foi chamado. Todo mundo aproveitou para fazer a segunda parada. O cara fugiu sem ser incomodado — mas em se tratando se Cingapura, imagino que neste momento esteja no fundo do mar com um bloco de concreto amarrado ao tornozelo. A relargada demorou um século, só na volta 41, e com os pobres dos manor-marússicos no meio do pelotão, tendo de sair da frente de todo mundo. A turma da ponta foi embora novamente e as brigas legais ficaram para o meio, especialmente por onde passava Verstappen.

O jovem Max, que empacara no grid e chegou a ficar uma volta atrás, recuperou-se divinamente. Na volta 45, já estava montado no cangote de Grojã brigando pelo oitavo lugar, com Sainz Jr. pendurado em sua caixa de câmbio. Passou na volta 46 e partiu para cima de Pérez. O mexicano não deu moleza e a Toro Rosso, achando que Verstappinho estava empatando a corrida de Sainz Jr., deu a ordem para a troca de posições, achando que o espanhol poderia superar o piloto da Force India — uma estupidez, claro; mesmo que pudesse, e daí?

Verstappen, então, fez o que Barrichello não fez, o que Massa não fez, o que tantos pilotos nunca fizeram: “Não!”, gritou, para todo mundo ouvir. E não deixou passar. E foda-se.

E é assim que tem de ser. Aos 17 anos (faz 18 no próximo dia 30), Max deu uma lição aos empertigados chefes de equipe da F-1, que acham que, do pit-wall, têm condições de dizer a um piloto tudo que ele deve fazer. Acham, do alto de sua arrogância, que seus cálculos supostamente precisos são suficientes para determinar a um esportista que se comporte como um burocrata qualquer.

Boa, Max, lavaste nossa alma! E a lição, claro, vale para todos aqueles tontos que se submeteram a ordens idiotas assim no passado. Mencionei os brasileiros porque são aqueles de quem lembramos, mas é claro que muito piloto já foi submisso antes. Que aprendam.

Tião Italiano, Ricardão e Kimi Dera Um Picolé fizeram o pódio, com Rosberguinho, Sapattos, K-Vyado, Maria do Bairro, Verstappinho, Sainz Idade e Felipe II fechando a zona de pontos. Na classificação, Hamilton mantém seus 252 pontos, contra 211 agora de Rosberg e 203 de Vettel — que está começando a sonhar alto. Massa, zerado, perdeu duas posições. Ficou com 97 e foi ultrapassado por Raikkonen (107) e Bottas (101).

“You are great, you are magic!”, foi o que Sebastian ouviu pelo rádio no inglês macarrônico de Arrivabene assim que recebeu a quadriculada. “Che giornata, che dire?”, responde o alemão, cada vez mais italiano.

É impossível não ver Schumacher a cada troféu que Vettel levanta.