Blog do Flavio Gomes
F-1

MISHARIA (3)

SÃO PAULO (tudo com calma) – E não é que o GP da Rússia foi bom? Muito bom! OK, Hamilton ganhou passeando, o problema no acelerador rosberguiano impediu qualquer disputa pela vitória, Vettel também não teve muito trabalho para terminar em segundo, mas… Mas o pau comeu legal do segundo para trás. Teve acidente, safety-car, […]

misha3SÃO PAULO (tudo com calma) – E não é que o GP da Rússia foi bom? Muito bom! OK, Hamilton ganhou passeando, o problema no acelerador rosberguiano impediu qualquer disputa pela vitória, Vettel também não teve muito trabalho para terminar em segundo, mas…

Mas o pau comeu legal do segundo para trás. Teve acidente, safety-car, disputa roda a roda, pódio inesperado, toque na última volta entre dois finlandeses, piloto se recuperando bem, teve até chapéu soviético no pódio no lugar do boné da Pirelli. E um beijo apaixonado de Hamilton em seu carro.

Que carro, essa Mercedes. Que carro.

Sim, foi um ótimo GP.

Ontem, terminei o comentário mequetrefe da classificação dizendo que nada de especial deveria acontecer numa corrida com Mercedes na primeira fila, grid sem novidades (exceção feita a Massa, que foi muito mal), no seco. Achei que, no máximo, com alguma sorte, Bottas e Vettel lutariam pelo terceiro lugar no grid. Torcendo para errar e ver uma grande corrida. E que bom que errei.

O domingo nublado de Sóchi, 18°C, começou a ficar bom com o primeiro safety-car, logo após a largada. Algumas voltas em ritmo lento, quase todo mundo com pneus supermacios, já seriam suficientes para começar a mudar as estratégias — a hora de parar deixaria de ser tão previsível. O Mercedão de rua entrou porque Hülkenberg rodou sozinho no meio do pelotão da merda e foi atingido por Sonyericsson. Na confusão, Verstappinho tocou nos sinistrados e furou um pneu.

Rosberg se segurou na ponta nas primeiras curvas, ao contrário do que acontecera em Suzuka. Lewis até tentou, mas desta vez encontrou resistência. Outros pilotos largaram muito bem. Button e Kvyat ganharam quatro posições. Alonso, seis. E Raikkonen, lá na frente, pulou de quinto para terceiro.

[bannergoogle] Na relargada, terceira volta, o primeiro capítulo do duelo finlandês que só iria terminar na última volta com Bottas no muro. Valtteri foi para cima da Ferrari e passou o veterano tagarela. Vettel, que tinha levado um passão do companheiro na largada, foi para cima e passou também, na sexta volta. Raikkonen, pelo rádio, xingou o motor. “Não anda na reta!”, reclamou.

Mas quem falava pelos cotovelos no rádio era Rosberguinho. Ele relatou um problema que é o pesadelo de qualquer piloto. O acelerador travava. O pedal não voltava — melhor: até voltava, mas o motor não desacelerava. Para anular esse efeito assustador, Nico deveria “beliscar” o freio para desacelerar. Como o sistema é todo integrado e eletrônico, um toque no freio faz com que a centralina do automóvel entenda que não faz sentido continuar acelerando e resolve o problema.

Mas não existe a menor condição de fazer isso em todos os trechos de um circuito de quase 6 km de extensão em que não é preciso frear, apenas tirar um pouco o pé para desacelerar. O carro de trás passa por cima. E foi o que Hamilton fez, quando o engenheiro de Rosberguinho pedia a ele para se “adaptar à situação”. Tá bom. Nico foi é para os boxes, ao fechar a sétima volta. Abandonou. E Lewis assumiu a ponta para não ser mais incomodado até o final.

Mais atrás, Kimi estava com a macaca. Passou Vettel de novo e assumiu o terceiro lugar. Massa aparecia já em nono, colado em Nasr, só que não conseguia ultrapassar o xará nem por decreto. Felipe II se segurava bem e Felipe I, com pneus mais duros, precisava ter alguma paciência.

Então, veio o segundo safety-car, na volta 12. Grojã deu uma senhora estampada na barreira de pneus — aparentemente, perdeu o carro sozinho. As barreiras deformáveis ficaram bem estropiadas, e demorou um pouco para colocar tudo no lugar. A relargada só veio na volta 16, adiando ainda mais a janela de pit stop único.

Só que alguns pararam enquanto o safety-car estava na pista, e iriam se dar muito bem por isso — estou falando especificamente de Pérez. Os sete primeiros colocados não aproveitaram o período neutralizado para trocar pneus. Na dúvida, ficaram onde estavam Hamilton, Bottas, Raikkonen, Vettel, Kvyat, Nasr e Massa. Quando a prova foi reiniciada, Vettel partiu para cima do parceiro, levou um chega-pra-lá, mas acabou passando. Massa seguia na cola de Nasr, mas não atacava com decisão. Estava claro que iria esperar o pit stop, até porque faria o segundo stint com pneus supermacios, em condições de ganhar posições com mais facilidade.

Naquele cenário, quem estava bem na fita era mesmo o mexicano da Force India, em oitavo. Todo mundo na frente dele teria de parar. Sua desvantagem para Hamilton, o líder, era de apenas 16s970. Na hora dos pit stops, quem não estivesse pelo menos 30s à sua frente perderia a posição.

Foi o momento mais sonolento da prova. Que começou a ficar boa de novo quando Bottas parou, na volta 27. O trabalho da Williams, como de costume, foi uma merda — 3s4. Voltou em 11°, no tráfego. Levou três voltas para passar Sainz Jr. — que correu, afinal de contas, e estava muito bem até ficar sem freio e abandonar, no finzinho.

Na 31ª, foi Tião Italiano quem parou — 2s2 gastaram os mecas ferraristas para trocar seus quatro pneus. Resultado: voltou à frente de Sapattos, claro.

Massa parou na mesma volta, sem ter conseguido passar Nasr. A Williams se atrapalhou de novo. Kimi veio na volta seguinte, mas não conseguiu ganhar a posição de Bottas. Saiu dos boxes colado no conterrâneo de quebrada. Hamilton, que ninguém mais via, parou na 33ª, voltou em primeiro, deu um bocejo e seguiu a vida. Com quem em segundo? Nasr! Mas ele não tinha parado ainda, era o último na pista sem pit stop. Parou na volta 35 e retornou em 11º.

Com todo mundo contabilizando um pit stop, deram-se muito bem Pérez e Ricciardo, terceiro e quarto. Os dois que pararam no safety-car. Espertinhos. Bottas vinha em quinto. Raikkonen, em sexto. Sem muita paciência, Kimi atacou, na volta 36. Passou. Na curva seguinte, tomou um X. Ficou um pouco para trás. Valtteri respirou um tempinho, foi para cima de Ricardão e levou o australiano sem dificuldade já na volta 45. Raikkonen aproveitou a deixa e tentou também. Não conseguiu. Foi de novo, na 48, e passou. Uma volta antes, Sainz Idade bateu de leve, com os freios em pandarecos, e quando tentou voltar deixou um pedaço de asa na pista. Um comissário bem doido entrou para pegar e quase foi atropelado por Vettel.

Ricciardo abandonou logo depois com problemas de suspensão. O suspense ficou para as últimas quatro voltas. Bottas partiu para cima de Pérez, previsivelmente. Na volta 51, a diferença era de 0s8. Maria do Bairro se aguentava como dava. Raikkonen chegou nos dois. No fim da penúltima volta, Sergio deu uma ligeira vacilada — na verdade, era impossível segurar mais — e ambos passaram.

Mas Kimi estava mesmo com o capeta no corpo. Meio na loucura, mergulhou na Curva 3, para a direita, exatamente onde Bottas tangenciaria a dita cuja. Bateram. Valtteri abandonou. “Que merda ele fez?”, perguntou pelo rádio. “Eu achei que ele tinha me visto. Obviamente, não viu. Não foi loucura, apenas tive a chance, tentei, e quando tentei, não dava mais para recolher. Não foi uma loucura”, tentou explicar.

Hamilton venceu, com Vettel em segundo sem mais sustos. Raikkonen ainda cruzou a linha de chegada em quinto. Considerado culpado pelo acidente, teve 30s acrescidos ao seu tempo final de prova e caiu para oitavo. Com isso, a Mercedes assegurou matematicamente o título de Construtores. Pérez foi o terceiro, levando a Force India ao pódio pela terceira vez na história — as outras foram na Bélgica em 2009 com Fisichella em segundo, e com o próprio Pérez, terceiro no ano passado no Bahrein. O quarto foi Massa, excelente resultado depois da péssima classificação (15º no grid), seguido por Kvyat, Nasr (outro que foi muito bem, seu segundo melhor resultado na categoria), Maldonado, o supracitado Raikkonen, e a dupla da McLaren fechando a zona de pontos, com Button em nono e Alonso em décimo. El Fodón de La Punición, porém, levou um pênalti de 5s por ter saído dos limites da pista várias vezes, caiu para 11º e, com isso, Verstappen ficou com o pontinho.

Rosberg, com o abandono, perdeu também a vice-liderança do campeonato, que passou para Vettel, com 236 pontos — Nico tem 229. Hamilton foi a 302. Ele pode conquistar o tri por antecipação em Austin, na próxima etapa do campeonato. Basta uma dobradinha da Mercedes com ele em primeiro — resultado que já aconteceu seis vezes neste ano.

Lewis, com a vitória russa, superou Senna e foi a 42 vitórias na carreira (são nove nesta temporada). Ao lado de Vettel, está em terceiro nas estatísticas, atrás apenas de Schumacher (91) e Prost (51). No pódio, divertiu-se com os engraçadíssimos chapéus russos (esse treco se chama “ushanka”), jogou o troféu para o alto, espirrou champanhe em Putin, e se alegrou com a festa ainda maior de Pérez.

Lacrou o caixão do campeonato. Agora, é só esperar para saber onde vai comemorar o tri.