Blog do Flavio Gomes
F-1

O “É HOJE” DE SETTE CÂMARA

SÃO PAULO (sorte a ele) – Não dá para saber o que será de Sergio Sette Câmara no futuro. Mas o Brasil está tão carente de pilotos na fila para a Fórmula 1, que é preciso se agarrar em qualquer coisa. Falo aqui sem nenhum viés nacionalista. Eu poderia ser um jornalista finlandês agora, que […]

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SÃO PAULO (sorte a ele) – Não dá para saber o que será de Sergio Sette Câmara no futuro. Mas o Brasil está tão carente de pilotos na fila para a Fórmula 1, que é preciso se agarrar em qualquer coisa.

Falo aqui sem nenhum viés nacionalista. Eu poderia ser um jornalista finlandês agora, que estaria escrevendo exatamente a mesma coisa. Um país como o Brasil ficar sem ninguém na F-1 é algo que deve provocar alguma reflexão. E de todos, da imprensa internacional, dos fãs espalhados pelo mundo, dos chefes de equipe, de ex-pilotos.

Afinal, estamos falando de um país que fez três campeões mundiais, que conquistou oito títulos, que ganhou 101 corridas (só perde para a Grã-Bretanha e para a Alemanha), fez 126 poles (também está em terceiro no ranking), subiu 293 vezes no pódio (quarto nas estatísticas), alinhou nada menos do que 31 pilotos num grid desde os anos 50, nunca deixou de ter um representante na categoria depois da estreia de Emerson, em 1970.

[bannergoogle]Um país com tal currículo pode não ter ninguém no ano que vem, se Massa não renovar com a Williams e ninguém se interessar por ele — é pouco provável, ele deve correr –, e se Nasr desencanar da Sauber e não encontrar outro cockpit — algo também improvável, ele tem espaço e bons patrocinadores.

Mas mesmo que ambos sigam, quem vem depois?

Houve um tempo em que uma molecada muito boa saía daqui e se firmava na Europa, primeiro na Inglaterra, na F-3, depois na F-3000 e, mais tarde um pouco, na GP2. Da quantidade, saía qualidade. Sempre tinha alguém chegando à F-1, e quando não dava, acabava parando na Indy. Gugelmin, Moreno, Rubinho, Cristiano, Bernoldi, Christian, Junqueira, Pizzonia, Diniz, Rosset, Tarso, Tony, Di Grassi, Razia, Helinho, Battistuzzi, Massa, Nelsinho… Todos tiveram uma trajetória no Brasil, no automobilismo interno, nas categorias-escola como as Fórmulas Ford, Chevrolet e Renault.

Aí elas acabaram, e de uns bons anos para cá, talvez uma década, quem resolve ser piloto no Brasil mira no Turismo que é mais fácil, e é o que temos por aqui. Sendo bem mais específico: mira na Stock. Raros são os que, como Farfus, Derani, João Paulo e Negri — desculpem se estiver esquecendo alguém –, optaram por caminhos pouco usuais, como o DTM, o WEC, o Japão e os protótipos nos EUA.

E aí que não sobrou ninguém na fila, até aparecer Sette Câmara na F-3 Europeia no ano passado, e a Red Bull olhou para ele, gostou, adotou e, hoje, colocou para andar num F-1.

Em 1983, ficou famosa a reportagem de Reginaldo Leme no primeiro teste de Senna com a Williams, em Donington Park. Já se intuía que aquele moço iria resultar em algo especial, e igualmente famosa é a frase de Ayrton quando vê o carro no caminhão da equipe, dá uma batidinha nele e diz: “É hoje”.

[bannergoogle]O “é hoje” de Sette Câmara foi hoje em Silverstone, nestes dias em que tudo é documentado, registrado, postado, curtido, compartilhado. Não precisou o Reginaldo ir até lá, as assessorias todas mandaram farto material — a pessoal dele, a da Toro Rosso, a da Red Bull no Brasil. Chegaram muitas fotos, textos detalhados, vídeos. A reportagem do Grande Prêmio falou com ele por Skype, ou WhatsApp, ou e-mail, ninguém perdeu nada. São as vantagens da tecnologia em tempos muito mais profissionais e monitorados.

Sergio completou 82 voltas com o carro da Toro Rosso, ficou em nono, sentiu um certo cansaço, se impressionou com o torque do motor e com os freios, se disse “abençoado” por ter recebido a oportunidade. Os tempos não impressionaram muito, mas isso, atualmente, não importa quase nada. Quando Senna sentou a bunda na Williams em Donington, enfiou tempo em todo mundo e bateu o recorde da pista. Isso ficou para a história. Hoje, num teste desses, qualquer equipe tem uma programação muito detalhada, objetivos muito específicos, precisa aproveitar cada minuto de pista porque os treinos são raríssimos. Assim, o cronômetro acaba sendo secundário. Importante é o piloto passar informações precisas, não bater, aprender a guiar essas trapizongas únicas — não há nada muito parecido em categoria alguma.

Daqui para a frente? Como dizia o velho e bom Mao, toda longa caminhada começa com um primeiro passo. Ele foi dado pelo jovem mineiro hoje. Os próximos, who knows?