Blog do Flavio Gomes
Autódromos

AS CASCATAS DA HORA

SÃO PAULO (ah, o mundo real…) – O futuro secretário de Desestatização e Parcerias da Prefeitura de São Paulo, Wilson Poit, deu uma entrevista hoje à “Folha de S.Paulo”. Falou sobre as privatizações pretendidas pelo prefeito-suéter, cuja lista inclui Interlagos, Pacaembu, Parque Ibirapuera e Anhembi. Poit trabalhou na gestão do atual prefeito, Fernando Haddad. Como […]

inter40

SÃO PAULO (ah, o mundo real…) – O futuro secretário de Desestatização e Parcerias da Prefeitura de São Paulo, Wilson Poit, deu uma entrevista hoje à “Folha de S.Paulo”. Falou sobre as privatizações pretendidas pelo prefeito-suéter, cuja lista inclui Interlagos, Pacaembu, Parque Ibirapuera e Anhembi. Poit trabalhou na gestão do atual prefeito, Fernando Haddad.

Como o que nos cabe aqui é Interlagos, segue o trecho em que ele fala do autódromo:

O lugar é uma joia. Levamos o Lollapalooza para lá [na gestão Haddad]. É um evento de 160 mil pessoas e 60% do público é de fora, por isso dorme na cidade por três noites. Podemos alugar o espaço da grama de Interlagos [para show]. Em 2014, após 20 anos, o balanço do autódromo entrou no azul pela primeira vez.

Vamos ouvir as pessoas para fazer o edital. Poderemos ter shopping, grandes restaurantes, museus de automobilismo, hotelaria e eventualmente empreendimentos imobiliários residenciais. A pista será usada alguns dias do ano pela prefeitura.

Muito bem. Às vezes algumas pessoas precisam de um choque de realidade, e creio ser o caso deste moço.

O lugar é uma joia? Bem, se é, por que se livrar dele? O Lollapalooza foi levado para lá pelo atual prefeito. Dá dinheiro para a cidade e para o autódromo. Qual a grande novidade? Ah, “alugar o espaço de grama de Interlagos”. É isso? Bem, que eu saiba, já é feito. O Lollapalooza, até onde se sabe, não acontece no asfalto, nem dentro dos boxes. É ótimo “alugar o espaço da grama”. Melhor ainda se o dinheiro do aluguel ficar na Prefeitura, em vez de ir parar no bolso de algum amiguinho.

[bannergoogle]Mas vamos em frente. Os demais planos: shopping, grandes restaurantes, MUSEUS de automobilismo (o destaque para o plural é meu), hotéis, empreendimentos residenciais.

Fico me perguntando, quando leio essas coisas, em que mundo essa gente vive. Um shopping dentro do autódromo, é isso? Onde, exatamente? Entre o S do Senna e a antiga Curva do Sol? Na Ferradura? Na área de escape do Laranjinha? Gostaria de lembrar ao douto futuro secretário que a 5,5 km do autódromo fica um shopping curiosamente batizado de Interlagos, que inclui no seu complexo o Shopping Interlar Interlagos, um hipermercado Carrefour, um atacadista Makro, uma loja da Leroy Merlin, um hotel Ibis, uma Cobasi e um prédio do Detran. O complexo recebe 115 mil pessoas por dia. O shopping sozinho (sem contar os outros centros comerciais), inaugurado em 1988, tem 190.000 m² de área construída, 300 lojas, dez salas de cinema, 4,8 mil vagas de estacionamento.

Quem é que vai se interessar em fazer algo parecido a 5 km dali?

Seguimos. Grandes restaurantes. Bem… Claro, qualquer um pode idealizar um “espaço gastronômico” onde bem entender. Mas esbarramos em problema semelhante ao do shopping. Que tipo de “grande restaurante” o futuro secretário-de-suéter imagina? Habib’s? McDonald’s? Maní? Quem é que se deslocaria até Interlagos para comer no Maní/Unidade Zona Sul?

Ah, Habib’s e McDonald’s já tem. Na rua do autódromo.

Sobre os museus de automobilismo, não sei se dou risada, ou choro. OK, se quiserem construir um galpão para que eu possa colocar minha coleção lá dentro, aceito. Vira museu, e nem cobro entrada. Estamos em 2016, e há 25 anos um brasileiro não conquista um título na F-1. Há sete, não vence uma corrida na categoria. O único acervo de carros de corrida de verdade no Brasil está em Passo Fundo e é uma coleção particular que jamais sairá de lá. Quanto custa fazer um museu? Quanto custa formar um acervo? Quantas entradas devem ser vendidas para que o investimento se pague? Afinal, imagino que a ideia de um museu será oferecida ao mercado. “Senhor Banco Santander, que tal bancar um museu de carros em Interlagos? Vai custar 50 milhões para fazer o prédio e mais 10 para juntar uns carros. Se o senhor vender ingressos a 20 reais, com três milhões de visitas o investimento está pago.” Muito atraente.

Três milhões de pessoas dá mais ou menos o público acumulado em 50 GPs do Brasil de Fórmula 1.

[bannergoogle]Hotéis e empreendimentos residenciais. Bom, tem um negócio chamado barulho, em Interlagos. Barulho de carros de corrida. No autódromo, eles aparecem de vez em quando, esses carros. OK, um hotel pode ter janela anti-ruído. Prédios, também. Só não dá para usar a varanda gourmet de dia. Nem deixar as janelas abertas para arejar. Depois, acho justo perguntar: quem precisa se hospedar num hotel em Interlagos? Quais as grandes atrações da região?

Ah, tem o GP e o Lollapalooza. Verdade. Eventos que duram seis dias — no acumulado de ambos. O ano tem 365. Quanto aos prédios residenciais, um breve lembrete ao futuro secretário-de-suéter: quem quer construir edifícios e ganhar dinheiro vendendo apartamentos deve comprar terrenos e erguer suas obras; como cidadão deste município, não acho legal lotear um espaço público para quem quer que seja. Interlagos não é um loteamento.

Enfim, faço esta, digamos, leitura crítica das declarações do futuro secretário porque acredito que há limites para o embuste. Não se pode sair por aí falando um monte de asneiras sem que alguém conteste — e isso, pelo que vejo, a antiga imprensa já não sabe fazer.

As questões que levanto acima poderiam ter sido colocadas ao futuro secretário-de-suéter por quem o entrevistou. Mas não foram, e também não tenho nada com isso, não sou dono do jornal, nem chefe do repórter. Minha função, atualmente, é dar palpites sobre quase tudo. Principalmente sobre aquilo que conheço.

E eu conheço Interlagos, conheço restaurantes, conheço museus, conheço hotéis e sei onde as pessoas moram. Vamos esperar pelos próximos quatro anos. Guardem a data de hoje: 25 de novembro de 2016. No dia 25 de novembro de 2020, se eu ainda existir, me lembrem de voltar a este post para que possamos conferir quantos restaurantes, museus, hotéis e edifícios residenciais foram construídos na área do autódromo, que é uma joia, pela doce iniciativa privada.