SÃO PAULO (and that’s all) – Teve Verstappen, Massa e Nasr, e teve também um senhor GP. Como quase sempre em Interlagos — um pouco pelo charme do lugar, pelo tipo de pista, pelo relevo, pela tradição, pela história, pelo clima.
[bannergoogle]O tempo fez da penúltima etapa do Mundial uma corrida inesquecível. Com resultado previsível — nova dobradinha da Mercedes, a sétima no ano — e marcas históricas. Hamilton venceu de novo, a nona vez no ano, terceira seguida, primeira em Interlagos e 52ª na carreira. História sendo escrita, essa foi a sensação ao final do dia.
Lewis passou Prost nas estatísticas e é, agora, o segundo piloto com mais vitórias em todos os tempos, perdendo apenas para Schumacher, com suas quase inalcançáveis 91. O inglês, que sonhava com um triunfo no Brasil, acumula agora vitórias em 24 circuitos diferentes. Ninguém ganhou tanto em tantos lugares nos mais 60 anos da Fórmula 1. É uma façanha e tanto.
Hamilton descontou mais alguns pontos de Rosberg na classificação, que de novo foi o segundo colocado e segue para Abu Dhabi, daqui a duas semanas, com 12 de vantagem sobre o companheiro de equipe — 367 x 355. Um terceiro lugar na última corrida do ano, mesmo se Lewis vencer de novo, será o bastante para que ele se consagre campeão mundial de 2016.
Já tem algum tempo que Nico-Nico no Fubá corre com o regulamento debaixo do braço, sem correr riscos desnecessários. “Posso viver muito bem com este segundo lugar”, falou o alemão depois da corrida. “Lewis foi melhor hoje, mas eu sei o que preciso fazer para alcançar o que pretendo.” É isso aí. A vantagem que, desde o Japão, lhe permitia fechar a temporada sem vitórias foi ele mesmo quem construiu. Está fazendo valer os pontos que acumulou ao longo do campeonato. Nenhum reparo a fazer. Não está escrito em regulamento nenhum que o sujeito precisa ser estoico e destemido para ser campeão. Basta fazer mais pontos que os outros.
Foi um GP caótico e adorável, este de Interlagos. O domingo amanheceu chuvoso, como chuvosas foram a noite e a madrugada em São Paulo. Chance zero de parar, chance zero de secar. A água não caía com força, mas não parava por um minuto sequer. A pista estava tão escorregadia e traiçoeira que na volta de alinhamento Grosjean aquaplanou na subida do Café, rodou e bateu forte. O coitado estava em sétimo no grid. Uma lástima. Ele não tinha onde enfiar a cara de vergonha.
A direção de prova achou por bem adiar em dez minutos a largada, para ver se a chuva daria uma trégua. Que nada. Às 14h10, começou a corrida previsivelmente atrás do safety-car. A F-1 tem medo de água, de uns tempos a esta data. Nenhum GP chuvoso começa mais como deveria começar, com todos parados no grid, luz vermelha, pau na máquina sem enxergar nada e salve-se quem puder. Um saco, isso.
Foram sete voltas atrás do Mercedão com giroflex até ele recolher e a prova ser iniciada de verdade. De cara, Verstappen partiu para cima de Raikkonen e assumiu o terceiro lugar. Alguns, mais otimistas, foram para os boxes colocar pneus intermediários. Magnussen, o primeiro. Rosberg, na segunda posição, foi consultado pelo rádio se queria fazer o mesmo. “Nem fodendo, muito cedo”, respondeu. A tradução é livre. Ele falou “no way, too early”. “No way”, para mim, é “nem fodendo”. Foi um inglês que me falou.
Na décima volta, um susto da gota. Vettel, em quinto, rodou miseravelmente na Junção. Não bateu em nada e ninguém bateu nele, um quase milagre. Correu para os boxes e, em vez de abandonar apavorado, meteu intermediários também.
Com um monte de gente tentando a mesma coisa, na 12ª volta apareceu Felipe Nasr em nono, uma posição tão surpreendente quanto espetacular — que seria a sua final. Seu companheiro Sonyericsson, então, rodou na volta seguinte, no Café, bateu e seu carro obstruiu a entrada dos boxes.
O safety-car foi acionado e, rapidinho, Verstappen foi trocar de pneu. Mal passou pelo carro batido de Ericsson, a direção avisou que a entrada do pit-lane estava fechada, mas mesmo assim Ricciardo parou — acabaria sendo punido com 5s. Foi a primeira tentativa de Max com os intermediários. Era uma aposta. Mas estava longe de ser uma boa ideia.
A chuva apertou, e a relargada foi autorizada na volta 19. Não deu nem tempo de acelerar. Raikkonen, na reta dos boxes, aquaplanou, atravessou a pista e bateu forte na mureta. O safety-car, que mal tinha desligado as luzes, voltou à pista e a prova foi interrompida com bandeira vermelha.
Foram 35 minutos de paralisação para remover a Ferrari de Kimi. Todo mundo aproveitou e colocou um novo jogo de pneus para chuva forte, os “wets” — ou “extreme”, como queiram. Passaram a ser obrigatórios. Os espertinhos que acreditaram nos intermediários tiveram de trocar também. O reinício se deu na volta 20, de novo atrás do safety-car. Nesse período, o pastelão foi protagonizado por Palmer, que bateu em Kvyat e abandonou. O soviético sobreviveu.
A chuva não parava, e depois de 14 minutos e sete voltas atrás do safety-car, a direção resolveu dar bandeira vermelha de novo, alegando que as condições eram impraticáveis. O povo na arquibancada, encharcado até a alma, ficou meio puto. Alguns pilotos acharam a medida desnecessária. Mas sabe como é… Segurança é prioridade, melhor pecar por excesso do que por falta de.
Mais uma rápida estada nos boxes, coloca pneu — Hamilton trocou até o capacete –, olha para o céu, espera um pouco, conversa daqui, palpita dali, e veio o aviso: vai recomeçar às 16h02. A interrupção, de 27 minutos, seria a última. Todo mundo na pista de novo atrás do carro de segurança, volta 28 no marcador, Hamilton liderando, seguido por Rosberg, Verstappen e Pérez. A relargada foi autorizada na volta 30, e imediatamente Verstappinho jantou Nico-Nico por fora no Sol. Lindo, lindo, lindo.
[bannergoogle]Hamilton tinha 1s5 de vantagem para Max, que já abria de Rosberg. Na volta 38, porém, o holandês quase foi visitar o pai mais cedo. Deu uma chacoalhada na subida do café, balançou pra cá, balançou pra lá, rezou um Pai Nosso rapidinho e conseguiu não bater em nada. Nico chegou, mas não passou. Lewis, lá na frente, respirou aliviado e abriu mais de 6s para Verstappinho.
A prova seguiu razoavelmente sem incidentes por algumas voltas, quando a Red Bull achou que daria o pulo do gato. Chamou Ricciardo e Verstappen para colocar intermediários. Daniel foi primeiro. Era quarto, voltou em 12º — pagou a punição no pit stop. Logo, fez a melhor volta da corrida. Então, veio Max, animadinho com o desempenho do companheiro. Era terceiro, voltou em quinto. E quando voltou, a chuva apertou. Bad idea.
Na volta 48, novo safety-car, agora por conta da batida de Massa na entrada dos boxes. O brasileiro aproveitou para se despedir pessoalmente das arquibancadas de Interlagos e voltou chorando para a garagem da Williams. Ricardão não insistiu com os intermediários, voltou aos boxes e colocou “wets” de novo. Verstappen teve de se render às evidências e fez o mesmo. Quando o safety-car saiu, na volta 55, o adolescente da Red Bull tinha despencado para 14º.
E foi a melhor coisa do mundo para a corrida, porque Max, endiabrado, saiu atropelando quem viu pela frente e, em 16 voltas, apareceu em terceiro. Pela ordem, engoliu Gutiérrez, Wehrlein, Bottas, Ricciardo, Kvyat, Ocon, Nasr, Hülkenberg, Vettel, Sainz Jr. e Pérez. Um assombro. E só não passou a dupla da Mercedes porque, àquela altura, ambos estavam muito distantes.
Sobre a corrida, menos empolgação. “Foi uma das minhas vitórias mais fáceis. Eu me dou bem na chuva. Não tive nenhum problema, nenhuma dificuldade.” Não era marra. De fato, foi o único que não teve muito trabalho nas três horas de GP do Brasil — a prova acabou às 17h10, com a distância original de 71 voltas cumprida e cima do laço. Rosberg e Verstappen foram ao pódio com ele satisfeitos — Nico cumpriu a meta de ficar em segundo no caso de vitória do outro, e Max saiu como grande protagonista do dia. Pérez, Vettel, Sainz Jr., Hülkenberg, Ricciardo, Nasr e Alonso fecharam o top-10.
Cansado, molhado até a alma, o público — que não lotou Interlagos — deixou o autódromo com um sorriso no rosto. Viu uma corrida como nos velhos tempos: sem maquiagem, repleta de drama, suspense, tensão. E viu história. História rabiscada por Hamilton com suas 52 vitórias. E rascunhada por Verstappen com sua exuberância na pilotagem. A história do campeonato, no entanto, ainda não terminou. Lewis não desistiu. E Rosberg viverá as duas semanas mais longas de sua vida.
Mas ainda acho que leva a taça definitiva.