Blog do Flavio Gomes
F-1

ENTRE OS LAGOS (7)

SÃO PAULO (agora, ao jogo) – Para fechar este primeiro dia corrido, pequeno relato de ontem à noite. A Puma organizou um evento com Lewis Hamilton num prédio icônico (odeio a palavra!) de São Paulo, o edifício Mirante do Vale — que por 48 anos foi o mais alto do Brasil, sendo batido inapelavelmente pelo […]

hamsenna

SÃO PAULO (agora, ao jogo) – Para fechar este primeiro dia corrido, pequeno relato de ontem à noite.

A Puma organizou um evento com Lewis Hamilton num prédio icônico (odeio a palavra!) de São Paulo, o edifício Mirante do Vale — que por 48 anos foi o mais alto do Brasil, sendo batido inapelavelmente pelo cafonérrimo Millennium Palace em Balneário Camboriú; um dos que lançam suas sombras sobre aquilo que um dia foi uma praia no litoral de Santa Catarina.

Como o Grande Prêmio ganhou cinco minutos para entrevistá-lo com exclusividade, acabaram me escalando para a tarefa e lá fomos para o centro da cidade.

[bannergoogle]Confesso que minha curiosidade maior era subir no Mirante do Vale, prédio feioso e com andares de pé direito muito baixo, um daqueles monstrengos de São Paulo erguidos nos anos 60 sem grandes preocupações arquitetônicas ou urbanísticas. Mas como fica no Vale do Anhangabaú, com uma vista espetacular, queria muito ir até o topo. Porque é o tipo de lugar pelo qual você passa a vida inteira e nunca entra. Então, quando tem a chance, que se aproveite.

O prédio é um barato, uma viagem no tempo, espetado ao lado do viaduto Santa Ifigênia, numa área decrépita da cidade. No térreo, uma galeria com lojinhas escuras e amareladas, restaurantes por quilo dirigidos por chineses e coreanos, luz fria no teto descascado, porteiros com gravatas mais largas e curtas do que deveriam, seus colarinhos puídos e seus paletós altivos.

Os elevadores são minúsculos para o tamanho do edifício, as escadas são acanhadas e envelhecidas, e lá do alto a cidade se oferece a quem ainda é capaz de olhar para ela com alguma ternura.

Eu ainda sou.

A entrevista seria apenas mais uma entrevista, em cinco minutos não se fala muita coisa, e deixo o relato (com o vídeo) para os meninos que foram lá cobrir o evento — tratava-se de um grafite em homenagem ao piloto, que seria concluído por ele com umas latas de spray. O que curti, mesmo, foi o terraço.

[bannergoogle]Choveu muito e ventou demais no final da tarde, e quase que tudo foi para os ares. Mas depois a água deu uma trégua, as luzes da metrópole lá embaixo se acenderam, serviram caipirinhas, cervejas, canapés e escondidinho de carne seca, apareceram jovens dançarinos de hip-hop, um DJ tocou as músicas que Hamilton gosta, acabou que tudo foi muito agradável e simpático.

Deram um quadro com o rosto de Ayrton Senna para Lewis, fã declarado do brasileiro — a foto acima, muito bonita, é do Rodrigo Berton. Não sei bem o que ele disse lá no palco, porque enquanto recebia o presente eu conversava com Max Wilson, que é uma figurinha rara — conheço o moleque há duas décadas, e ele de moleque já não tem nada, fiquei besta de saber que já tem 44 anos, achava que só eu ficava velho.

Hamilton foi muito cordial e solícito, tanto com os jornalistas, quanto com os fãs, convidados, artistas, músicos e bicões que sempre aparecem nesses lugares — e ainda bem que é assim, o mundo é dos bicões. Contei rapidamente que aquele era o prédio mais alto de São Paulo e se ele não pareceu impressionado, também não ignorou a informação. Amante da cultura popular, da música e da arte nascidas nas periferias das grandes cidades, tive a impressão que Lewis curtiria mais aquilo tudo se pudesse sair a pé pelo Centro, incógnito, para ver a molecada que anda de skate na Praça Roosevelt, a moçada na Galeria do Rock, as pichações e grafites reais espalhados pelas paredes dos velhos prédios da São João, terminando com um bauru no Ponto Chic do Largo do Paiçandu, ou até mesmo ouvindo um bolero no Bar Brahma.

Essas coisas, que são a verdade de uma cidade, um cara como o Hamilton não pode fazer. Em lugar nenhum do mundo.

Eu posso, e me senti meio aliviado com isso.