Blog do Flavio Gomes
F-1

BACK TO THE OFFICE (3)

MOGYORÓD (tá tudo igual, exceto…) – Antes de falar do treino que acabou agora há pouco, um breve relato automobilístico. Uma das corridas que sempre gostei de cobrir foi essa aqui, da Hungria. Vim pela primeira vez em 1991. A URSS nem tinha acabado direito, o Muro de Berlim tinha sido derrubado pouco tempo antes, […]

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MOGYORÓD (tá tudo igual, exceto…) – Antes de falar do treino que acabou agora há pouco, um breve relato automobilístico.

Uma das corridas que sempre gostei de cobrir foi essa aqui, da Hungria. Vim pela primeira vez em 1991. A URSS nem tinha acabado direito, o Muro de Berlim tinha sido derrubado pouco tempo antes, e quando cheguei ao velho terminal do aeroporto de Ferihegy (palavra que significa “montanhas de Ferenc”, já que aquelas terras eram de um certo Ferenc Mayerffy no século 19, e tinha uma colina, que foi removida para fazerem o campo de pouso, nos anos 40), com seus balcões revestidos de madeira escura, piso de linóleo e computadores de gabinetes amarelados, um sujeito me esperava para entregar o carro que tinha alugado.

[bannergoogle]Aqui, algumas lembranças esparsas. Não existia a internet, portanto não havia reserva de carro, passagem, hotel, nada disso  que hoje a gente faz em casa por aplicativos, sites ou coisa que o valha. Quem montava a viagem era alguma agência de turismo — no meu caso, a que prestava serviços para a “Folha de S.Paulo”.

Vinha-se para a Hungria via Frankfurt, algum voo da Varig ou da Lufthansa até a Alemanha, com conexão da Malev — companhia que no começo de 2012 fechou suas portas desgraçadamente (tragédia registrada pelo blog há cinco anos, é só clicar no link). Era preciso visto para entrar no país, mas este era emitido no próprio aeroporto. Corria-se, claro, o risco de bater na porta e voltar. Mas como era fim de semana de GP, jornalistas credenciados não tinham grandes problemas.

Já no saguão do terminal, trocavam-se dólares por forints, com seus muitos zeros nas notas amarfanhadas e nas moedas de metal de baixa qualidade, e para pegar um carro alugado recorria-se aos balcões das recém-chegadas Hertz, ou Avis, torcendo para haver disponibilidade.

Eu, no entanto, cheguei a Budapeste já tendo em mãos uma reserva incomum, feita através de troca de faxes — acho que também foi a agência do jornal que arrumou um jeito de alugar um carro por vias menos convencionais, não lembro de ter me envolvido pessoalmente no assunto. O fato é que minha locadora era desconhecida, não tinha escritório no aeroporto e, na prática, se resumia a um sujeito me esperando com uma plaquinha com o nome para entregar a viatura.

O sujeito arranhava algumas palavras e inglês e me fez compreender que iria me levar até o automóvel — que não estava no estacionamento do aeroporto. Então, ganhamos as ruas num carro que não lembro qual era, e seguimos pela periferia cinzenta e poeirenta de Budapeste até chegarmos a um bairro residencial onde, diante de uma casa simples, com garagem abaixo do nível da rua, havia um Lada me esperando. É esse aí do lado, clicado no estacionamento de Hungaroring — a pista está ao fundo. Branco, com a frente nova (se alguém quiser, tenho uma foto, também), placas CGG-451. Será que ainda existe, essa criatura?

Bem, é claro que aquilo me deixou absolutamente encantado: pela primeira vez eu entrava num país comunista, passava para o outro lado da Cortina de Ferro, era “sequestrado” por um cara esquisito que não falava inglês direito e era levado provavelmente para as garras da Államvédelmi Hatóság, a temível polícia secreta húngara que iria me jogar num cubículo qualquer para depois de horas de fome, sede e privações arrancar de mim algum segredo de Estado sobre americanos, canadenses e ingleses.

No fim das contas não aconteceu nada de muito excitante, eu não tinha segredo algum para revelar, o rapaz me explicou mais ou menos que estava começando no ramo de alugar carros, me entregou a chave do Lada novinho, preenchi um papel, paguei em dinheiro, anotei o endereço para poder devolver na segunda-feira (ele me levaria ao aeroporto), peguei um mapa igualmente fornecido pela incipiente — e, espero, bem-sucedida — locadora e me mandei para o hotel, que se chamava Danubius Thermal, ou algo parecido. Era um hotel novo na beira do rio, o que na minha cabeça facilitaria as coisas: bastava encontrar o rio, que uma hora chegaria ao hotel.

E assim foi, olhei o mapa, sempre tive boa noção de direção, pega aqui, entra ali, vira acolá, passa debaixo da linha do metrô, olha para os supermercados de nomes com muitos acentos, observa as calçadas escuras, os prédios de paredes sujas de fuligem e, por todos os lados, Trabants, Wartburgs, Barkas, Ladas e Skodas.

Cara, que grande barato, que paraíso, pensa em alguém feliz — era eu, ao volante de um Lada rodando por Budapeste.

[bannergoogle]Não lembro de nada da corrida. Mas lembro que nos primeiros metros da jornada a manivela de levantar e abaixar o vidro quebrou e passei aqueles quatro ou cinco dias num calor desgraçado sem poder abrir a janela, o que compensava abrindo a do carona. Também fui perdendo marchas, das cinco disponíveis, fiquei sem a primeira e a terceira, ou a segunda e a quarta, ou a primeira e a quinta, lembro que foram duas, mas nada que me impedisse de dirigir orgulhosamente o 2107 branco de lavra soviética.

Com o tempo, os Trabis, Wartburgs, Ladas, Skodas e os furgões Barkas foram sumindo da paisagem. Nos 13 ou 14 anos seguintes em que voltei a Budapeste para o GP da Hungria criei um concurso interno que era disputado comigo mesmo, que consistia em contar quantos Trabants eu veria do trajeto entre o hotel e a pista, uma vez que ficava quase sempre no mesmo — eu sempre faço isso, conto Kombis, Fuscas, Chevettes, VW a ar, Gols quadrados, essas coisas, para me distrair no trânsito; estabeleço objetivos e tenho de cumpri-los, tipo “30 Kombis do Planalto até a Bela Vista”, ou “dez Chevettes entre a Saúde e a Paulista”, e se não cumprir as punições são pesadas.

No começo, isso lembro bem, a meta era de 100 Trabis, atingida com facilidade. Esse número foi caindo drasticamente até ser reduzido a dez na última vez em que estive aqui, e não consegui nem meia-dúzia.

Ontem fui jantar na cidade — estou perto do autódromo, em Gödölö (esse último “o” não tem trema, mas um acento parecido que meu computador não faz), onde a rainha Sissi tinha um palácio de verão; Sissi, para quem não sabe, era imperatriz na Áustria, mas rainha na Hungria. São 30 km para ir e 30 km para voltar. Vi um Skoda antigo na ida, e um na volta. Tive a impressão de ver uma peruinha Trabi nas termas, mas estava escuro e ela estava no estacionamento, talvez tenha sido uma miragem.

Este é o breve relato automobilístico. Não há mais Trabis, Wartburgs, Barkas, Ladas ou Skodas na Hungria. Ao menos não os há em Budapeste. Skoda ainda existe, é da VW, está cheio de Skoda novo por aí — o que nos levou ao restaurante ontem, mesmo, era um desses. O desaparecimento desses carros é quase inacreditável, considerando que há 25 anos eles compunham, basicamente, 100% da frota circulante no país.

Apenas queria fazer esse registro, então.

Sobre os treinos, vamos lá.

A Red Bull foi bem, Ricardão ficou em primeiro nas duas sessões, o que era mais ou menos esperado pela qualidade dele e do chassi da equipe. É um candidato a mais para a pole, ao lado dos sempre favoritos Hamilton, Bottas e Vettel, nessa ordem.

Nada de muito notável aconteceu na sexta-feira quente e ensolarada de Hungaroring, exceto as duas batidas de Palmer (gente do céu, como é ruim esse rapaz), uma de Wehrlein e o bom desempenho de Alonso, oitavo colocado. Massa passou mal depois do treino, algo relacionado ao calor, e foi para um hospital para ficar em repouso. Ainda estou apurando direitinho o que aconteceu, mas não deve ser nada grave. Quando me disseram que tinha ido para o hospital, achei que era para visitar os médicos que o atenderam em 2009.

O relato do treino está aqui. Os tempos, aí embaixo. Amanhã é dia de classificação importante, porque todo mundo sabe que esta pista é dura para ultrapassar e na imensa maioria das vezes, desde 1986, o vencedor saiu das duas primeiras filas. Fiz até o levantamento. São 31 corridas até agora, com 13 vencedores tendo largado na pole (41,9%), 19 tendo largado da primeira fila (61,3%) e 29 tendo largado no máximo até a segunda fila (93,5%). Apenas em 1989 (Mansell, 12º no grid) e em 2006 (Button, 14º) houve surpresas. No mais, é uma prova previsível no que diz respeito à relação entre posição de largada e resultado final.

Agora vou contar uns Trabants e já volto.