Blog do Flavio Gomes
F-1

EL FODÓN

SÃO PAULO (há vida por aí) – A primeira vez que olhei com alguma atenção para o tal de Fernando Alonso foi numa corrida de F-3000 na Bélgica, há exatos 18 anos. Foi sua única vitória na categoria, e não foi uma vitória qualquer. Aliás, não foi um sábado qualquer, aquele. O título da temporada […]

SÃO PAULO (há vida por aí) – A primeira vez que olhei com alguma atenção para o tal de Fernando Alonso foi numa corrida de F-3000 na Bélgica, há exatos 18 anos. Foi sua única vitória na categoria, e não foi uma vitória qualquer. Aliás, não foi um sábado qualquer, aquele. O título da temporada seria decidido naquela prova, com a disputa restrita a Bruno Junqueira e Nicolas Minassian. O brasileiro, da Petrobras Junior, precisava de um quarto lugar, apenas. O francês, da Supernova, tinha de vencer de qualquer forma e torcer para um mau resultado do rival.

Foi uma corrida muito tensa. Bruno terminou apenas em nono, com o adversário flertando com a vitória. Mas no fim das contas Minassian terminou em terceiro, atrás da dupla de uma certa Astromega — que corria com carros amarelos, um deles patrocinado pela Telefónica espanhola. O primeiro colocado, Fernando Alonso, um rapaz de 19 anos. O segundo, um belga de 30 anos já veterano chamado Marc Goossens — que tinha estreado na F-3000 em 1994, pulou alguns campeonatos, e voltou na virada do século.

Bruno foi o campeão. Mas, por alguma razão, foi o tal de Alonso que saiu de Spa com jeito de que no ano seguinte estaria na F-1, ainda que tivesse terminado o campeonato apenas em quarto lugar. Talvez porque na etapa anterior, na Hungria, tivesse chegado em segundo. Sei lá. Até então, tinha um mísero ponto no campeonato. Bruno, o campeão, incrivelmente já não era mais cotado para ascender, já que meses antes havia sido preterido numa espécie de vestibular da Williams — cliente da Petrobras — em favor de um garoto desconhecido de nome Jenson Button.

Parênteses aqui. Turma boa, aquela da F-3000 no ano 2000. Além de Bruno e Minassian, campeão e vice, disputavam o campeonato meninos como Mark Webber, Justin Wilson, Tomas Enge (que eu chamava, no rádio, de checo-jamaicano), Sébastien Bourdais, Jaime Melo Jr., Enrique Bernoldi, Ricardo Maurício, Stephane Sarrazin… Alguns deles engataram carreiras internacionais sólidas, como Wilson, Webber e Bourdais. A dupla da Red Bull Junior era brasileira — Bernoldi e Ricardinho. A marca dava seus primeiros passos no automobilismo, ainda não estava na F-1 — a equipe só faria sua estreia em 2005 –, mas já demonstrava que tinha más intenções para o futuro. Enfim, foi um grande ano para a categoria. Fechados os parênteses.

E, de fato, no ano seguinte era Alonso quem dava suas primeiras aceleradas na F-1. Entrou como piloto pagante — talvez seja melhor dizer “financiado”, já que o dinheiro não saía de seu bolso, nem do de sua família — na Minardi, com forte patrocínio da mesma Telefónica.

Não se pode dizer que tenha feito um campeonato brilhante. Mas quem, na Minardi, seria capaz de? Seu melhor resultado foi um décimo lugar na Alemanha. Como apenas os seis primeiros pontuavam, na época, terminou o ano zerado, assim como os dois companheiros que teve no time de Faenza naquela temporada: Tarso Marques, por 14 corridas, e o inesquecível malaio Alex Yoong, nas últimas três.

Alonso, pelo menos, largava na frente de Marques constantemente. Foram apenas duas derrotas para o brasileiro em grids. Tarso, deve ser dito, sempre foi citado pelo espanhol como figura importante em seu início de carreira. Com ele, costuma dizer o asturiano, aprendeu muito — embora o paranaense tivesse uma experiência restrita a 12 GPs pela mesma Minardi nos já distantes campeonatos de 1996 e 1997. Só que milagre ninguém faz. O que tinha era uma boa perspectiva de futuro por conta do apoio da patrocinadora espanhola, que resolveu ir adiante com ele fechando um contrato de piloto de testes da Renault para 2002. Ele chegou a andar de Jaguar, também. Mas acabou com os franceses.

Em 2003, era titular do time azul, ganharia seu primeiro GP, na Hungria, e em 2005 e 2006 conquistaria o bicampeonato encerrando a sequência de cinco títulos de Schumacher na Ferrari.

O resto é história, como se diz. Alonso virou “El Fodón” nas palavras chulas deste blogueiro, porque sempre achei o cara foda, mesmo. É senso comum afirmar que o espanhol não ganhou tanto quando poderia porque fez escolhas erradas ao longo de sua trajetória. Seus números, embora impressionantes — dois títulos, 32 vitórias, 97 pódios, 22 poles em mais de 300 GPs — não estariam à altura de seu talento.

Tendo a concordar, porque ao fim e ao cabo é o que aconteceu, mas cito apenas uma escolha talvez equivocada, ao menos do ponto de vista técnico e profissional: a saída da McLaren depois de apenas um ano com os prateados, em 2007, pelo simples fato de não suportar a convivência com Hamilton, ou com o que ele representava. Mas hoje é fácil afirmar que a volta à Renault era uma aposta alta demais. Só que, àquela altura, nem era tanto. As duas eras hegemônicas que se sucederam na F-1, da Red Bull e da Mercedes, não eram propriamente um padrão para a categoria e não estavam muito claras no horizonte. Tanto que depois do período de domínio de Schumacher e da Ferrari, quatro equipes diferentes ganharam campeonatos nas temporadas seguintes: a Renault, com ele mesmo, depois Ferrari (com Raikkonen, 2007), McLaren (Hamilton, 2008) e Brawn (Button, 2009).

Foi só em 2010 que a Red Bull passou a enfileirar vitórias e títulos, e mesmo assim Alonso conseguiu três vice-campeonatos defendendo a Ferrari com ardor e paixão. Sair de Maranello para retornar à McLaren foi um erro? Pode ser que sim, mas quais seriam suas opções? Ele já tinha cinco anos de vermelho, e apesar do esforço não conseguiu ser campeão de novo. E ninguém imaginava que a Mercedes iria se impor como se impôs com o início da era híbrida, deixando migalhas para o resto.

Alonso fez apostas. Mas não foi só ele. A McLaren também apostou na Honda e caiu do cavalo. E qualquer outro caminho que ele tomasse a partir de 2015, quando voltou a Woking, daria mais ou menos na mesma coisa se ele não tivesse uma Mercedes nas mãos. E a Mercedes nunca pensou nele. Não precisava.

A verdadeira mudança de rumo na carreira Alonso foi encontrar no ano passado ao decidir disputar as 500 Milhas de Indianápolis. Apaixonou-se pela corrida, mais do que pela categoria. Foi a Le Mans neste ano e se apaixonou de novo. Dois novos amores em dois anos. Era chegada a hora de deixar o velho amor para trás.

Alonso fará falta pelo talento que tem. É sempre bom ver um piloto excepcional guiando o que for. Mas para um cara como ele, a distância cada vez maior das vitórias deve aborrecer. Fernando não ganha um GP há cinco anos. É muita coisa para um sujeito que sabe que executa seu ofício em altíssimo nível.

Tem uma frase famosa do escritor e cineasta francês Jean Cocteau (1889-1963) que diz: sem saber que era impossível, ele foi lá e fez. Na F-1, ela não se aplica. Sabendo que é impossível, Alonso resolveu que não é mais o caso de ir e tentar fazer.


O vídeo de despedida de Alonso é muito bonito na sua simplicidade e singeleza. Até agora, nenhuma palavra foi dita sobre o futuro. É possível que dispute a temporada da Indy em 2019. É possível também que ele tenha algum projeto voltado exclusivamente para Indianápolis, com a participação em algumas provas em ovais para adquirir a experiência necessária para vencer a grande corrida dos EUA. Por enquanto, o que se sabe é que ele segue com a Toyota no WEC. Onde quer que resolva correr, será seguido por milhões de fãs. Alonso tem 37 anos. Mansell foi campeão na F-1 com 39 e na Indy, com 40. Pilotos, hoje em dia, são atletas muito mais preparados do que eram há 25 anos. O espanhol tem muita estrada pela frente, ainda. Mas o que conta, a essa altura da vida, é a motivação. Essa será sua busca, agora.