Blog do Flavio Gomes
F-1

NA CASA DO DÚ (12)

SÃO PAULO (melhor que a encomenda) – Teve empurrão, punição na pista, “cuzão e idiota” pra cá, “pouco profissional” pra lá, e sobrou até uma pena de prestação de serviços comunitários aplicada pela FIA. Max Verstappen e Esteban Ocon foram os grandes personagens deste bom GP do Brasil vencido por… Lewis Hamilton, claro, que mesmo quando […]

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SÃO PAULO (melhor que a encomenda) – Teve empurrão, punição na pista, “cuzão e idiota” pra cá, “pouco profissional” pra lá, e sobrou até uma pena de prestação de serviços comunitários aplicada pela FIA. Max Verstappen e Esteban Ocon foram os grandes personagens deste bom GP do Brasil vencido por… Lewis Hamilton, claro, que mesmo quando não merece acaba ganhando — não tem culpa nenhuma se uma molecada cheia de hormônios à sua frente contribui com vitórias que em algum momento parecem comprometidas por um ou outro motivo, e que acabam caindo no seu colo.

E foi assim.

A corrida de Interlagos já passara da metade e Verstappinho enchia os olhos de todos com uma atuação magnífica desde o início, que merece ser descrita em detalhes. Primeiro, superou Raikkonen na largada para logo depois fazer uma linda ultrapassagem sobre Vettel, na quarta volta, no S do Senna. Assim, mal a corrida tinha começado, ele já assumia o terceiro lugar do ferrarista, que tentava em vão perseguir a dupla da Mercedes à frente — Hamilton e Bottas, embora seja desnecessário dizer qual dos dois estava na frente.

Na décima, Max foi para cima do apático finlandês da Mercedes e, de forma até humilhante, deixou o carro prateado para trás.

(Vale o parênteses: com o carro que tem, Bottas não pode ser tão frouxo. A Red Bull tem motor Renault, longe de ser a oitava maravilha do mundo automotivo — as sete consagradas pelos historiadores e especialistas são, pela ordem, DKW, Trabant, Wartburg, Lada, SAAB, todos os VWs a ar e o Gol GT. O cara tem de lutar, resistir. Não entendo por que a Mercedes mente para si própria dizendo que ele é eficiente, bom camarada, homem de equipe. Tanto moleque bom preparado pela própria equipe a pé, e Bottas lá, plácido e sereno com seus belos olhos azuis, mas mais sem graça que pão de forma com margarina, vivendo de somar uns pontinhos, falando pouco e deixando para trás um legado nulo como competidor.)

Em segundo, atrás apenas de Hamilton, Max não deixava o inglês se distanciar mais do que 1s5 ou 2s, e seguia firme cuidando com carinho de seus pneus supermacios. Da turma da frente, só a Ferrari largou com os macios, mas acabou não funcionando a estratégia. Na volta 19, Lewis parou e colocou os médios em seu carro, numa decisão bastante conservadora da Mercedes. Como não chovia e fazia até calor (sol entre nuvens, 24°C, com quase 40°C no asfalto), a equipe achou por bem usar a borracha mais dura e resistente para ir até o final da corrida.

Hamilton voltou em sexto, a cerca de 18s do novo líder Verstappen. E nada de o holandês parar. Na 27ª, Vettel foi para os boxes e colocou médios, também. E nada de o holandês parar. Na 31ª, quem trocou foi Raikkonen, segundo colocado àquela altura. Voltou em sétimo e numa raríssima ordem de equipe invertida, a Ferrari pediu para que Vettel o deixasse passar para atacar Bottas, já que o alemão ciscava, ciscava e não conseguia muita coisa – oficialmente, tinha um problema num sensor do motor.

Verstappen só parou na volta 35, metade da corrida, e colocou pneus macios para as 36 voltas restantes — mais aderentes e rápidos, portanto, que os cautelosos médios daquele a quem deveria buscar para tentar uma vitória improvável: o pentacampeão antecipado Hamilton.

Não demorou muito. Na volta 39, no meio da Reta dos Boxes, de forma até surpreendente, Max passou o inglês e retomou a liderança. Rapidamente começou a abrir do britânico e a impressão de todos era a de que o garoto da Red Bull só encerraria sua exibição de gala quando visse a bandeira quadriculada.

Só que na volta 44 — coincidência macabra para Verstappen ser esse o número de Hamilton — sua alegria juvenil se transformou em ira. Ocon, retardatário, uma volta atrás, tinha acabado de trocar os pneus e vinha rápido com seus supermacios pela Reta dos Boxes. Na freada para o S do Senna, quem encontrou pela frente? O líder da prova. Velho conhecido, diga-se; com Max o francês travou intenso duelo pelo título da F-3 Europeia de 2014, derrotando o garoto-prodígio da Red Bull, inclusive.

Ocon foi por fora, Verstappen por dentro. O piloto da Force India chegou a colocar um pedaço do carro à frente, e os dois contornaram a primeira perna da curva, para a esquerda, lado a lado. Na segunda, porém, quando o S do Senna deriva para a direita e leva à antiga Curva do Sol, Max tinha ligeira vantagem e fez a tangência normal, como se não houvesse ninguém ali disputando espaço com ele. O toque foi inevitável. Os dois rodaram. Hamilton, que vinha atrás, não acreditou no que viu. Já conformado com um segundo lugar até discreto para quem largara na pole, passou entre os dois e caminhou para a vitória.

Não é vedado a nenhum piloto recuperar volta que perdeu, mesmo que para isso tenha de passar o líder. Até aí, Ocon não fez nada de irregular. Mas a insistência em disputar alguns metros de asfalto com o primeiro colocado naquele ponto da pista e naquele momento da corrida foi totalmente desnecessária. Deu a impressão de ser algo pessoal. Por outro lado, Verstappen não empreendeu a cautela que se exige de um líder de corrida em situações como essa. Há inúmeros casos de líderes que sepultaram vitórias certas em atritos com retardatários na história da F-1. Para ficar apenas com dois, bem conhecidos dos brasileiros: Senna com Nakajima em Interlagos/1990 e ele mesmo com Jean-Louis Schlesser em Monza/1988. Como disse Hamilton na salinha pré-pódio ao perguntar a Verstappen o que tinha acontecido, “você tinha muito mais a perder”.

E perdeu. Perdeu a corrida, ainda que tenha conseguido voltar à pista 5s atrás do inglês e, com pneus mais novos, manter o público de Interlagos em suspense até o final, para receber a bandeirada 1s4 atrás do inglês da Mercedes — que venceu pela 72ª vez na carreira, décima no ano, segunda em São Paulo. Raikkonen cruzou a linha em terceiro e Ricciardo, com uma belíssima atuação vindo de 11º no grid, veio a seguir. Do primeiro ao quarto, apenas 5s de distância. Foi um belo final de prova. Para constar: Bottas, Vettel, Leclerc, Grosjean, Magnussen e Pérez foram os outros que pontuaram. Desses, apenas Bottas e Vettel acabaram parando uma segunda vez nos boxes para trocar pneus novamente.

Max ficou puto, muito puto. Pelo rádio, encerrada a contenda, Christian Horner falou: “Poxa, nem sei o que te dizer…”. O piloto retrucou: “Pois eu sei o que dizer. Espero encontrar ele no paddock agora, porque ele tá fodido comigo”. A tradução é livre, mas fiel. Poucos minutos depois, eles se encontraram na área em que os pilotos passam pela pesagem pós-corrida. Max foi para cima de Ocon e lhe deu vários empurrões. Uma câmera flagrou o destempero do rapaz. Esteban, que pelo incidente levou da direção de prova um stop & go de dez segundos, não reagiu.

No pódio, Verstappen não escondeu sua contrariedade. Não deu um sorriso sequer e nem quis saber de farra com champanhe. Pelo menos se livrou do constrangimento de sambar com as seis passistas da Acadêmicos do Tatuapé, numa exibição anacrônica e fora de moda — dos tempos em que o Brasil era mostrado ao mundo desse jeito meio caricato, com mulatas requebrando as ancas em todos os cantos, aeroportos, hotéis, restaurantes; se bem que é melhor isso, bem melhor, do que valentões branquelos fazendo arminhas com os dedinhos da mão.

Ocon e Verstappen foram chamados à torre para dar explicações sobre a treta na área de pesagem do autódromo. O holandês acabou sendo “condenado” pela FIA a prestar dois dias de serviços comunitários nos próximos seis meses, porque deu mau exemplo como esportista. No paddock, os dois trocaram um aperto de mão protocolar. Fim de treta.

O resultado deu à Mercedes seu quinto título mundial seguido de construtores, muito comemorado pela equipe assim que Hamilton saiu de seu carro. O time domina a F-1 desde 2014, quando começou a era dos motores V6 turbo híbridos. Desde então, foram disputados 99 GPs. Hamilton venceu 50. Não tem muito o que dizer.