Blog do Flavio Gomes
DKW & cia.

DOCTOR HELIUS

RIO – Será cremado amanhã no Rio o corpo do meu grande amigo Hélio Marques, que morreu segunda-feira de complicações renais. O Hélio era um dos mais queridos fumacentos do Brasil. Por fumacentos entendam amantes de DKW. Médico em Niterói, “Doctor Helius”, como eu o chamava, também fabricava próteses penianas. “Fabrico mas não instalo!”, gargalhava, […]

heliof102

RIO – Será cremado amanhã no Rio o corpo do meu grande amigo Hélio Marques, que morreu segunda-feira de complicações renais.

O Hélio era um dos mais queridos fumacentos do Brasil. Por fumacentos entendam amantes de DKW.

Médico em Niterói, “Doctor Helius”, como eu o chamava, também fabricava próteses penianas. “Fabrico mas não instalo!”, gargalhava, para depois aprofundar a especialidade: “Sou um médico do caralho!”.

Ah, Hélio…

Tinha uma coleção inacreditável de DKWs com um F102, uma Schnellaster, vários sedãs e peruas nacionais, um Candango que foi personagem de filme (o carro aparece o tempo todo em “Marcelo Zona Sul”, com Stepan Nercessian, de 1970; a íntegra do filme pode ser vista aqui), um Belcar que transformou em conversível e dois deles, um 67 de quatro faróis e um Fissore, estão hoje no museu da Audi em Ingolstadt.

Ele não se apegava aos carros. Queria que fossem vistos e rodassem por aí. Se algum amigo se apaixonava por algum da coleção, vendia a preços camaradas. Às vezes nem cobrava. Quando convenci a Audi a comprar o Belcar 67 e o Fissore para se juntarem ao Malzoni no trio brasileiro do acervo da montadora, se prontificou a vender os seus pelo simples prazer de vê-los eternizados na Alemanha.

Era um doido, um maluco beleza que um belo dia foi de carro até o Peru para resgatar e trazer para o Brasil um 1000SP raríssimo por estas bandas. E trouxe, numa carreta puxada por uma caminhonete e enfrentando os maiores perrengues da história das aventuras automobilísticas da América Latina.

Eu não o via havia algum tempo. Coisa de uns oito ou dez anos atrás, dividimos epopeias inacreditáveis no Uruguai. Parecia uma criança quando via um carro diferente, ou quando um amigo fazia alguma maluquice parecida com as suas.

Em 2003, esteve no primeiro Blue Cloud, o encontro de DKWs que criei junto com Paulo Renato Arantes em Caxambu. Filmou e narrou, em dois vídeos (o segundo está aqui), a reunião que seria a origem dessa incrível “cena DKW” que temos hoje no Brasil — o último Blue Cloud, em Poços de Caldas, reuniu mais de 120 modelos da Vemag e da Auto Union argentina. Nas primeiras edições, montava uma extensa programação cultural e técnica com palestras e workshops para ajudar o povo nas restaurações, resgatar velhas histórias e orientar os donos de DKW que queriam aprender sobre a mecânica do carrinho.

O encontro tem sido realizado anualmente desde aquele de 2003 sem interrupções e já trouxe de volta à vida centenas de carros que estavam esquecidos em algum canto. Esquecido, Hélio também não será. Vai-se em meio a uma nuvem azul cheirando dois tempos, a mesma que um dia levará todo mundo. Mas nossos carros ficarão, Doctor, como a gente sempre sonhou.