Blog do Flavio Gomes
F-1

SOBRE ONTEM DE MANHÃ

RIO (tá bom) – A nova dobradinha da Mercedes no Mundial, sexta em oito corridas, deveria acionar algum tipo de sinal de alerta na Fórmula 1. Não é possível continuar como está. O problema não reside unicamente na supremacia da equipe alemã. Não é a primeira vez que isso acontece. Na F-1 recente já testemunhamos […]

frad196
Jornal holandês: não precisa nem do tradutor do Google

RIO (tá bom) – A nova dobradinha da Mercedes no Mundial, sexta em oito corridas, deveria acionar algum tipo de sinal de alerta na Fórmula 1. Não é possível continuar como está.

O problema não reside unicamente na supremacia da equipe alemã. Não é a primeira vez que isso acontece. Na F-1 recente já testemunhamos uma McLaren dominante (fim dos anos 80), uma Williams imbatível (meados dos anos 90), uma Ferrari hegemônica (começo dos anos 2000) e uma Red Bull soberana (início da segunda década deste século).

O que sucede agora é que essa superioridade não pode ser interrompida por ninguém, ao contrário do que acontecia no passado senão com frequência, às vezes, pelo menos.

Antes, um bom engenheiro podia ter uma grande sacada aerodinâmica no meio de um campeonato e mudar o rumo da temporada, ou ao menos de algumas corridas. Já alegrava a galera.

Às vezes, uma fábrica era capaz de modificar seu motor rapidamente para ganhar alguns cavalos inesperados e virar um jogo que parecia perdido. Até mesmo a divertida guerra de fornecedores de pneus presenteava os fãs com possibilidades distintas de competição — tinha borracha que funcionava bem em Mônaco, mas era um desastre em Monza; ainda que na marra, isso fazia com que houvesse uma alternância de vencedores e disputas menos previsíveis.

Hoje, não.

Um intrincado e engessado regulamento limita as possibilidades de uma reviravolta de quem quer que seja. No meio de um campeonato, nem pensar. De um ano para o outro, dificilmente. Quase impossível.

A F-1 não oferece alternativas de crescimento para ninguém, neste modelo adotado com o início da era híbrida, em 2014. Suas regras escritas para durar anos praticamente congelaram as relações de forças. No ano que vem, completam-se sete temporadas nessa configuração, com uma coisinha ou outra modificada aqui e ali — uma asinha maior, outra menor, um defletorzinho aqui, uma aleta ali. Mas nada de mexer no essencial: os complicadíssimos e caríssimos motores híbridos.

[bannergoogle]Desde a adoção das tais unidades de potência, foram 108 GPs disputados na categoria. A Mercedes ganhou 82 deles (76%). Ferrari e Red Bull dividiram as migalhas que sobraram: 14 triunfos dos italianos (13%) e 12 dos rubro-taurinos (11%). Não é preciso dizer que os últimos cinco títulos mundiais de pilotos e construtores ficaram com os prateados, sendo quatro de Hamilton e um do Rosberg. Lewis será campeão neste ano de novo.

Quem aguenta tanta mesmice?

Não se trata, aqui, de punir a competência e dar uma canetada na Mercedes para acabar com sua força. Ela está de parabéns e o que fez, está feito. Palmas para ela que ela merece. Mas acho que nem a própria está gostando muito da situação da qual usufrui. O campeonato que a Mercedes disputa e ganha, hoje, desperta mais indiferença do que paixão. Mais raiva do que admiração. Seus carros, às vezes, nem aparecem nas transmissões da TV. Na inglória batalha para segurar a audiência de um espetáculo ruim, a turma que seleciona as imagens que chegam aos lares do distinto público vive à cata de disputas infames pelo 12º ou 16º lugar, atrás de trapalhadas nos boxes em pit stops, ou em busca de marmotas perdidas na pista e de garotinhos simpáticos de bochechas rosadas nas arquibancadas.

Bottas e Hamilton no pódio: mais uma dobradinha mercêdica

O próprio Hamilton admitiu que as corridas estão chatas e disse que a culpa não é dos pilotos, mas dos dirigentes que tomam decisões, “muitas vezes ruins”. Tem toda razão. É o menor dos culpados, o inglês. Caminha para se tornar o maior de todos os tempos tendo desfrutado como ninguém de um período longo de dominação de uma só equipe. Se é dele tal primazia, quem há de lhe tirar os méritos? Outros pilotos dividiram o mesmo teto com Hamilton e não foram capazes de fazer o mesmo. OK, foram só dois — Rosberg e Bottas. Mas ele engoliu ambos. Quando Nico conseguiu a façanha de batê-lo, pegou o boné e foi para casa.

A Fórmula 1 tem de entender que é preciso estancar essa sangria logo, em nome da própria sobrevivência. Hoje as pessoas têm muitas opções de entretenimento em suas telas, grandes ou pequenas, cada vez mais abertas para o mundo. A corrida está ruim, um toque no controle remoto ou uma arrastada no visor do celular mudam o programa na hora. Ficar parado olhando um desfile de belos carros de corrida por quase duas horas sem que um chegue perto do outro, ou sem que algo de importante/épico/inesquecível aconteça, é coisa de masoquista.

Feito o longo editorial, vamos ao rescaldinho da corridinha no circuitinho francesinho.

A FRASE DE PAUL RICARD

Disputa no fim: Ricciardo punido

“Prefiro tentar alguma coisa do que não fazer nada. Tenho certeza que o público francês gostou.”

Daniel Ricciardo, da Renault, que terminou a prova em sétimo mas levou duas punições de 5s na última volta e caiu para 11º. Uma por voltar à pista perigosamente numa disputa com Lando Norris e outra por ultrapassar Kimi Raikkonen por fora dos limites da pista.

Ao lado, a leitura do GP pela pena do nosso cartunista oficial Marcelo Masili: uma comissão de pilotos se explicando ao desenhista, que já não aguenta mais fazer charges monotemáticas.

E ele tem motivos de sobra para estar de saco cheio. Cansa. Vejam só. Além dos preocupantes dados que mencionei lá em cima, sobre a predominância da Mercedes desde 2014, há alguns outros números só desta temporada que mostram bem o brejo em que a F-1 se meteu. A saber:

– A Mercedes tem 338 pontos conquistados Mundial de Construtores. Os sete times classificados de quarto a décimo, juntos, somam 143. Menos que a metade.

– Hamilton lidera o Mundial de Pilotos com 187 pontos. O total de pontos marcados por 12 pilotos entre o sexto colocado, Gasly, e o 17º, Grosjean, é de 180.

– A Mercedes chegou a dez vitórias seguidas com o resultado de Paul Ricard — oito neste ano mais as duas últimas de 2018. Com mais uma, iguala o recorde de 11 consecutivas obtidas pela McLaren em 1988.

Números, números… Até chegarmos ao…

NÚMERO DA FRANÇA

…GPs nos pontos completou Hamilton em Paul Ricard. Como foram 237 corridas disputadas, a taxa de pontuação do inglês chega a 84,4%. Não dá para reclamar muito de um piloto assim. Com a vitória na França, ele chegou a 79 na carreira.

Foi bem  difícil, depois de uma corrida tão ruim, encontrar uma ou outra coisinha positiva para entrar no famosíssimo “Gostamos & Não gostamos”, que tanto sucesso faz neste blog há anos.

Fiz um esforço hercúleo e, confesso, vou perpetrar uma picaretagem apenas para registrar um dado curioso. Mas é picaretagem mesmo.

GOSTAMOS – Do décimo lugar de Pierre Gasly (mentira). Afinal, ele se tornou, com as punições a Ricciardo, o primeiro francês a pontuar em casa desde 2003, quando Olivier Panis terminou a corrida de Magny-Cours na oitava colocação (e daí?).

NÃO GOSTAMOS – Da Haas, que segundo seu chefe Günther Steiner teve “o pior fim de semana de sua história”, em Paul Ricard. “Foi uma merda”, resumiu.

Na verdade, até que gostamos da sinceridade do chefe da equipe americana — que, apesar do nome germânico, é italiano. Mas, como disse, hoje fui obrigado a algumas ginásticas verbais para cumprir as metas do dia. Espero não ter melindrado ninguém. E que ninguém tenha se achado tonto por isso. Se foi o caso, peço escusas.