Blog do Flavio Gomes
F-1

MONZEANAS (4): ÊXTASE EM CASA

RIO (nada a reclamar) – Foram nove anos de espera para a torcida da Ferrari voltar a comemorar uma vitória em casa. E coube a Charles Leclerc, o novo “enfant terrible” da F-1, a honra de levar o público ao êxtase no pódio mais espetacular da categoria, em Monza. Desde 2010, com Fernando Alonso, que […]

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Charlinho e a multidão: vitória merecida para delírio dos italianos nove anos depois

RIO (nada a reclamar) – Foram nove anos de espera para a torcida da Ferrari voltar a comemorar uma vitória em casa. E coube a Charles Leclerc, o novo “enfant terrible” da F-1, a honra de levar o público ao êxtase no pódio mais espetacular da categoria, em Monza. Desde 2010, com Fernando Alonso, que os “tifosi” não festejavam um triunfo em seu maior templo.

E foi com todos os méritos, em mais um ótimo GP desta temporada — que teve todos os ingredientes para se tornar um épico, a saber: a vitória aconteceu no 90º aniversário da Ferrari, com pressão da Mercedes o tempo todo e com o anti-herói Sebastian Vettel, mais uma vez, cometendo erros grotescos que ameaçam atirá-lo no ostracismo.

(Pobre Vettel. Depois da corrida, falou que ainda ama o que faz, mas que não pode se sentir feliz quando tudo dá errado. Primeiro, viu Leclerc fazer a pole e ganhar — não dá para imaginar algo mais doloroso para um veterano tetracampeão do que ver um companheiro de equipe que mal saiu das fraldas assumir o posto de primeiro piloto do time. Com o resultado, foi ultrapassado pelo garoto na classificação, 182 x 169. Vive um jejum de 22 corridas sem vitória, desde Spa/2018. Recebeu uma punição por voltar à pista de modo perigoso à frente de Stroll depois de rodar sozinho na Ascari na sexta volta. Levou três pontos na carteira e se tomar mais três terá de cumprir suspensão de um GP. Terminou a prova em 13º, uma volta atrás dos líderes. Está um caco.)

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O grande mérito de Leclerc na corrida de hoje foi aguentar o ímpeto da Mercedes, especialmente de Hamilton, sem cometer erros graves. Fez das suas, sim. Cortou a primeira chicane na volta 36, ao perder o ponto de freada. Mas voltou na frente do inglês. Pouco antes, na 23ª volta, teve de se defender com algum vigor da tentativa de Lewis, na segunda chicane. Ao dividir a curva, mexeu o carro na hora de frear, o que deixou o piloto da Mercedes razoavelmente irritado — e levou a direção de prova a mostrar ao monegasco a bandeira preta e branca de advertência, uma espécie de cartão amarelo do automobilismo.

Mas os outros também erraram. Por ter parado para trocar pneus antes que o ferrarista, na volta 20, Hamilton foi vendo sua borracha se desgastar rapidamente porque a Mercedes optou pelos compostos médios. Leclerc escolheu os duros na passagem seguinte, e sabia que esses pneus se comportariam melhor no final da corrida, o que de fato aconteceu.

Lewis andou o tempo todo colado em Charlinho, com distâncias que raramente passavam de 1s. Abriu a asa várias vezes para tentar a ultrapassagem, mas a velocidade de reta da Ferrari tornava a tarefa quase impossível. Numa dessas, já com a borracha em petição de miséria, o britânico errou o ponto de frenagem no fim da reta dos boxes, na volta 42, e foi reto na chicane. Além de perder o contato com Leclerc, ainda foi ultrapassado por Bottas, que assumiu o segundo lugar.

Com pneus sete voltas mais novos que o jovem de bochechas rosadas, Valtteri recebeu o incentivo pelo rádio: vai lá que essa corrida é sua. Ele também tinha médios, mais velozes que os duros do adversário. O finlandês começou a descontar a diferença, é verdade, mas num ritmo de cágado. A corrida estava no fim. Quando chegou de vez, na volta 51, errou também, para desespero da chefia nos boxes. A tarde era, mesmo, de Leclerc.

Bottas erra na chicane e Toto Wolff faz careta: achar que o finlandês conseguiria passar Leclerc era querer demais

Àquela altura, Hamilton já tinha desistido de qualquer ato heroico. Ainda parou nos boxes mais uma vez para colocar pneus macios e garantir o pontinho extra da melhor volta, o que conseguiu sem problemas. Leclerc recebeu a quadriculada menos de 1s à frente de Bottas — em nome da precisão, 0s835 –, mas já sem ser ameaçado pelo discreto mercêdico das geladas terras nórdicas.

Foi uma vitória emocionante — sempre é, quando a Ferrari ganha em Monza. “Era um sonho de criança”, repetiu à exaustão o monegasco, que na entrevista ainda na pista a Martin Brundle pediu para falar em italiano — sabe jogar para a torcida, e faz muito bem. Foi sua segunda vitória seguida, mas a primeira que pôde comemorar de verdade. Na Bélgica, domingo passado, ganhou sob a sombra da morte, na véspera, de seu amigo Anthoine Hubert, na F-2. “Em termos de emoção, nada se compara a Monza. Estou sem palavras”, disse.

Depois de Leclerc, Bottas e Hamilton vieram Ricciardo e Hülkenberg, no melhor resultado da Renault desde sua volta à F-1 com equipe própria, em 2016. O quarto e o quinto lugares deram ao time francês 22 pontos, superando os 18 anotados no GP dos EUA do ano passado — sexto e sétimo com Hulk e Sainz Jr. Com isso, os amarelos reduziram a diferença para a McLaren na luta pelo quarto lugar entre os construtores, 83 x 65.

Albon, Pérez, Verstappen, Giovinazzi e Norris fecharam a zona de pontos. Max, que largou em 19º, teve um domingo apagado, apesar de ter somado alguns pontinhos. Perdeu o bico na largada, teve de parar logo de cara e acabou se safando por conta de alguns abandonos. Milagre não se faz todo dia. Seu novo companheiro Albon foi um pouco melhor, levando a Red Bull ao sexto posto.

Leclerc comemora ainda no carro: festa em Monza no aniversário da Ferrari — um “presente” do monegasco, segundo os dirigentes

Ao chegar ao Parque Fechado, Leclerc foi cumprimentado por Hamilton e fez sua festa diante dos enlouquecidos torcedores da Ferrari. Mas chamaram a atenção algumas declarações de Lewis à repórter Mariana Becker, da Globo, quando questionado sobre o duelo com o jovem criado nas comunidades carentes de Monte Carlo. Mariana fez a pergunta certeira: o que achou da disputa com ele, aprendeu alguma coisa? Lewis sorriu e disse que foi importante conhecer de perto a “personalidade” de Leclerc — que é duro na queda, no limite da malandragem (isso sou eu que estou dizendo), ao defender sua posição. “Foi bom para entender como ele se comporta.”

Conhecimento adquirido, em resumo. Para Lewis, os meninos da nova geração se posicionam de uma maneira, digamos, diferente dos velhinhos quando dividem uma curva. “Agora já sei como é”, concluiu o inglês. Para bom entendedor, frases curtas bastam. Em que pese o carinho que tem pela molecada, e ele demonstra isso o tempo todo, Hamilton compreendeu que não se pode dar moleza a novatos como Leclerc e Verstappen. A troca da guarda está próxima, mas ele já tem noção do que fazer para adiar a passagem do bastão.

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