Blog do Flavio Gomes
F-1

PURE THINGS (1): A HORA É DELE

  RIO (engole o choro) – A temporada da F-1 vive um momento muito interessante. Hamilton já é campeão. A folga nos pontos que conseguiu permite que ele conquiste o hexa sem precisar vencer mais nenhuma corrida. Por conta disso, as atenções se voltam a dois jovens capazes de dar espetáculo em todo tipo de […]

 

RIO (engole o choro) – A temporada da F-1 vive um momento muito interessante. Hamilton já é campeão. A folga nos pontos que conseguiu permite que ele conquiste o hexa sem precisar vencer mais nenhuma corrida. Por conta disso, as atenções se voltam a dois jovens capazes de dar espetáculo em todo tipo de pista. Um deles é, por assim dizer, um veterano: Max Verstappen. O outro é Charles Leclerc.

Vencedor das duas últimas provas, em Spa e Monza, o monegasco fez agora há pouco sua terceira pole seguida, quinta no ano. Desta vez, no dificílimo, feérico e exagerado circuito citadino de Singapura, com suas 23 curvas espalhadas por pouco mais de 5 km. Acompanhar sua trajetória neste ano se torna ainda mais fascinante por conta de um ingrediente que carrega algum drama nos tons de vermelho que apresenta. Ele se chama Sebastian Vettel.

Quando terminou a classificação em Marina Bay, Vettel não levou seu carro para o meio da pista, onde normalmente estacionam os três primeiros para dar a primeira breve entrevista depois da definição do grid. Como abortou sua segunda tentativa de volta, estava já no Parque Fechado quando Leclerc fez o tempo que lhe deu a primeira posição.

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O ritual é sempre esse: pole, segundo e terceiro param o carro e falam rapidamente ao entrevistador escalado pela organização — no caso, hoje, Paul di Resta. Depois, passam pela pesagem obrigatória e posam para foto diante de um display de campanha pela segurança nas estradas promovida pela FIA. Na sequência, o pole ganha uma miniatura de pneu de algum funcionário da Pirelli e tira outra foto — uma espécie de troféu; mas cabe lembrar que os tempos já foram mais divertidos: nos anos 80, Senna montou uma coleção de motonetas Vespa que a Piaggio entregava a quem largava na frente nos GPs. Por fim, seguem os três para as entrevistas coletivas na sala de imprensa.

Em geral, os pilotos cumprem esse procedimento todo vestidos como estavam quando terminou a classificação. De macacão.

Hoje, no entanto, Vettel atrasou toda a cerimônia. Além de não parar o carro na pista, embora tenha dado a ligeira entrevista a Di Resta, não foi direto para a foto ao lado de Leclerc e Hamilton, o segundo colocado no grid. Dirigiu-se aos escritórios da Ferrari para trocar de roupa enquanto os dois colegas esperavam para cumprir o protocolo. Tirou o macacão, colocou uma camiseta polo da equipe e uma bermuda cinza. Apressado, atravessou o pitlane acompanhado de um funcionário da FIA e quando chegou onde estavam os outros dois pilotos ainda tomou um pito bem-humorado de Lewis. “Por que não se trocou depois?”, perguntou o inglês. O alemão riu.

Leclerc estava sentado no chão, meio aborrecido. Sebastian, ao se juntar aos dois, o cumprimentou friamente. Mal olhou nos seus olhos e foi conversar com Hamilton. Na hora da foto, Leclerc, no meio, abraçou seus colegas. Houve reciprocidade por parte do piloto da Mercedes. Vettel, no entanto, colocou suas mãos para trás e evitou qualquer contato mais afetuoso com o companheiro. E abriu um sorriso que me pareceu sarcástico.

Essas coisas todas, uma descrição tão detalhada quanto aparentemente irrelevante, podem parecer bobagem.

Não são.

Com a enorme carga de pretensão que me caracteriza, posso afirmar que conheço bem a F-1 e a personalidade desses moços. É nos pequenos gestos, quase todos premeditados e bem calculados, que eles passam suas mensagens. Alguns, com mais sutileza. Outros, com um pouco menos. Vettel é desses, um pouco mais sutil. Já foi menos — com Webber, nos tempos de Red Bull, era um jovem petulante que não escondia um quase desprezo pelo companheiro mais velho.

Hoje, convive com os papéis invertidos na Ferrari. Só que Charlinho não faz o tipo rebelde sem causa. Ao contrário, encarna o bom moço que toda mãe gostaria de ter como genro. Ostenta um ar angelical e um olhar meio tristonho. Tem tudo que é preciso para se tornar o queridinho da F-1. E aquilo que é mais difícil de encontrar: um talento transbordante.

Não adiantaria nada ser bonzinho, meigo, afável e doce se não soubesse guiar. Seria apenas mais um cara legal. Mas Leclerc é muito bom. E, por isso, faz mal a Vettel.

A gente poderia aqui elaborar mil teorias para explicar o evidente incômodo que acomete o tetracampeão mundial — a consciência de que está mais para o fim que para o começo da carreira, o reconhecimento de que não tem como enfrentar jovens impetuosos e agressivos, a dúvida sobre a real capacidade de ser campeão, a perda de motivação natural com a idade, mil coisas. Mas fiquemos com os fatos, apenas.

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Hoje, por exemplo, Vettel havia feito uma ótima volta no Q3 deixando o monegasco 0s354 atrás na primeira saída. Hamilton, então, estava 1s010 atrás. “Onde eu ia achar um segundo?”, comentou Hamilton ao fim da classificação, surpreso com o desempenho da Ferrari. Parecia que, finalmente, quebraria o jejum de poles que vinha desde o Canadá. E, principalmente, voltaria a largar à frente de Leclerc, algo que não acontecia desde a prova de Montreal — já eram sete GPs levando tempo do parceiro em grid.

Tirar 0s354 de uma volta para outra é difícil, Sebastian sabia, e por isso respirou aliviado ao ver o companheiro tão atrás. Leclerc não vinha sendo dominante em Singapura, cujos treinos vinham apresentando uma boa alternância na ponta. Verstappen foi o mais rápido no primeiro treino livre, na sexta, e Hamilton fechou o dia na frente, depois do segundo treino livre. Hoje, na primeira atividade do dia, deu Leclerc. Na classificação, porém, Bottas foi o mais rápido no Q1. Leclerc voltou a ficar em primeiro no Q2, mas Vettel fechou um tempo apenas 0s070 pior. Estava no jogo, definitivamente.

Virou 1min36s437 na primeira tentativa no Q3 e deu mesmo a impressão de que faria sua quinta pole em Marina Bay — de novo em ano ímpar, ele que largou na frente em 2011, 2013, 2015 e 2017. Só que veio a segunda saída e o caldo entornou. Abriu a volta mal, perdendo mais de 0s1 na primeira parcial. A segunda também foi pior e ele abortou a tentativa. Na pista, todo mundo ainda buscava melhorar. E Charlinho, numa volta exuberante, conseguiu ser 0s220 mais rápido que o alemão para fazer a pole. Para piorar a noite de Vettel, Hamilton achou o tal segundo que não encontrara na primeira volta e cravou o segundo lugar no grid, deixando o ferrarista em terceiro.

Leclerc comemorou aos berros e ainda pelo rádio disse que quase perdeu o controle do carro três vezes na sua volta rápida, valorizando sua própria habilidade em rede mundial via satélite — ele também é sutil com as palavras, não tem nada de bobo, e sabe que esse tipo de comemoração irrita não tão sutilmente um companheiro de equipe que anda mal das ideias.

Vettel assumiu que fez uma volta ruim na segunda tentativa. “Espero fazer um trabalho melhor amanhã”, resmungou. Hamilton não estava nem aí. Espantou-se com o desempenho da Ferrari. “De onde eles tiraram esse ritmo eu não sei”, falou. “Essa não era para ser uma pista boa para eles.” E prometeu: “Mas estamos bem, e acho que amanhã poderemos ser um pouco mais agressivos”. Foi um recado direto a Leclerc, com quem trocou tinta em Monza. Que ninguém espere um Hamilton plácido e recatado quando tiver de dividir freada com o garoto das bochechas rosadas.

Do resto da classificação não tem muito a dizer, depois deste tratado psicológico sobre companheiros de equipe, pilotos em fim de carreira, juventude furiosa e guerra emocional. Foi tudo mais ou menos normal, com o Q1 riscando Kvyat, Stroll, Grosjean, Russell e Kubica; o Q2 degolando Pérez, Giovinazzi, Gasly, Raikkonen e Magnussen; e o Q3 colocando, atrás de Leclerc, Hamilton e Vettel, pela ordem: Verstappen, Bottas, Albon, Sainz Jr., Ricciardo, Hülkenberg e Norris. A briga Renault x McLaren vai ser muito legal amanhã. A Red Bull decepcionou um pouco. Bottas também foi muito mal, ficando a 0s929 da pole.

Vimos de seis ótimos GPs, e tudo indica que amanhã será igual, ainda que nada do que possa acontecer nas ruas iluminadas de Singapura vá alterar significativamente o destino deste campeonato. O melhor mesmo será observar o duelo Leclerc x Vettel. Mesmo que eles nem se encontrem na pista, porque a partir da pole Charles tem uma ótima chance de sumir na frente, essa guerra particular entre o novo e o velho, o futuro e o passado, a experiência e a juventude, me parece ser o que de melhor a F-1 no reserva daqui até o fim do ano.

Vocês torcem para quem?

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