Blog do Flavio Gomes
F-1

PURE THINGS (2): PANELA VELHA

RIO (uiuiui) – Escrevi ontem que o embate Leclerc x Vettel (novo x velho, futuro x passado, juventude x experiência) seria o melhor deste restinho de campeonato, que já está decidido a favor de Hamilton. E será mesmo. Como o GP de Singapura demonstrou hoje, com a surpreendente — e muito bonita — vitória de […]

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Vettel: vitória bonita depois de 392 dias de jejum

RIO (uiuiui) – Escrevi ontem que o embate Leclerc x Vettel (novo x velho, futuro x passado, juventude x experiência) seria o melhor deste restinho de campeonato, que já está decidido a favor de Hamilton.

E será mesmo. Como o GP de Singapura demonstrou hoje, com a surpreendente — e muito bonita — vitória de Sebastian, voltando a ganhar uma corrida depois de 392 dias. A última tinha sido na Bélgica no ano passado. Foi a 53ª de sua carreira e quinta em Marina Bay.

O alemão conseguiu o resultado graças a uma pilotagem muito agressiva e à parada nos boxes uma volta antes de seu jovem companheiro. E foi essa parada que despertou a ira do monegasco, que tem se demonstrado um mau perdedor. Charlinho, em que pese a aparência de bom moço e menino de família, está construindo um perfil antipático junto aos seus pares. Me parece um pouco cedo para dar piti como deu em Singapura. É preciso saber perder.

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Explicando. Leclerc era o pole, largou muito bem e controlava a corrida com competência até a janela de pit stops. Mantinha-se à frente de Hamilton, o segundo colocado, oscilando a vantagem entre 0s8 e 1s5. Lewis não tentava nada muito heroico. Iria tentar ganhar a posição na parada. O jogo de gato e rato de Mercedes e Ferrari — quem parasse antes possivelmente teria alguma vantagem — ignorava Vettel, que vinha em terceiro.

Na volta 19, no entanto, a equipe italiana chamou o alemão de surpresa, para protegê-lo de Verstappen — já que a Red Bull tirou seus pneus da garagem para receber o holandês. “Foi na curva 21, no fim da volta, e eu fui”, contou Tião Italiano. A cartada foi decisiva. A ideia era, além de defendê-lo de Max, fazer o que se chama de “undercut” em Hamilton, e ganhar a segunda posição parando antes que o inglês. Assim, uma dobradinha vermelha passaria a ser bastante provável se Lewis demorasse muito para trocar seus pneus.

Na volta de saída dos boxes, Sebastian colou o pé no porão e acelerou feito um desesperado para começar a descontar a vantagem que Hamilton tinha construído. Esse era o objetivo. Leclerc parou na volta seguinte, dentro do previsto. E quando retornou à pista, qual não foi sua surpresa ao ver Vettel rasgando a reta dos boxes para ganhar também a sua posição? Detalhe não pouco importante: Vettel foi 1s mais rápido que Charlinho na “out lap”. Foi aí que ganhou a corrida.

Hamilton: decisão errada da Mercedes o afastou do pódio

Naquele momento, ao ficar na pista por uma decisão equivocada da Mercedes, Hamilton perdeu a chance de tentar a vitória e até de brigar pelo pódio. Ele só viria para os boxes na volta 26, quando já era tarde demais. Perdera duas posições, para Vettel e Verstappen, e ali ficaria até o fim da prova, num discretíssimo quarto lugar.

Quando todo mundo parou — alguns demoraram bastante, a ponto de Giovinazzi liderar a corrida por quatro voltas, algo que não acontecia com um carro da Alfa Romeo desde o GP da Bélgica de 1983 com Andrea de Cesaris –, Vettel já estava na liderança, que assumira na volta 31 com bastante sacrifício. Tendo Leclerc na cola, teve de se livrar do tráfego formado justamente pelos pilotos que adiaram seus pit stops quase “ad eternum”. E nessas manobras, driblando um aqui, tocando rodas com outro ali e arriscando o pescoço acolá, foi passando gente até abrir mais de 6s sobre seu parceiro.

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Sebastian estava, como se diz, com sangue nos olhos. Com a vantagem que tinha, podia sonhar com o fim do mais que incômodo jejum de vitórias. Mas, considerando os infortúnios pelos quais passou no último ano, era melhor não comemorar nada antes da hora. Leclerc começou a descontar a diferença, mas timidamente. Até que, na volta 36, os 6s erigidos à custa de muito suor e sangue viraram fumaça. Grosjean forçou uma ultrapassagem sobre Russell e o inglês enfiou a Williams no muro, causando o primeiro safety-car da corrida. Foi, só para registrar, o primeiro abandono da Williams no ano. O carro é horrível, mas pelo menos não quebra.

Vettel deve ter ficado bem puto dentro do macacão. Um esforço desgraçado para abrir de Charlinho e vem um Grojã da vida estragar tudo. E foi nesse período de safety-car que o garoto criado nas comunidades carentes de Monte Carlo começou a dar piti. Inconformado por ter perdido a posição para Vettel, passou a questionar a equipe pelo rádio. “Não entendi o que aconteceu. A gente fala depois da corrida, mas quero deixar claro o que estou sentindo”, reclamou. Foram quatro voltas choramingando, até a relargada, na 40ª.

Sebastian não quis nem saber. Experiente e malandro, controlou o ritmo do pelotão para evitar qualquer ataque e saiu em disparada quando as bandeiras verdes foram mostradas. Leclerc veio na cola. Mas nem deu tempo de saber se iria tentar algo. Pérez quebrou, largou o carro num lugar perigoso e o safety-car entrou de novo, na volta 44. Ótima oportunidade para Charles retomar a conversa que havia sido abruptamente interrompida pela relargada. “Então, como eu dizia…”, começou, mas a equipe resolveu cortar suas asinhas. “Charles, traga o carro para casa”, falou seu engenheiro. Fosse eu, com minha classe habitual, diria: “Moleque, não enche o saco. O cara te passou, engole o choro e não faz nenhuma merda”. Só que ele continuou a falar. “Não vou fazer nada estúpido, esse não é meu objetivo, mas não é justo”, continuou.

Charles atrás, reclamando pelo rádio: “Quero deixar claro o que estou sentindo”

Minha namorada, do alto de sua sabedoria talhada no sertão do Ceará e de sua predileção por Vettel, a quem considera “um nenenzinho iti malia”, que não não sei direito o que é, decretou do travesseiro ao lado, com muita propriedade: “Esse moço vive se vitimizando, é um vagabundo!”.

Concordei inteiramente com a primeira parte. O vagabundo ficou por conta dela e não sou de ficar xingando ninguém, sou muito polido. “Um chorão”, atenuei. Chorão não é tão forte quanto vagabundo.

Foram mais quatro voltas sob regime de safety-car e na nova relargada ficou claro que “trazer o carro para casa” era a ordem para não tentar nenhuma bobagem. Bufando, Leclerc ficou na dele, até porque Verstappen, em terceiro, acomodou-se com o pódio iminente e não atacou o ferrarista. Hamilton também, em quarto, achou melhor ficar onde estava. Houve mais um safety-car, na volta 50, para tirar o carro de Raikkonen da pista, acertado por Kvyat. Nas últimas dez voltas, Vettel apenas se preocupou em não cometer erros, para finalmente receber a quadriculada em primeiro. Fazia tempo. A seca durou 22 GPs. Terminou, enfim.

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Atento aos detalhes, notei o mal-estar de Leclerc no pódio. Não sorriu, não jogou champanhe em Vettel, não fez festa e deixou o companheiro comemorando sozinho. E olha que a Ferrari não fazia uma dobradinha desde o GP da Hungria de 2017, além de não vencer três seguidas desde 2008. A sequência, 11 anos atrás, foi de quatro vitórias — Malásia, Bahrein, Espanha e Turquia, duas de Raikkonen e duas de Massa.

No pódio: sorriso de Vettel e contrariedade de Leclerc

Nas entrevistas, o monegasco não escondeu sua contrariedade. Se disse “feliz” pelo 1-2, mas “desapontado” por não ter sido ele o vencedor. “Fiz o que combinamos antes da largada. Não acelerei antes da parada para não desgastar os pneus, esse era o combinado. Não faz sentido um ‘undercut’ entre carros da mesma equipe, não esperava que ele me passasse. Se isso foi necessário para garantir a dobradinha, a equipe terá de me mostrar. Preciso de explicações do time, quero entender o que aconteceu.”

Vettel não estava nem aí. “Estou mais feliz que aliviado”, disse ao repórter Guilherme Pereira, da TV Globo. “Foi uma surpresa sermos tão competitivos aqui.” Sobre Leclerc, não falou nada. Alias, nada também falou Leclerc pelo rádio quando cumprimentado pelo chefe Mattia Binotto pelo segundo lugar. Apenas balançou a cabeça negativamente.

É muito melindre. Amanhã a gente aprofunda o tema. Por enquanto, fiquemos com a classificação final: Vettel, Leclerc e Verstappen no pódio, Hamilton, Bottas, Albon, Norris, Gasly, Hülkenberg e Giovinazzi na zona de pontos. Não foi um corridão, mas a atuação de Vettel e as polêmicas decorrentes do neo-chiliquento Charlinho garantem assunto para o resto da semana. A súbita queda da Mercedes, também. Uma única vitória nas últimas cinco corridas acendem o sinal de alerta na equipe. O título está garantido — Hamilton tem 96 pontos de vantagem sobre Leclerc e Verstappen, que aparecem em terceiro e quarto. E são 65 sobre Bottas, o vice-líder. Por mais que as três vitórias seguidas indiquem uma melhora significativa da Ferrari, é possível afirmar que a reação veio tarde demais.

Mas antes tarde do que nunca. As últimas seis provas do Mundial serão legais, como têm sido muitas neste ano.

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