Blog do Flavio Gomes
F-1

O FIM DAS GARAGENS

RIO (pena) – O anúncio feito hoje pela Williams — resumidamente, o time está à venda — encerra de vez uma era na F-1. É horrível ficar repetindo o tempo todo “é o fim de uma era”, mas é que as eras começam e acabam. E é preciso registrar os fatos. Falo da era dos […]

RIO (pena) – O anúncio feito hoje pela Williams — resumidamente, o time está à venda — encerra de vez uma era na F-1. É horrível ficar repetindo o tempo todo “é o fim de uma era”, mas é que as eras começam e acabam. E é preciso registrar os fatos.

Falo da era dos garagistas na categoria. Da era das equipes-sobrenome como Brabham, McLaren, Sauber, Fittipaldi, Tyrrell, Jordan, Surtees, Minardi, Ligier, Stewart, todas elas nascidas em garagens que se transformaram em oficinas e, depois, em fábricas enormes e assépticas. Equipes que foram, quase todas, sendo vendidas ou simplesmente desaparecendo lentamente. Essa era só não terminou faz tempo porque a Williams resistiu — sobre a McLaren, de origem semelhante, podemos dizer que quando Ron Dennis saiu, os últimos vestígios garagistas se foram.

O que levou a Williams a se oferecer ao mercado como fez hoje? Apenas a rubrica “má gestão” explica?

Não. São anos assistindo à transformação da F-1 sem se dobrar, com muitos momentos de brilho e ótima gestão, quase sempre seguindo os mesmos princípios de austeridade e autonomia. Há que se lembrar os períodos de férteis parcerias com Renault e BMW, por exemplo. Ou, um pouco antes, com o capital saudita e com a Honda. Foram muitos títulos, pódios, vitórias, tudo graças à competência de Frank Williams e Patrick Head para negociar e fazer carros.

OK, houve momentos em que o time se viu obrigado a recorrer a péssimos pilotos pagantes para sobreviver. Houve, da mesma forma, ciclos de vacas magérrimas, carros ruins, pontuação baixa, vexames inacreditáveis, mas todo mundo vive fases negativas, a Ferrari passou 21 anos sem ganhar campeonato, a McLaren se estrepou no último casamento com a Honda, a Mercedes começou sua trajetória de forma claudicante, a Red Bull foi ganhar corrida depois da Toro Rosso, faz parte.

O que aconteceu, então?

Há quem coloque como dia zero do início da decadência a assunção de Claire Williams à posição de chefe do time, com o afastamento de seu pai Frank das funções. Muita gente achava que o outro filho, Jonathan, deveria ser o indicado, por conhecer melhor o mundo dos carros e das corridas — Claire tinha começado na equipe nas áreas de comunicação e marketing, nunca pareceu talhada para a missão.

Jonathan acabou encostado no grupo para cuidar do acervo da Williams. Virou museólogo. Não fala com a irmã. Claire, por sua vez, assumiu uma postura autocrática e foi responsável por dezenas de decisões equivocadas nas contratações de técnicos, engenheiros, pilotos. Mesmo tendo à disposição os ótimos motores Mercedes, começou a fazer uma besteira atrás da outra até a equipe chegar ao desastre do ano passado, marcando um único ponto no Mundial.

Má gestão, sem dúvida. Ajuda a explicar. Mas não explica tudo — afinal, o período relativamente curto à frente do time não deveria, em tese, ser suficiente para levar uma gigante ao abismo.

Na verdade, a queda vem de antes, bem antes. A Williams foi atropelada pela História. Quando teve a chance de se transformar em equipe oficial de alguma grande montadora, como a BMW, não demonstrou muito interesse. Com a Toyota, não quis nem conversa. A Mercedes chegou a sugerir uma relação mais íntima, algo como faz a Red Bull com a Toro Rosso. Também não.

A Williams sempre achou que poderia continuar andando sozinha, e de certa forma isso aconteceu — apesar da seca de títulos. Frank nunca quis entregar seu time a ninguém. O tempo todo fez questão de estar à frente do negócio, e parece não ter percebido que as coisas estavam mudando rapidamente. Que grandes grupos estavam se apossando das equipes vizinhas e que uma hora ele teria de se render a uma realidade indesejada. Que montar um orçamento apenas a partir de patrocínios e premiações — com patrocinadores desaparecendo e prêmios imprevisíveis — não seria mais o bastante para bater de frente com “players” como Mercedes, Red Bull, Renault e Ferrari, ou mesmo com times menores mas pertencentes a milionários, como a Haas e a Racing Point, ou ainda com equipes-satélites como Toro Rosso (agora AlphaTauri) e Alfa Romeo, ou então com uma semelhante que tomou outro rumo — caso da McLaren.

Má gestão? Se observarmos a situação apenas com esse olhar de resultados, ok, não dá para negar que sucessivos erros levaram à derrocada expressa hoje no anúncio de venda. O tom do comunicado emitido, diga-se, é quase dramático. Mas, mesmo assim, o time resistiu até agora. Outro dia mesmo estava fazendo pole e pódios com Massa e Bottas. Nem faz tanto tempo assim.

Ocorre que o tombo acabou sendo mais rápido do que seria antigamente — por “antigamente” entendam o que quiserem. Os tempos, hoje, estão muito acelerados. Não dão muita margem a erros. Erguer-se de um tombo já foi mais fácil. Antigamente — de novo, entendam por “antigamente” o que vocês quiserem — era mais fácil se levantar.

Hoje, a impressão que tenho é que na F-1, como no resto, caiu, ficou. Alguém vem, passa por cima e nem olha para trás.

As quedas, no mundo de hoje, são definitivas.