Blog do Flavio Gomes
F-1

N’ESTÍRIA (2)

RIO (nós também) – “Eu adoro dias assim.” Foi desse jeito que Hamilton comemorou a 89ª pole-position de sua carreira, com uma atuação exuberante na chuva que desde as primeiras horas da manhã castigou a Estíria, essa região de nome lindo, vaquinhas leiteiras muito gordas, grama muito verde e flores muito coloridas por todos os […]

RIO (nós também) – “Eu adoro dias assim.” Foi desse jeito que Hamilton comemorou a 89ª pole-position de sua carreira, com uma atuação exuberante na chuva que desde as primeiras horas da manhã castigou a Estíria, essa região de nome lindo, vaquinhas leiteiras muito gordas, grama muito verde e flores muito coloridas por todos os lados.

E que bom que fizeram a classificação… Por alguns instantes, achei que o pessoal da F-1 daria mais uma demonstração de medinho de água, formando o grid com o resultado do segundo treino de ontem para ninguém molhar o capacete. Pela manhã, cancelaram a terceira sessão livre. Depois, foram atrasando o início da classificação até que, 46 minutos depois do horário original, alguém disse: “Ah, vai, dane-se, manda os caras pra pista, eles ganham pra isso, e vamos ver no que vai dar”.

E deu num belo espetáculo de pilotos que, venho insistindo há tempos, são muito bons, tão bons quanto os de qualquer geração que os antecedeu. Em condições dificílimas, todos lidaram com galhardia com o piso encharcado, daqueles em que meros mortais teriam dificuldades para correr a pé, que fosse. Latifi, Albon, Grosjean, Giovinazzi e Verstappen foram os únicos que perderam seus carros no aguaceiro, mas ninguém bateu forte. E olha que estava fácil sair girando do nada com tanta água banhando o asfalto.

Lewis fez a pole com 1min19s273, metendo uma estrondosa luneta de 1s216 no segundo colocado, o peixinho Max Verstappen — um dos mais talentosos pilotos no molhado de todos os tempos (ando meio exagerado hoje, mas tudo bem). E o terceiro no grid foi o surpreendente Carlos Sainz Jr., da McLaren, que conseguiu a melhor posição de largada de sua carreira. E a melhor da equipe desde o terceiro lugar no grid de Jenson Button no GP da Inglaterra de 2014.

Em dias como este, os melhores aparecem. Foi o caso de Russell, por exemplo, que conseguiu arrastar a carroça da Williams para o Q2 e vai largar na 12ª posição. Aliás, no Q1, com todo mundo na pista, Jorginho também fez P12. Uma façanha. Caso também de Ocon, quinto no grid com o Twingo amarelo. E igualmente merece aplausos o espevitado Gasly, oitavo tempo com a AlphaTauri — que largará em sétimo porque Norris, originalmente sexto, perdeu três posições por ter feito uma ultrapassagem sob bandeira amarela ontem.

Depois de muito lenga-lenga, com 14°C nos termômetros e água para ninguém botar defeito, a classificação começou às 10h46 pelo horário de Brasília e todo mundo calçando pneus de chuva forte — os intermediários não foram usados em nenhum momento. Vettel foi o primeiro a fazer volta rápida, em 1min24s235 — cerca de 20s mais lento do que no seco. A primeira posição no Q1 mudou de mãos 17 vezes, terminando com Hamilton virando 1min18s188. A pista foi melhorando aos poucos, mas não muito. Raikkonen, Pérez, Latifi, Giovinazzi e Grosjean foram os eliminados na primeira parte da classificação, comprovando que a Alfa Romeo vem muito mal neste ano, assim como a Haas — ambas, não por acaso, empurradas por motores Ferrari. Pérez, da Aston India Point Force Martin Racing foi a decepção, empacando com a Mercedes rosa no Q1.

No Q2 foram seis mudanças na primeira posição, começando com Vettel (1min21s078) e terminando com Hamilton de novo (1min17s825). A chuva deu uma apertada no final e acabou tirando Leclerc, Russell, Stroll, Kvyat e Magnussen do Q3. O drama, aí, foi da Ferrari. Vettel e Leclerc ficaram em 10º e 11º quase o tempo todo, mostrando exatamente a posição em que a equipe vermelha se encontra hoje. No fim, o monegasco dançou por 0s083. Só derrota.

Com mais água despencando dos céus estírios, Verstappen puxou a fila no Q3 virando 1min21s800 logo de cara e baixando para 1min21s570 depois. Estava claro que os tempos seriam piores que no Q2. Hamilton foi o primeiro a entrar na casa de 1min20s, Max baixou mais um pouco, mas no fim o inglês abusou: 1min19s702, primeiro, 1min19s273, depois. Verstappinho rodou na última tentativa, mas não conseguiria nada melhor que o segundo lugar mesmo que pegasse carona na Arca de Noé.

Hamilton, Verstappen, Sainz, Bottas, Ocon, Albon, Gasly, Ricciardo, Norris e Vettel estarão amanhã nas cinco primeiras filas da segunda etapa do Mundial. Lewis não terá escolta de seu parceiro bom camarada, mas se não cometer nenhum erro deve ganhar. No seco, com certeza. No molhado, nunca se sabe — piloto nenhum consegue manter tudo sob controle quando chove muito; a previsão, no entanto, é de pista seca.

Algumas horas depois da classificação Leclerc perdeu três posições no grid por ter atrapalhado Kvyat e caiu para 14º. Houve outras investigações em cima de pilotos que passaram pela linha de chegada quando a bandeira vermelha foi acionada no Q1, mas ninguém foi punido porque não dava para enxergar muita coisa e não houve má-fé ou deboche.

Claro que com um 10º e um 14º no grid, a Ferrari deve ter entrado em parafuso. Por isso, conversar com meu informante Gola Profonda seria importante hoje. Mas a primeira ligação estava muito ruim e só agora consegui falar com ele. Tinha interesse especialmente nas reações de Charlinho, pela falta de velocidade do carro, por ter ficado no Q2 e ainda levar uma punição.

“Ele não gosta de ser chamado assim”, começou Gola. Assim, como? Charlinho? Uai, alguém mais chama ele de Charlinho além de mim? “Só o Vettel. Mas ele fala Charlito. Na verdade eles mal se falam, o Vettel só chama ele de Charlito quando conversa com os mecânicos mais antigos e com o cara que rala parmesão. ‘Coloca aí aquele rançoso de saquinho pro Charlito’, o Vettel sempre pede. Ele fica sabendo e não gosta. E pra se vingar chama o Vettel de ‘Sebastién Fetél’, ou então de ‘tio’. Vettel fica louco principalmente com o negócio de ‘tio’. Hoje de manhã ele pediu pro Vettel: ‘Ô, tio, vem aqui gravar um stories pro Instagram!’, e o Vettel mandou enfiar o Instagram no cu. Na hora ele pegou o telefone e ligou para a mãe em Mônaco chorando, e depois correu na sala do Binotto e pediu para mandar o Vettel embora, e falou que se não mandasse ia contar tudo para a imprensa, e só acalmou quando o chefe liberou o controle do PlayStation. ‘Brinca aí até a hora do treino, tá liberado. E deixa que falo com ele depois’, e só aí Charlinho ficou quieto.” Uai, você chama ele de Charlinho também? “Só quando falo com os amigos. Também não gosto dele.”

E o que mais? O que ele disse quando chegou nos boxes e soube que não tinha passado para o Q3? “Ligou para a mãe chorando de novo. Reclamou que estava frio e que o macacão estava molhado. Aí pediu para ver o carro do Vettel. ‘O carro do Vettel está na pista’, explicou o Binotto, com toda paciência do mundo. ‘Ah, não vão deixar eu ver? Então vou gravar um stories contando tudo! Qual a senha do wi-fi, meu 4G não tá funcionando!’, e o Binotto respondeu: ‘VettelTetra’. Aí ele ligou para a mãe chorando e falou que estava com dor de garganta e com febre, e que se pegasse o coronavírus era culpa do Vettel, e aí não vi mais ele.”

O menino anda meio perturbado, comentei. E o Vettel? Soube que ele recebeu um não da Red Bull, a Renault contratou o Alonso, a Racing Point falou que não tem interesse, o que ele vai fazer? “Projetista”, respondeu Gola. Projetista? “É, ele disse que não tem mágoa de ninguém, vai colaborar com a equipe e sugeriu mudanças aerodinâmicas para a próxima corrida. Até me mandou o desenho novo do carro para a Hungria, quer ver?” Claro que quero, me manda pelo WhatsApp? “Tô mandando.”

E depois que chegou a imagem, não nos falamos mais.