Blog do Flavio Gomes
F-1

N’ESPANHA (3)

RIO (só tempo) – E caiu o primeiro recorde absoluto do ano. Lewis Hamilton venceu o GP da Espanha e chegou ao pódio pela 156ª vez na carreira, superando os 155 troféus de Michael Schumacher. Uma usina de destroçar recordes, este rapaz. E é por isso que já começo com os números, com medo de […]

RIO (só tempo) – E caiu o primeiro recorde absoluto do ano. Lewis Hamilton venceu o GP da Espanha e chegou ao pódio pela 156ª vez na carreira, superando os 155 troféus de Michael Schumacher. Uma usina de destroçar recordes, este rapaz. E é por isso que já começo com os números, com medo de esquecer algum. Vamos lá: 88 vitórias (com mais três iguala o alemão), quatro neste ano, quarta consecutiva em Barcelona (cinco no total), 39 GPs seguidos marcando pontos (também um recorde, mas menos relevante por conta das mudanças de regulamento ao longo do tempo; antigamente, eram só os seis primeiros que marcavam, lembram?).

Foi uma vitória bem fácil, tão fácil que Lewis disse, no final, que nem sabia que era a última volta quando viu a quadriculada. Terminou 24s177 à frente de Verstappinho, o segundo colocado, e 44s752 antes que seu companheiro de equipe, o opaco Válter Sapattos. Só os três primeiros concluíram as 66 voltas da corrida. O quarto colocado, Olho no Lance Stroll, foi lapeado, assim como todos os demais que fecharam a zona de pontos: Pérez, Sainz, Vettel, Albon, Gasly e Norris.

(Criei recentemente o verbo “lapear”, que vem do inglês “lap”, volta, idioma que adota o tempo verbal “lapped” para reduzir a expressão “lerdeza dos infernos, tomou até volta”, sendo que o vocábulo “lap” do inglês vem do grego “lapos”, cuja origem é controversa apesar de alguns textos apócrifos registrarem diálogo entre Sócrates e seu aluno Xenofonte no qual o primeiro convida o segundo para uma aula diferente de filosofia, uma caminhada no lugar das aulas aborrecidas diante de uma lousa, e Xenofonte pergunta “vamos caminhando até onde?”, e Sócrates teria respondido “lapos lados do Partenon”, vindo daí a associação com “dar uma volta [lá pelos lados do Partenon]”, donde a corruptela “lapos” teria originado “volta”.)

Aston Point: boa prova, com Stroll em quarto e Pérez em quinto

A Martin India fez uma corrida decente desta vez, com Stroll largando bem e assumindo a terceira colocação logo de cara, deixando Bottas para trás, de segundo para quarto — Max também passou o finlandês. Foi assim até a quinta volta, quando a Mercedes preta passou a Mercedes rosa para se colocar em terceiro e lá ficar até o fim, sem nunca ameaçar o país-baixense da Red Bull.

Na sétima volta, aliás, a equipe comemorou pelo rádio o fato de Hamilton, na ponta, não conseguir abrir uma diferença muito grande, nunca maior que 1s5, mas Verstappen jogou água no energético dos colegas e contou para a turma na mureta que o inglês estava mesmo era “andando devagar”. Isso se comprovou a partir da volta 11, quando Lewis lembrou que tinha acelerador no carro e começou a despachar o rival até abrir 7s6 na volta 21, momento em que Max parou pela primeira vez e trocou seus pneus macios por médios. Hamilton e Bottas pararam na 24ª e fizeram a mesma coisa. Verstappen, então, reassumiu o segundo posto.

Verstappen: vice-liderança e pódio nº 175 da história da Red Bull

Max ficou feliz de ter se colocado entre as duas Mercedes e subiu para 95 pontos na vice-liderança do Mundial, 37 atrás de Hamilton, que pulou para 132. Bottas é o terceiro, com 89. Os demais estão muito distantes — Leclerc com 45, Stroll e Albon com 40. O nederlandês disse que não dava para fazer mais do que isso e voltou para casa satisfeito. Lewis, todo humildão, falou que nada está ganho ainda, e que se Verstappen não tivesse zerado na primeira corrida do ano poderia estar 12 pontos atrás hoje, se tivesse vencido na Áustria. Falou por falar, Hamilton sabe que ninguém acredita nisso. Muito menos ele.

A corrida espanhola, disputada previsivelmente com muito calor — 31°C, asfalto borbulhando a quase 50°C –, acabou surpreendendo porque ninguém teve problemas sérios de pneus. Nem a Mercedes, que costuma sofrer com temperaturas muito altas com as do auge do verão europeu. A equipe quebrou a cuca durante a semana para estudar uma melhor configuração de seus carros de modo que não se repetissem os transtornos verificados com a borracha em Silverstone. Pelo jeito, encontrou as soluções mais adequadas. Funcionou tudo muito bem.

Como se imaginava, a maioria dos pilotos fez duas paradas e ninguém viu pneu voando pelos ares com aconteceu na Inglaterra. Bottas chegou a fazer um terceiro pit stop, mas apenas para buscar o ponto extra da melhor volta no fim. Teve gente que trocou de pneus apenas uma vez, como a dupla da Renault e Vettel. Os amarelos não conseguiram grande coisa, mas o alemão até que se deu bem, terminando em sétimo depois de largar em 11° com pneus médios. E foram 37 voltas com os compostos macios, que chegaram ao fim da corrida em estado lamentável depois de alguns desencontros com o pessoal da Ferrari pelo rádio — sobre os quais falaremos adiante, já que meu informante Gola Profonda contou coisas do arco da velha, hoje.

Os macios de Vettel no final: quase desintegrando

Os pneus macios, aliás, não foram os mais populares do domingo. Hamilton, por exemplo, foi chamado para colocá-los na sua segunda parada, na volta 50, agradeceu a sugestão, mas ficou uma volta a mais na pista e pediu para colocar médios de novo. Foi atendido, claro.

Se não foi lá uma grande corrida, talvez a menos interessante do ano até aqui, o GP catalão reservou alguma diversão para o distinto público televisivo no pelotão intermediário, com carros de Aston Racing, McLaren, AlphaTauri, Renault, Ferrari, Red Bull se engalfinhando por posições menos glamorosas. Dessa turma se destacaram Sainz, em sexto, Albon, em oitavo (depois de a Red Bull errar na escolha de pneus duros na primeira parada), e Gasly pontuando de novo com o carrinho branco da filial rubro-taurina. Além, claro, dos já mencionados Stroll e Pérez (que recebeu a bandeirada na frente do parceiro, mas levou 5s de punição por não respeitar uma bandeira azul e caiu para quinto) e Sebastian Vettel, a única Ferrari que terminou a prova.

Ah, a Ferrari…

Leclerc: oh, dia, oh vida!

Passávamos da metade da corrida e Leclerc se virava como podia em décimo, com estratégia de apenas uma parada que poderia, no final, lhe dar um quinto ou sexto lugar, com alguma boa vontade. Então, na volta 37, seu motor apagou de repente, travando as rodas traseiras e fazendo o monegasco rodar. Ele chegou a soltar o cinto de segurança, enquanto tentava dar a partida. Do nada, o motor pegou e lá se foi Charlinho até os boxes. Mecânicos se enfiaram no cockpit para apertar o cinto de novo, mas a pane era geral e não faria sentido voltar. Foi o único piloto a abandonar o GP da Espanha.

Então, claro, se fez necessária uma consulta um pouco mais demorada a Gola Profonda, infiltrado dentro dos boxes da Ferrari. Assim que conectei meu telefone vi que ele estava online e nem precisei chamar. “Quer ver umas coisas?”, escreveu Gola. Claro, respondi, mas posso fazer algumas perguntinhas antes? “Não, agora não dá tempo, vou te mandar três fotos rapidinho que fiz escondido e depois vou apagar porque eles podem confiscar me celular. Fotografei o Charlito chegando aos boxes, o pessoal da equipe quando ele parou com o motor pifado e o Vettel agora há pouco lá atrás no paddock.”

E vieram as três imagens, pela ordem.

Isso aí é montagem!, reagi indignado. “Acredite no que quiser”, respondeu Gola ofendido. “Se não quiser não te mando mais nada.” OK, Gola, desculpe, você tem sido muito útil, temos dado grandes furos de reportagem graças à sua perspicácia, pode seguir. “Então, o que aconteceu depois se eu te contar ninguém acreditaria, por isso vou te mandar um áudio.” Áudio de quê?, perguntei ansioso. “Do rádio do Vettel depois que o Leclerc abandonou.” Mas o que tem a ver o abandono do Leclerc com o rádio do Vettel?, insisti, mais ansioso ainda. “Cara, você pode não acreditar, mas o Leclerc foi para o pitlane, percebeu que o engenheiro do Vettel tinha ido ao banheiro e pegou o fone e o microfone dele. Gravei tudo. Tô mandando.”

Minutos depois chegou um arquivo de áudio que escutei atentamente, cuja transcrição segue abaixo.

[Nesse momento surge um som de estática e, ao fundo, uma gritaria ininteligível entre várias pessoas da qual pude extrair algumas frases como “Charles, o que você está fazendo? Me dá esse rádio aqui!”, e depois a pessoa que seria Charles responde “Não vou dar nada, me deixa, vou ligar pra minha mãe!”, “Eu só tinha ido ao banheiro rapidinho, signore Binotto!”, e aí a comunicação termina.]

A última mensagem de Gola foi apenas uma foto com a legenda “Binotto não gostou da brincadeira do Leclerc no grupo da equipe e vai falar com a mãe dele”, foto que, suponho, seja também uma montagem.