Blog do Flavio Gomes
F-1

N’ITÁLIA (3)

RIO (lá como cá) – A Fórmula 1 respirou domingo em Monza. Já estava dando nos nervos a mesmice de Mercedes e Hamilton na frente, vai continuar sendo assim até o fim do ano e provavelmente no ano que vem, mas de tempos em tempos a gente precisa de uma corrida dessas. Gasly em primeiro, […]

RIO (lá como cá) – A Fórmula 1 respirou domingo em Monza. Já estava dando nos nervos a mesmice de Mercedes e Hamilton na frente, vai continuar sendo assim até o fim do ano e provavelmente no ano que vem, mas de tempos em tempos a gente precisa de uma corrida dessas. Gasly em primeiro, Sainz Jr. em segundo, Stroll em terceiro. As casas de apostas devem ter quebrado ontem, se algum cravou esse trio seco no pódio.

E tudo graças a Kevin Magnussen. Obrigado, Kevin! Foi a quebra de seu carro, na volta 19, que despertou no dinamarquês uma estranha necessidade de ser gentil. Ele poderia largar o carro em qualquer lugar, mas se dirigiu às proximidades da entrada dos boxes e encostou no gramado num ponto em que os comissários precisariam apenas puxar o carro para trás. Assim, não atrapalharia ninguém. Deixaria o GP da Itália como chegou: sem ser notado.

Ocorre que os comissários não puxaram o carro. Porque ele não passaria pelo vão entre o guard-rail, que deve estar desobstruído o tempo todo. Em vez disso, começaram a empurrá-lo em direção aos boxes. Talvez tenham querido mostrar a mesma gentileza de Kevin: poxa, coitados dos mecânicos, vão ter de vir até aqui nesse sol de rachar buscar essa charanga velha, vamos levar lá.

E lá foram os comissários a empurrar a bagaça. Safety-car, claro, porque o carro estava na entrada dos boxes.

Comissários empurram a Haas: momento que decidiu a corrida

Quando isso aconteceu estávamos na 20ª volta de uma corrida chatíssima desde o início, em que Hamilton pulou na frente e sumiu. Bottas, o segundo colocado no grid, fizera uma largada patética caindo para sexto na primeira volta. Achou que tinha um pneu furado. Pelo rádio, o engenheiro respondeu: “Furado seu cu”. Não foi com essas palavras, exatamente, mas só sei que foi assim. Se aquela de Senna em Donington é considerada a melhor primeira volta da história, essa do Bottas pode ser colocada como a pior. Que horror, que horror.

De notável, até ali, a prova havia registrado apenas o abandono de Vettel na sexta volta, quando se defendia bravamente de George Russell na luta pela 17ª posição.

Russell. Décima. Sétima. Posição.

Vettel ficou sem freio na primeira chicane, passou direto, arrebentou as sinalizações de isopor e abandonou melancolicamente o GP da casa da Ferrari na sexta volta.

Sem. Freio. Sexta. Volta.

Vettel no isopor: mais um vexame da Ferrari

Deixando de lado o cavalinho rampante manco e voltando à vaca fria, foi no momento em que os comissários começaram a empurrar o carro de Magnussen em direção aos boxes na 20ª volta que o GP da Itália virou de cabeça para baixo.

Com o safety-car na pista, Hamilton e Giovinazzi correram para os boxes para trocar pneus. Mas não podiam. O pitlane ainda estava fechado. Nem Mercedes nem Alfa nem Lewis nem Tonico perceberam. Seriam punidos com um stop & go de 10 segundos, o que numa pista velocíssima como Monza representa o fim de qualquer chance de fazer algo decente na corrida.

Naquele momento, um detalhe passara despercebido da maioria. Uma volta antes da entrada do safety-car, Pierre Gasly, que vinha numa discreta décima colocação, fizera seu pit stop. Estava em 15° quando o carro de segurança foi acionado, e nessa hora quase todo mundo correu para os boxes assim que eles foram abertos. Latifi, Leclerc e Raikkonen também já tinham feito pit stops e igualmente se deram bem. Com um monte de gente saindo de sua frente, o francês da AlphaTauri apareceu do nada em terceiro na volta 23, atrás de Hamilton — que seria punido — e Stroll. Giovinazzi, Raikkonen e Leclerc vinham na sequência, com o pelotão todo embaralhado por conta das paradas de box.

A prova foi retomada na volta 24, mas não deu nem para esquentar a água do radiador. Antes de abrir a 25ª, Leclerc errou bisonhamente na Parabólica e se chocou violentamente contra a barreira de pneus. A corrida teve de ser interrompida com bandeira vermelha para refazer a proteção.

Lelcerc nos pneus: erro bisonho e fim de prova para o time de Maranello em casa

Como se sabe, nessas paralisações todo mundo vai para o pitlane, e quem quiser pode trocar de pneus e mexer no carro à vontade. A Alfa Romeo se deu mal porque, apesar de seus pilotos estarem bem posicionados para a nova largada, só tinha pneus macios usados sobrando e Giovinazzi ainda seria punido. Os dois conseguiriam um brilhareco no reinício da prova, especialmente Kimi, mas eram carta fora do baralho. Uma hora aquela borracha acabaria e eles seriam presas fáceis até para uma ambulância Caravan de quatro cilindros.

Gasly, porém, estava muito vivo. Em terceiro no grid para a nova largada, que foi realizada com todos paradinhos como se fosse outra corrida, o francês saltou muito bem e assumiu a segunda posição de Stroll, que partiu mal e perdeu posições também para a dupla da Alfa Romeo — com pneus macios e melhor tração. Sabendo que Lewis teria de pagar o pênalti, começou a sonhar com imagens com as abaixo. Que, afinal, viraram realidade.

A prova foi retomada na volta 28. Hamilton pulou na frente, mas decidiu pagar sua punição logo na primeira volta do “segundo tempo”, caindo para último. Gasly assumiu a ponta, com Raikkonen em segundo e Giovinazzi em terceiro. Só isso já teria valido o ingresso do domingo, se alguém tivesse pagado para entrar no autódromo.

Com Hamilton fora do páreo, Bottas se arrastando (era o oitavo na relargada) e Verstappen abandonando na 31ª volta com problemas de motor, Gasly, de cara para o vento, percebeu que poderia ganhar. Seu único problema seria Sainz Jr., que na volta 34 assumiu o segundo lugar ao ultrapassar o valente Raikkonen, que já estava ficando sem pneus. Stroll viria logo depois e também deixaria o finlandês para trás, passando a ocupar a terceira posição. Foi bonito ver Kimi lutando na frente de novo. Pena que depois disso ele foi caindo, caindo, até terminar a corrida em 13º.

Quando passou Raikkonen, Sainz tinha 3s9 de desvantagem para Gasly e 19 voltas para chegar no francesinho. Mas Pierre guiava com segurança e autoridade, virando ótimos tempos e monitorando a aproximação do espanhol. Que só chegou nas últimas voltas, recebendo a bandeirada 0s415 atrás do carro branco alpha-taurino. Pelo rádio, apesar da alegria da McLaren, choramingou. “Não sei se dou risada ou se choro. Uma voltinha a mais, era tudo que eu precisava! Tão perto, tão perto e ao mesmo tempo tão longe…”

O domingo era mesmo do menino que deu uma das maiores voltas por cima da história da F-1. Despachado da Red Bull no ano passado para a filial Toro Rosso por conta do mau desempenho, conseguiu fechar a temporada com um lindo segundo lugar em Interlagos, cravando o último pódio da história da Toro Rosso com esse nome.

Todos aplaudiram Gasly, até mesmo o desolado Binotto, da Ferrari

Já teria sido uma reação e tanto, aquele troféu ganho no Brasil. Para um time como a Toro Rosso, qualquer taça é resultado de uma proeza quase sobrenatural. Mas Pierre foi bem além com a vitória de ontem. Deu à AlphaTauri seu primeiro triunfo e ganhou uma corrida antes de seu substituto na Red Bull, Alexander Albon.

Quando tocou o hino da Itália com os três no pódio, foi impossível não lembrar de 2008, lá mesmo em Monza, quando Vettel ganhou o GP da Itália pela Toro Rosso. No fundo, apesar do nome diferente, é o mesmo time. E, nas duas vitórias, está lá o mesmo DNA: da querida Minardi, da lindíssima Faenza — onde se come um tiramisù inesquecível. “Gente, vocês viram o que fizemos?”, berrou Gasly pelo rádio assim que cruzou a linha de chegada. “A gente simplesmente ganhou a corrida!”

Foi isso. Gasly simplesmente ganhou a corrida.

McLaren, AlphaTauri e Racing Point: cadê a Mercedes?

Gasly, Sainz e Stroll levaram AlphaTauri, McLaren e Racing Point ao pódio. Apenas o time laranja, dos três, tinha levado uma tacinha este ano, com Orlandinho no GP da Áustria. A Force Martin, com este nome, também levou seu primeiro troféu. Quem poderia imaginar isso num GP normalmente tão previsível como o de Monza?

Norris, Bottas, Ricciardo, Hamilton, Ocon, Kvyat e Pérez fecharam o top-10 do GP da Itália. Como se vê, Lewis foi atrás de alguns pontinhos depois da punição, se recuperou como deu e terminou a prova com a melhor volta, recebendo a quadriculada 17s245 atrás do vencedor. Não fosse a infração anotada pelos comissários, ganharia com o pé nas costas.

Mas não tem “se” nessa história, não. Depois de receber seu troféu, tomar banho de champanhe e escutar a Marselhesa, Gasly se sentou no pódio e lá ficou por longos minutos olhando para o chão, enxugando as lágrimas e pensando na vida. “A gente nunca sabe quando vai poder viver momentos como esse de novo, então que demore bastante para passar”, justificou.

A França não vencia um GP desde 1996, com Olivier Panis em Mônaco. Fato, aliás, lembrado por um genuinamente feliz Romain Grosjean pelo rádio ao final da prova — vejam aqui aos 7min42s do vídeo da F-1 com os rádios da corrida. Foi lindo demais, tudo. A alegria do piloto, os abraços dos colegas, a felicidade dos mecânicos, os aplausos dos outros chefes de equipe… Como disse Toto Wolff, “foi uma derrota para a Mercedes, mas uma vitória para o esporte”.

Exatamente. A F-1 ganhou. Ainda que esses momentos sejam raros, são eles que nos fazem amar as corridas.

P1 para Gasly e a AlphaTauri: resultado histórico em Monza

Ah, só para constar: Hamilton continua mais líder do que nunca com 164 pontos, seguido por Bottas com 117 e Verstappen com 110. A briga a partir daí está ótima: Stroll e Norris com 57, Albon com 48, Leclerc com 45 e Gasly, agora, com 43.

Quem quase fez um pontinho foi Latifi, vejam só, que terminou a prova em 11º. Teria sido um bom presente de despedida para a família Williams, já que ontem, oficialmente, Claire se despediu da chefia do time. Frank, com problemas de saúde, nem pôde ir a Monza — sua última temporada, digamos, regular foi a de 2014; a partir daí, fez aparições esporádicas, a última delas em Silverstone no ano passado.

A despedida da Williams como a conhecemos: família se afastou de vez do time

E com essa imagem do adeus de Claire e da Williams como a conhecemos eu poderia terminar este texto, né?

Mas não vou.

Porque, acreditem ou não, Gola Profonda apareceu.

E foi apenas na noite de segunda-feira, depois de um sumiço de mais de 24 horas. E foi por telefone, o que é cada vez mais raro porque ele tem medo de grampos, escutas, essas coisas de filmes de espionagem como “A vida dos outros”. Eu digo a ele que é tudo bobagem, ninguém iria grampear o telefone de um reles funcionário da Ferrari, o que o deixa indignado e ameaçador: “Reles é seu passado, tenho um posto muito importante aqui! Se continuar me chamando disso eu sumo!”, ele responde.

Pois o telefonema chegou à noite, com muita estática e sua voz rouca e abafada. Que houve, Gola, de onde você está falando? Aqui na minha tela apareceu número desconhecido. “O bicho tá pegando em Maranello. Descobrimos o que aconteceu no carro do Vettel e ele está ameaçando processar a equipe.” Por causa do freio? Mas isso acontece, às vezes dá defeito, faz parte. “Não, aí é que está o busílis. Não tinha defeito nenhum.” Como não, deu pra ver, ele até falou no rádio, o carro simplesmente não parou. “Pois então. Não parou porque não tinha freio.” Então, Gola, foi isso, ficou sem freio, acontece, vai processar por quê? “Gomes, você não está entendendo. Não é que ficou sem freio. Estava sem freio. Preste atenção: o carro não tinha freio.” Gola deu ênfase em “não tinha”. E continuou. “Contratamos um novo engenheiro. Novinho, dizem que é um gênio da lógica e das soluções mirabolantes. Tem 21 anos e se formou pelo YouTube. Sábado à noite ele se sentou com nosso mecânico chefe que é meio bronco e mal humorado. Falou que iria passar a ele uma missão. Começou com uma longa explicação sobre vetores, velocidades médias, forças laterais. Giuseppe, o mecânico, me disse que o novinho é um saco, e fala com um sotaque horrível — parece que ele nasceu na Grécia. Lá pelas tantas, perguntou ao Giuseppe: o que faz um carro andar rápido? O motor, respondeu o Giuseppe. E o que tira a velocidade de um carro, faz ele parar? O freio, respondeu Pepe, apelido dele. Pois então, Pepe, vamos tirar do carro de Seb aquilo que o faz parar. Entendeu o recado, né? E piscou para Giuseppe, que no dia seguinte tirou os freios do carro do Vettel. Não tinha nem pedal.”

Vettel: sem freios

Por que Vettel só percebeu na sexta volta que seu carro não tinha freios seria a pergunta óbvia, fi-la, e Gola foi categórico na explicação. “O carro é tão lento que Seb não precisava brecar para fazer as curvas, era só tirar o pé do acelerador que ia direitinho. Agora tá com esse papo de processo. E para piorar Charlito foi bater daquele jeito, a mãe dele ligou na hora, disse que ia denunciar o Binotto na Unicef, e só se tranquilizou quando ele pegou o telefone e disse que estava bem, que não tinha nem quebrado o celular, e que ia fazer um story sobre o assunto.”

E o que mais, Gola? “Bom Vettel disse que só não processa a equipe se mudarem o carro para domingo. Quer outro chassi. Mandou até a sugestão. Vou te passar pelo WhatsApp.”

Acabou de chegar a foto.

O carro novo para Mugello: mais resistente