Blog do Flavio Gomes
F-1

O NOME DAS COISAS

RIO (boiada muge) – Eu trato as coisas pelo nome. O que Américo Teixeira Jr. revelou em seu “Diário Motorsport” na semana passada é um escândalo. Para quem ainda não viu, Chase Carey, o CEO da Fórmula 1, mandou uma carta para o governador interino do Rio pedindo pressa na liberação das licenças ambientais para […]

RIO (boiada muge) – Eu trato as coisas pelo nome. O que Américo Teixeira Jr. revelou em seu “Diário Motorsport” na semana passada é um escândalo.

Para quem ainda não viu, Chase Carey, o CEO da Fórmula 1, mandou uma carta para o governador interino do Rio pedindo pressa na liberação das licenças ambientais para construir o tal autódromo de Deodoro.

Para quem ainda não sabe, o consórcio que venceu a estranhíssima licitação para fazer o autódromo quer erguê-lo às custas da destruição da Floresta do Camboatá, uma área de preservação ambiental — o maior pedaço de mata atlântica plana do Rio de Janeiro, uma área que no passado foi usada como paiol do Exército, explodiu, foi abandonada, passou a ser usada para treinamento de soldados e foi cedida pela União para substituir Jacarepaguá, destruído para a montagem do Parque Olímpico da cidade.

Para quem como eu não tem ideia de onde virá o dinheiro para a obra, sabe-se que autoridades municipais e estaduais juram de pés juntos que não haverá um tostão do erário nessa insanidade, mas quase ninguém acredita nas promessas. Assim, a origem da grana segue sendo um mistério. O custo estimado pelo próprio consórcio esbarra na casa do bilhão de bolsominions.

E para quem se pergunta quem está por trás dessa história toda, respondo que desconfio, mas acho melhor ficar quieto por enquanto.

Aos fatos, então. Carey diz que chegou a um acordo com a Rio Motorsports para assumir os negócios relativos a um GP no Brasil, e embora ainda não haja confirmação oficial, sabe-se que a mesma turma “comprou” os direitos de transmissão da F-1 para o país, com a desistência da TV Globo. Uso as aspas porque o mesmo consórcio “comprou” os direitos da MotoGP, cedeu para o Fox Sports (hoje propriedade da Disney) e não pagou. A Disney teve de se virar para assumir o papagaio.

É claro que o calote não é desconhecido do Liberty, o que torna ainda mais esquisita a negociação dos direitos com o consórcio — você faria negócios com quem não pagou a única coisa que disse ter comprado até agora? Mas são esquisitos, estes tempos, e por isso o melhor a fazer é aguardar. Os novos donos da F-1 estão claramente dispostos a romper todos os laços que ainda unem promotores, países e cidades com Bernie Ecclestone, e talvez isso explique a má vontade de negociar com São Paulo e com a Interpub — cidade e empresa que promovem a etapa brasileira do Mundial desde 1990 — e a aposta no Rio, ainda que se juntando a consórcio sem história ou passado.

Mas ninguém neste mundo rasga dinheiro, e sendo assim o consórcio tem um prazo para apresentar garantias financeiras do que que está “comprando”. As licenças ambientais, que Carey intima o governo de um Estado de um país estrangeiro a acelerar — este, para mim, o grande escândalo: querer interferir em questões que ultrapassam em muito a simples decisão de onde realizar um evento esportivo –, correrão no seu próprio ritmo. O que inclui, provavelmente, longas e demoradas batalhas jurídicas para tentar impedir o crime ambiental que seria a devastação do Camboatá.

Os apressadinhos, assim, têm na falta de tempo para passar a boiada um adversário. Ninguém deve se esquecer que o governador atual do Rio é interino, ainda que aliado do clã que se aboletou em Brasília para combater a mamadeira de piroca e a ameaça comunista que paira sobre o Brasil e o mundo distribuindo cloroquina. Nem que daqui a alguns meses teremos eleições municipais no país, e que o prefeito do Rio, pastor Marcelo Crivella, parece ter poucas chances de se reeleger — isso se puder se candidatar. Com um novo prefeito, dependendo de quem for, a chance de tudo voltar à estaca zero é grande. Por fim, que ninguém ignore, também, o fato de que Stefano Domenicali, um sujeito que sabe quantas rodas têm um carro e que consegue diferenciar um pistão de uma biela, assume como CEO da F-1 no começo de 2021 — o que tornará o lobby do bigodudo Carey sem muito efeito.

Faltam, pois, alguns detalhes não exatamente desprezíveis para que esse projeto seja levado adiante. Entre eles, um autódromo — que não existe –, alguma emissora de TV para transmitir as corridas — façam suas apostas –, o dinheiro para comprar os direitos e fazer a pista e alguém na cúpula da F-1 disposta a terminar o que Chase Carey começou.

O que penso disso tudo é que talvez o Liberty esteja trucando todo mundo e tenha na mão apenas, digamos, um modesto 3 — o consórcio misterioso. Talvez a cidade de São Paulo, a Interpub e a Globo estejam com duas manilhas — não necessariamente um casal maior, mas ainda duas manilhas. A ver quem pede seis.

E se você não sabe do que estou falando no parágrafo acima, é porque estudou muito na faculdade e não teve tempo de colar o zap na testa de ninguém.