Blog do Flavio Gomes
F-1

N’ISTAMBUL PARK (2)

RIO (que delícia!) – Lance Stroll larga amanhã na pole para o GP da Turquia. Sim, é isso mesmo que você está lendo, e é por isso que a gente adora a chuva na Fórmula 1. Ela costuma embaralhar as cartas. Transforma favoritos em miseráveis fracassados, eleva coadjuvantes à glória, oferece ao distinto público surpresas […]

RIO (que delícia!) – Lance Stroll larga amanhã na pole para o GP da Turquia. Sim, é isso mesmo que você está lendo, e é por isso que a gente adora a chuva na Fórmula 1. Ela costuma embaralhar as cartas. Transforma favoritos em miseráveis fracassados, eleva coadjuvantes à glória, oferece ao distinto público surpresas inimagináveis.

Foi o que vimos no sábado frio e chuvoso de Istambul, 12°C nos termômetros e muita água no asfalto — inexplicavelmente recapeado há duas semanas, sem tempo de cura, secretando o petróleo utilizado em sua composição, fazendo do piso um rinque de patinação banhado em sabão.

Um horror para quem guia, uma diversão para quem assiste. Felizmente nenhum acidente aconteceu. Uma rodada aqui, um atolado na brita ali, mas ninguém no muro. E um show de controle de bestas-feras com mil cavalos de potência tendo um único objetivo: se manter na pista. Cada troca de marcha era um susto, cada acelerada, um pavor. Foi um delicioso caos.

Hamilton: sem visibilidade, sem temperatura nos pneus, primeira vez no ano sem pole da Mercedes

A pole de Stroll só foi confirmada algumas horas depois de encerrada a classificação, porque ele era suspeito de ter desrespeitado uma bandeira amarela no Q3 quando Pérez rodou. No fim, foi confirmada, para alegria geral da nação — seria uma sacanagem perder o primeiro lugar no grid numa condição horrível de visibilidade, e os comissários acabaram confirmando que ele até tirou o pé, ganhando tempo no fim da volta porque a pista estava melhorando.

Como Racing Point, com esse nome (que usarei hoje, em respeito ao resultado), foi a primeira pole da história da equipe. Antes, a Jordan fizera duas (Bélgica/1994 com Barrichello e Europa/1999 com Frentzen) e a Force India, uma (Bélgica/2009 com Fisichella). Um canadense não largava na pole desde a última etapa do Mundial de 1997, quando Jacques Villeneuve partiu na frente em Jerez para conquistar seu primeiro e único título.

Ontem escrevi neste espaço que pela primeira vez no ano, por conta da previsão de chuva e das condições do asfalto turco, a Mercedes não seria favorita à pole. Esse favoritismo recaía mais sobre Verstappen, e tudo indicava, assim que começou a classificação, que o holandês da Red Bull confirmaria o que se imaginava. Ele é muito bom no molhado e seu carro consegue gerar temperatura nos pneus com mais eficiência que a Mercedes — esse talvez seja o único defeito do carro preto que lidera o campeonato com folga.

Verstappen: favorito no molhado, acabou ficando na segunda colocação

Choveu pacas pela manhã e foi debaixo d’água que aconteceu o último treino livre, com um festival de rodadas e desespero dos pilotos atrás do famoso grip — agora sem aspas. No Q1, as condições não estavam muito diferentes. Quando os boxes foram abertos, quase todos os carros estavam calçados com os pneus para chuva intensa. Mas alguns optaram pelos intermediários, e é importante observar bem alguns nomes dessa lista: Verstappen, Norris, Ocon, Pérez, Stroll e Ricciardo.

Max rodou na reta assim que foi para a pista e percebeu: os intermediários, para ele, não funcionariam. As duplas de Renault e Racing Point, no entanto, insistiram um pouco mais. Isso seria decisivo no Q3, especialmente para os pilotos da “Mercedes rosa”. Eles conseguiram entender melhor esses pneus que a Red Bull.

Faltando 6min56s para o fim do Q1, a direção de prova suspendeu as atividades, porque estava impossível dirigir — não dava para enxergar nada e poças começavam a se formar, além das temíveis lâminas de água que acabam inveitavelmente em aquaplanagem. Àquela altura, Ocon era o líder da tabela com 2min06s115. Na sexta-feira, no seco, Max tinha virado 1min28s330 na melhor volta do dia. Vejam a diferença absurda. Não estava dando para fazer nada no traçado banhado, oleoso e escorregadio do Istambul Park.

No momento da interrupção, para se ter uma ideia da dificuldade de alguns pilotos, Leclerc estava em 16º a 4s775 de Ocon. Latifi, o último colocado, tinha feito uma volta 15s496 mais lenta. A chuva deu uma diminuída e 45 minutos depois foi autorizada a retomada dos trabalhos. Mas nem deu tempo para ninguém abrir volta. A 3min30s do fim, Grosjean atolou na brita e nova bandeira vermelha foi mostrada.

Essa paralisação foi rápida e com os boxes abertos novamente a patota inteira foi para o tudo ou nada. Nessa hora, Verstappen mostrou o que sabe: 1min57s485 na melhor volta. O segundo colocado, seu parceiro Albon, ficou quase 2s atrás. Os demais, todos, viraram tempos acima de 2min por volta. Hamilton ficou em 14º, 10s114 mais lento que o jovem Max. Mais de dez segundos! Acabaram sendo degolados Magnussen, Kvyat, Russell, Grosjean e Latifi. Não estava fácil para ninguém.

O grid maluco de Istambul: Racing Point na pole e Mercedes lá para trás

No Q2, Norris e Sainz foram os que tentaram os pneus intermediários. Mas a pista continuava no modo “grip zero”, e Verstappen seguia dando seu showzinho particular no molhado: 1min57s125 na primeira volta rápida, e depois 1min53s486, 1min52s036 e 1min50s293. Ninguém chegava perto. Quando fez seu melhor tempo, o segundo colocado era Bottas. Estava 3s474 atrás. Dava dó.

Max à parte, quem surpreendia era a dupla da Alfa Romeo, que acabou passando para o Q3 com Giovinazzi em quinto e Raikkonen em oitavo — primeira vez no ano que os dois carros do time ítalo-helvético avançaram para a parte final da classificação. Ficaram para trás, no Q2, Norris, Vettel, Sainz, Leclerc e Gasly. A dupla da Ferrari foi um desastre: Charlinho virou 6s403 acima do tempo de Verstappen; Sebastian, um pouco melhor, ficou a 4s876 do holandês.

São diferenças de tempo incompatíveis com a F-1. Mas, do jeito que estava a pista, era o que dava para fazer. Sainz ainda seria punido por atrapalhar Pérez no Q2, perdendo três posições no grid. Com isso, Leclerc subiu para 13º e larga uma posição atrás de seu companheiro de equipe.

Leclerc: 13º com uma Ferrari que simplesmente não funciona no molhado

O Q3, pelo desempenho mostrado até ali, estava no jeitinho para Max se consagrar. E ele foi o primeiro a ir para a pista, sem spray na cara, do jeito que o diabo gosta. Cravou 1min52s326 na primeira tentativa e viu a dupla da Mercedes mais de 4s atrás. Só que, aí, apareceu Pérez. Lembram do Q1, da insistência de alguns pilotos com os pneus intermediários? Pois é. O mexicano baixou o tempo de Max em 0s289, colocando uma pulga ensopada atrás da orelha da Red Bull. Na passagem seguinte, Pérez virou 1min49s321, 3s005 mais rápido que Verstappen. Aí não teve jeito. O time chamou o piloto para colocar os mesmos pneus.

Enquanto isso, Stroll começava a baixar seus tempos, também com intermediários. Fez uma voltaça em 1min47s765 e superou o companheiro em mais de 1s5. A pista claramente ficava mais rápida, com a formação de um tímido trilho que permitia tentar alguma coisa. Max, então, partiu para tentar dar o troco com os mesmos intermediários. Só que o carro não respondeu. “Não tenho grip nenhum com essa merda de pneu!”, berrou pelo rádio. Conseguiu baixar seu tempo, verdade. Mas ficou a 0s290 do canadense do time rosa. Pérez, por sua vez, se atrapalhou na última tentativa e ficou só em terceiro — ainda assim, a melhor posição de grid dele na F-1; antes, tinha conseguido nove quartos lugares.

Verstappen ficou full pistola com a decisão da Red Bull de colocar intermediários em seu carro. “A gente não tem de olhar os que os outros estão fazendo. Esse pneu não funcionava com a gente. Estou muito decepcionado, muito”, disse. Já a Racing Point não cabia em si de felicidade. Prova disse é a tuitada na conta oficial do time assim que acabou a classificação, essa aí embaixo:

Comemoração da equipe rosa no Twitter: o time nem sabia o que dizer de tanta alegria

Albon fechou o Q3 em quarto, seguido por Ricciardo, Hamilton (4s795 mais lento que a pole, chamando a sessão de “pesadelo”), Ocon, Raikkonen, Bottas (a 5s493 de Stroll) e Giovinazzi. Depois de 14 poles seguidas, a última do ano passado e as 13 desta temporada até hoje, a Mercedes perdeu a primeira posição de um grid. Justo na corrida que pode dar o sétimo título mundial a Lewis — tarefa que ficou um pouco mais complicada, dada sua posição de largada.

Lance também não tinha onde enfiar o sorriso depois de fazer sua primeira pole. “Estou em estado de choque, é o momento mais bonito da minha carreira”, disse o piloto, estigmatizado por ser o filhinho do papai que comprou uma equipe para ele correr — terá de viver com isso para sempre. Tornou-se o 101º piloto a fazer uma pole na história da F-1. E interrompeu uma sequência de 126 poles do trio Mercedes-Ferrari-Red Bull — a última “outsider” tinha sido a Williams com Felipe Massa no GP da Áustria de 2014.

Stroll: primeiro canadense a fazer a pole desde Villeneuve em 1997

O que vai acontecer na corrida de amanhã? Impossível dizer sem saber como estarão as condições meteorológicas. No molhado, é loteria absoluta. Vai ser difícil se manter na pista e ganha quem errar menos. Mas eu diria que Verstappen, apesar de ter perdido a pole, tem um certo favoritismo com chuva — ele é muito bom no molhado, como já vimos muitas vezes. Mas depende também de quanta água vier, e dos pneus que serão usados em cada momento do GP.

No seco, e essa é a previsão, Max, aí sim, passa a ser o principal e destacado candidato à vitória, porque os carros da Mercedes vão andar mal de qualquer jeito — está frio, os pneus não chegam à temperatura ideal, estão para trás no grid, eu diria até que se chegarem ao pódio já estarão no lucro. Stroll e Pérez brigarão por muitos pontos, com certeza. Mas não são uma aposta muito certeira para ganhar a prova, porque o ritmo de corrida da Racing Point não costuma ser tão bom quanto o da Red Bull.

A parte legal é que com um grid desses fica tudo aberto e menos previsível. E, assim, nos vemos diante de mais um GP diferente nesta temporada — que está nos entregando, em suas corridas emergenciais, mais até do que poderíamos esperar.