Blog do Flavio Gomes
F-1

N’ISTAMBUL PARK (1)

RIO (deslizando) – O primeiro dia de treinos para o GP da Turquia foi marcado por uma rara unanimidade: todos os pilotos disseram que nunca, na vida, andaram numa pista com tão pouco “grip”. (“Grip” é palavra que a gente traduz como “aderência”, mas que já tem cancha suficiente para ser aportuguesada. “Grip” tem sonoridade, […]

RIO (deslizando) – O primeiro dia de treinos para o GP da Turquia foi marcado por uma rara unanimidade: todos os pilotos disseram que nunca, na vida, andaram numa pista com tão pouco “grip”.

(“Grip” é palavra que a gente traduz como “aderência”, mas que já tem cancha suficiente para ser aportuguesada. “Grip” tem sonoridade, é quase uma onomatopeia. Vocês não conseguem ouvir um pneu fazendo “griiiip” quando “cola” no asfalto? Eu consigo. E um anglicismo a mais ou a menos no automobilismo, que diferença faz? A gente já diz grid, pit stop, safety-car, pneu slick pitlane, stop & go, drive-through, nem aspas uso nesses termos… Acho que vou adotar o grip. Sem aspas. Apenas acho. Depois decido sobre isso.)

Alguns disseram ter tido a sensação de andar no gelo. Outros se espantaram com a absoluta falta de — vá lá — aderência apesar dos monstruosos pneus slick da F-1. Para piorar, na noite de ontem resolveram lavar o asfalto que foi refeito no circuito turco. Como fez frio e o dia foi nublado, com a temperatura mal passando dos 15°C, não secou direito. E o primeiro treino livre começou como se vê na foto abaixo:

Pista molhada no início: menos “grip” ainda…

OK, acontece, todos fizeram o melhor possível, mas podemos, sim, criticar os organizadores da corrida. Pelo exagero. Faço coro a Hamilton, que reclamou do desperdício de “milhões”, como disse, para recapear um circuito que poderia apenas ter sido lavado por causa dos anos sem uso. “Ficou uma merda com M maiúsculo”, resumiu o inglês.

Sim, por que gastar dinheiro com isso? Se havia algum buraco, alguma falha, um degrau, uma zebra lascada, algum ponto especialmente problemático, enfim, que fosse pontualmente arrumado. Tempo para vistoriar a pista houve. Asfaltar tudo de novo? Precisava mesmo? Para uma única corrida? Até onde sei, o autódromo tem sido usado nos últimos anos para feiras de carros usados e coisas do tipo. E, pelo jeito, vai continuar. A Turquia não está no calendário de 2021. E desde a última corrida lá, em 2011, nunca mais falaram num GP em Istambul. O que significa que está fora dos planos para o futuro.

O que é uma pena. O traçado é maravilhoso e as sete corridas disputadas lá, entre 2005 e 2011, deixaram ótima impressão. E muita gente nem se lembra delas… Do lote atual da F-1, apenas quatro pilotos disputaram GPs na Turquia: Hamilton (que venceu em 2010, de McLaren), Vettel (vencedor em 2011, pela Red Bull), Pérez e Raikkonen. Desses, Kimi não esteve nas duas últimas edições. Em 2010 e 2011, o finlandês foi se aventurar no Mundial de Rali. Mas já havia ganhado lá em 2005, com a McLaren, na prova inaugural de Istambul. Ricciardo também esteve em Istambul em 2011, mas apenas como terceiro piloto da Toro Rosso, para participar dos treinos livres da sexta — os titulares eram Buemi e Alguersuari.

O piloto mais bem sucedido no circuito turco até hoje é Felipe Massa, que venceu três seguidas com a Ferrari, entre 2006 e 2008. Sua primeira vitória na F-1 aconteceu lá, inclusive. E ele fez as poles nessas três edições, também. Felipe tinha uma relação muito especial com este ponto do planeta que separa a Europa da Ásia.

Raikkonen: vencedor em 2005 com a McLaren, na primeira prova na Turquia

A pista estava tão horrorosa hoje em termos de “grip” — ainda não me decidi sobre as aspas — que a maioria dos pilotos tirou coisa de 10 segundos entre os melhores tempos da manhã e os melhores da tarde. Raikkonen, por exemplo, fechou a primeira sessão tendo feito sua volta mais rápida em 1min41s035. Na segunda, virou 1min31s932. Kvyat saiu de 1min36s738 para 1min29s689. É muita coisa.

Quem não se dá bem nessas condições é a Mercedes, que tem dificuldades para atingir a temperatura ideal do funcionamento dos pneus. Como a Pirelli escolheu a gama mais dura para Istambul, sem saber direito o que iria encontrar em termos de piso, a coisa foi ainda pior. Resultado para os mercêdicos: terceiro e quarto lugares, com Bottas a 0s575 do líder Verstappen e Hamilton ainda mais distante, a 0s850 — Leclerc foi o segundo. A equipe alemã, como se sabe, não é tudo isso mais lenta que a Red Bull. Mas nessas condições esquisitas, pode acabar sendo. Azar dela e de seus pilotos.

Mercedes: dificuldades com os pneus no asfalto novo de Istambul

O quadro para a dupla que lidera o Mundial não é dos mais favoráveis para amanhã. A previsão é de chuva para o sábado, o que deixará as coisas ainda mais complicadas no escorregadio asfalto turco. E impedirá que a pista fique emborrachada para domingo, na corrida, que deve ser disputada com tempo seco, mas sem calor.

Resumindo, vai ser um fim de semana bem complicado, do ponto de vista da Mercedes. Pela primeira vez no ano, seus pilotos não são os favoritos absolutos num GP. Ao contrário, o favoritismo nessas condições recai ligeiramente sobre Verstappen, que anda muito bem no molhado e consegue se virar com a temperatura de sua borracha. Se Hamilton e Bottas conseguirem virar o jogo em cima de Verstappinho, será resultado de muito trabalho — deles e de seus engenheiros.

É bom lembrar que Lewis pode se consagrar heptacampeão neste fim de semana. Se ganhar a corrida, leva a taça e se iguala a Schumacher. Há muitas outras combinações, claro, que lhe dão o título — todas dependendo da posição final de Bottas. Mas para não ficar cansativo, fiquemos só com essa, que é mais fácil de lembrar.