Blog do Flavio Gomes
F-1

N’ABU DHABI (3)

RIO (valeu por tudo) – Se tivesse de resumir numa frase o GP de Abu Dhabi, que encerrou a temporada hoje, seria: Verstappen largou na pole, dominou a corrida toda, não foi ameaçado por Bottas, o segundo colocado, e Hamilton, o terceiro, sentiu os efeitos do pós-Covid e ficou muito longe do piloto que conquistou […]

RIO (valeu por tudo) – Se tivesse de resumir numa frase o GP de Abu Dhabi, que encerrou a temporada hoje, seria: Verstappen largou na pole, dominou a corrida toda, não foi ameaçado por Bottas, o segundo colocado, e Hamilton, o terceiro, sentiu os efeitos do pós-Covid e ficou muito longe do piloto que conquistou o hepta neste ano.

Mas é claro que uma última corrida de campeonato nunca é uma corrida comum. O GP, falando do ponto de vista estritamente técnico, foi mais ou menos o que escrevi aí em cima, sim. Só que teve muito mais. E o ponto alto da noite de domingo nos Emirados foi isso aí embaixo:

Vettel, Vettel… Como muitos pilotos, hoje ele se despediu de alguma coisa. No caso, de seus seis anos de Ferrari, onde escreveu uma história de 119 GPs, 14 vitórias, 12 poles e dois vice-campeonatos, em 2017 e 2018. Ouçam o vídeo acima (vocês entenderam, é um vídeo que não tem imagem nenhuma, só áudio). Ao final da corrida, ele cantou, em italiano, uma musiquinha de sua própria autoria. Aliás, nas imagens “on-board” dessa volta musical Sebastian aparece sem luvas e dá para ver um papelzinho no qual escreveu a letra, que foi cantarolando até chegar aos boxes.

Foi o momento mais bonito do fim de semana, um dos mais belos de toda a temporada. Se bobear, um dos mais queridos de toda a história da F-1. Afinal, foi um ano duro, duríssimo para Vettel. Desde o início tardio do Mundial ele já sabia que a equipe não tinha interesse em renovar seu contrato, e mesmo assim tocou o barco com a dignidade possível. Justo num ano em que a Ferrari tinha um carro de merda, lento, cheio de problemas.

Não pôde se despedir como gostaria. Foi apenas o 14º colocado, subiu ao pódio só uma vez — terceiro na Turquia — e terminou o campeonato em 13º com parcos 33 pontos, contra 98 de seu companheiro Leclerc. A Ferrari ficou em sexto no Mundial de Construtores, seu pior resultado desde o 10º lugar de 1980 — nos 39 campeonatos seguintes, foram dez títulos, 13 vices, nove terceiros, seis quartos e um quinto.

Um desfecho, certamente, distante do que ele idealizava quando chegou a Maranello, em 2015. Vettel imaginava que poderia ser uma espécie de sucessor de Schumacher em Maranello. Seria injusto dizer que não se esforçou. Mas esbarrou na incrível hegemonia da Mercedes, que não dá chance a ninguém desde 2014.

Mesmo assim, apesar de todas as agruras, de um certo desprezo a que foi relegado em 2020, não saiu atirando. Ao contrário. Expressou gratidão e amizade a todos no time, que considera “mágico”. Inclusive a Leclerc, que muitos acusavam de ter se transformado numa espécie de prima donna do time. “Charles é incrivelmente rápido e tem um estilo muito próprio de pilotar. Há duas ou três coisas que aprendi com ele, assim como com Kimi. A gente sempre aprende com outros pilotos”, falou, com humildade.

Pérez chega aos boxes da Racing Point: lágrimas na sua última prova pela equipe

Teve emoção também na despedida de Sergio Pérez da Force Point. Na oitava volta, o mexicano, que largara em último, parou com o motor quebrado. Ficou frustrado num nível que só mesmo as imagens da TV conseguiram traduzir. Quando chegou aos boxes do time rosa, tinha mecânico chorando.

Foram sete anos num time que, em 2018, só não fechou as portas por sua causa. Pérez pagou do bolso salários de funcionários e entrou com um uma ação na Justiça contra a própria equipe numa manobra jurídica que impediu sua falência pura e simples. Graças a essa ação, a empresa entrou em regime de recuperação judicial e teve tempo para encontrar um comprador — no caso, Lawrence Stroll, pai de Lance. “Salvar os empregos da equipe foi minha melhor decisão nesses anos todos. A Racing Point [que na época da quebradeira geral ainda era Force India, como todos se lembram] será sempre o time do meu coração.”

Verstappen vence com a Red Bull: Pérez ainda sonha em ser seu companheiro em 2021

Pérez pode acabar na Red Bull do vencedor Verstappen no ano que vem. Segundo alguns setores da imprensa inglesa, há uma chance de um anúncio ser feito amanhã. No mais tardar, até o fim da semana. Alexander Albon, quarto colocado hoje, ainda tem esperança de ficar. “Fez seu melhor fim de semana no ano”, elogiou o chefe Christian Horner.

Não sei, sinceramente, o que vai acontecer. No máximo, faria uma aposta, bem modesta, em Albon. Acho que fica. Mas acho, também, que o melhor para a equipe — e para a F-1 — seria ter Pérez. O cara fez um campeonato excepcional, terminando a temporada em quarto lugar com 125 pontos. Não fossem as duas provas que perdeu por causa do Covid-19 e mais algumas que zerou por problemas alheios à sua vontade — como as quebras de hoje e de algumas semanas atrás, no GP do Bahrein –, poderia ter ficado ainda mais distante de Ricciardo, quarto colocado na classificação com 119.

McLaren: quinto e sexto de Norris e Sainz deram ao time laranja o terceiro lugar entre as equipes

Os 125 pontos de Pérez não foram suficientes para a Aston India (tá bom, Racing Point!) terminar o Mundial em terceiro, o que seria um resultado excepcional para o time rosa. A equipe acabou sendo superada na última etapa do campeonato pela McLaren, que com o quinto lugar de Norris e o sexto de Sainz fechou o ano com 202 pontos, contra 195 da futura Aston Martin. Seriam 210 se a FIA não tivesse punido a equipe no começo do campeonato tirando dela 15 pontos por copiar peças da Mercedes. Para a equipe laranja, ótimo: melhor resultado desde 2012, quando também terminou em terceiro.

Na McLaren, também foi um dia de despedida. No caso, de Carlos Sainz Jr., que já fez as malas para correr na Ferrari no ano que vem. O espanhol também fez um bom campeonato, com 105 pontos na sexta posição.

A turma que fechou a temporada 2020: muitas despedidas

Dos 23 pilotos que participaram do Mundial de 2020, sete não estarão no grid em 2021: Pietro Fittipaldi, Kevin Magnussen e Romain Grosjean, da Haas; Daniil Kvyat, da AlphaTauri, que disse querer “férias da F-1”; Jack Aitken, que fez uma prova pela Williams, e Nico Hülkenberg, que correu três vezes pela Racing Point, também não terão vagas; e Pérez ou Albon — um dos dois vai dançar.

Mudam de endereço Daniel Ricciardo (da Renault para a McLaren), Sainz (da McLaren para a Ferrari) e Vettel (da Ferrari para a Aston Martin). Mick Schumacher e Nikita Mazepin estão confirmados na Haas, por enquanto, mas o russo também pode rodar se a equipe levar a sério as babaquices do moleque — como o caso de assédio sexual que eclodiu na semana passada. Alonso reaparece na Renault e Yuki Tsunoda deverá ser o substituto de Kvyat. Hamilton ainda não renovou seu contrato, mas disse hoje que até o Natal as coisas se resolvem com a Mercedes.

Bottas e Hamilton: corrida discreta de uma Mercedes que dominou a temporada

Como se nota, falei pouco da corrida até agora porque pouco há a dizer. Como se esperava, foi uma prova de um pit stop para quase todo mundo, parada antecipada para a maioria quando o safety-car foi acionado para a retirada do carro de Pérez, quebrado, das voltas 11 a 13. A Ferrari foi uma que não parou na hora, o que comprometeu a prova de Leclerc e Vettel — os dois, com pneus velhos, viraram presas fáceis de seus adversários a partir da 23ª volta. “Estão nos engolindo”, reclamou Sebastian antes de fazer sua parada, na volta 36.

No fim das contas, as cinco primeiras posições registradas na sexta volta foram as mesmas na bandeira quadriculada, o que mostra claramente que lá na frente a prova não teve grandes emoções. Por isso, Verstappen pôde comemorar tranquilamente a décima vitória de sua carreira e a segunda no ano sem sustos — chegou mais de 15s à frente de Bottas, o segundo colocado.

Max chega a dez vitórias na carreira: sem nenhuma dificuldade

Chamou a atenção a prova discreta de Hamilton, que em nenhum momento tentou um ataque a Bottas pelo segundo lugar e pareceu conformado com o terceiro degrau no pódio. Depois da corrida, o inglês disse que estava se sentindo “destruído fisicamente” e alertou para os perigos da Covid-19 que, segundo ele, “não é brincadeira, não é uma piada”. Segundo ele e segundo qualquer pessoa com mais de cinco neurônios ativos, diga-se. “É algo muito sério e acho muito estranho que líderes mundiais ainda riam disso e façam brincadeiras”, falou.

Claro que se referia a figuras abomináveis como Trump e o milico brasileiro de segunda linha que virou presidente, cujo nome evito escrever para não emporcalhar a tela de ninguém. Lewis ficou debilitado, passou uma semana de cama e, agora, terá alguns meses para se recuperar plenamente.

Classificação final em Yas Marina: GP morno para encerrar um campeonato quente

Verstappinho, Sapattos, Comandante Amilton, Alex Tudo Bom, Mini Morris, Sainz Idade, Ricardão, Olha o Gás Ly, L’Ocon e Strollvenga, eis os dez que fizeram pontos no encerramento do Mundial 2020. Um campeonato bem doido, cujo calendário teve de ser remontado às pressas por causa da pandemia, que voltou a circuitos históricos como Imola, Nürburgring e Istambul, que passeou por terras nunca visitadas, como Portimão e Mugello, que teve provas seguidas nos mesmos autódromos (Áustria, Silverstone, Bahrein) e que, ao fim e ao cabo, foi bom. Teve ótimos espetáculos, muitos dramas, finais emocionantes, acidentes vistosos e o resultado esperado: Hamilton e a Mercedes campeões.

Em tese, porque ninguém sabe o que será deste mundo nos próximos meses, tudo recomeça em março na Austrália. Para nós, aqui no Brasil, resta saber qual emissora de TV vai transmitir a temporada. Hoje, na Globo, ninguém falou em tom de despedida. Poderia ser o caso, se de fato seus mais de 40 anos de F-1 terminassem com o GP de Abu Dhabi.

Não creio que tenham terminado, porém. Por tudo que andei ouvindo nos últimos dias, a Liberty terá de mandar um telegrama para o Jardim Botânico nos próximos dias para resolver de vez essa parada. Isso porque, obviamente, levou um chapéu dos aventureiros de Guadalupe. E ninguém mais se apresentou com grana suficiente para comprar os direitos. Sendo assim, plim-plim.