Blog do Flavio Gomes
F-1

N’OVAL (3)

RIO (amamos tudo isso) – Sempre que um piloto ganha uma corrida pela primeira vez é um dia especial. E hoje foi um desses domingos inesquecíveis. Sergio Pérez levou 190 GPs para vencer o primeiro, na reta final de sua décima temporada na F-1. “Espero não estar sonhando”, disse “Checo” ao fim da penúltima etapa […]

RIO (amamos tudo isso) – Sempre que um piloto ganha uma corrida pela primeira vez é um dia especial. E hoje foi um desses domingos inesquecíveis. Sergio Pérez levou 190 GPs para vencer o primeiro, na reta final de sua décima temporada na F-1. “Espero não estar sonhando”, disse “Checo” ao fim da penúltima etapa do Mundial, disputada no anel externo do circuito do Bahrein com o nome de GP de Sakhir.

Não estava.

A bandeira do México no pódio: segundo piloto do país a vencer na F-1

Foi a terceira vitória de um piloto mexicano na história da F-1. Antes dele, Pedro Rodríguez havia vencido os GPs da África do Sul, em 1967, e da Bélgica, em 1970. Pérez é 110º ganhador da categoria. A Racing Point, da mesma forma, chegou ao seu primeiro triunfo e se tornou a 36ª equipe a vencer na F-1, incluindo os times ganhadores das 500 Milhas de Indianápolis entre 1950 e 1960, quando a prova fazia parte do calendário — embora a turma da Europa não participasse.

A Jordan, sua antecessora, de cujas costelas nasceram MF1, Spyker, Force India e a atual equipe rosa que no ano que vem muda de nome de novo, para Aston Martin, venceu quatro vezes. A saber: Bélgica/1998 (com Damon Hill), França e Itália/1999 (com Heinz-Harald Frentzen) e Brasil/2003 (com Giancarlo Fisichella).

O resultado no Bahrein: vitória inédita de Pérez, primeiro pódio de Ocon

Foi uma corrida espetacular, cheia de dramas e ironias. Drama maior, o de George Russell. Por um erro bizarro da Mercedes numa troca de pneus, o inglês que fez sua primeira prova pelo time alemão, substituindo Lewis Hamilton, deixou de conquistar sua primeira vitória na primeira vez em que teve um carro decente para correr. Ironia: o erro aconteceu graças a uma batida besta de seu substituto na Williams, Jack Aitken, na 61ª volta da corrida. O safety-car foi acionado duas voltas depois e a Mercedes achou por bem trazer seus dois pilotos para os boxes, para colocar pneus novos.

Não havia necessidade. Tanto Russell, líder, quando Bottas, segundo colocado, tinham certa tranquilidade na frente. Ainda assim, uma troca não era totalmente sem sentido, e por isso a equipe chamou os dois. Mas um problema na comunicação de rádio com os mecânicos responsáveis pelos pit stops se transformou numa das maiores trapalhadas dos últimos tempos. George parou, e os mecânicos colocaram em seu carro pneus destinados a Bottas. Quando ele saiu, Valtteri estacionou. O erro foi percebido. Seus pneus foram retirados e colocados de novo, numa demora interminável. Bottas voltou à pista em quinto. O time chamou Russell imediatamente para tirar os pneus que deveriam ter sido colocados no outro carro. Aí foi o inglês que perdeu terreno, caindo ele para quinto, atrás de Bottas.

George, então, iniciou uma recuperação alucinante nas voltas seguintes a partir da relargada, na volta 68, passando Bottas, Stroll e Ocon para iniciar o ataque ao inesperado líder, Pérez. Foi quando, na volta 76, a 11 do final, o engenheiro de Russell entrou no rádio do piloto para avisar que um pequeno furo num pneu havia sido detectado, e ele teve de fazer seu quarto pit stop, caindo para 15º e perdendo qualquer chance de vitória.

Ouviu-se um lamento dolorido pelo rádio. Não havia mais o que fazer.

O choro de Russell: outras oportunidades virão

Jorginho ainda terminou a prova em nono, fez a melhor volta da corrida e marcou seus primeiros pontos na F-1. A Mercedes foi multada em 20 mil euros pelo erro na colocação dos pneus errados, mas o piloto se safou de qualquer punição.

Num primeiro momento, Russell não se conformou com o que aconteceu. “Estou arrasado, a vitória saiu das nossas mãos duas vezes, isso nunca tinha acontecido na minha vida.” Depois, o menino derramou-se em gentilezas a Pérez. “Ninguém mais do que ele merecia uma vitória. Mas não precisava ser hoje!”, brincou, mostrando maturidade e serenidade. “Estou orgulhoso do trabalho que fizemos. Não foi agora, espero ter outra chance no futuro”, falou.

Pode ser que tenha. A presença de Hamilton em Abu Dhabi, domingo que vem, ainda não está garantida — ele ainda se recupera da Covid-19 e talvez não possa entrar nos Emirados Árabes se não testar negativo nos próximos dias.

Bottas, o grande perdedor do dia: atuação ruim desde a largada

O grande derrotado da noite amena no Bahrein, 21°C e um ventinho gelado de outono, foi Bottas. Depois de fazer a pole ontem, tinha uma quase obrigação de vencer a corrida tendo como companheiro um garoto que sentara no carro da Mercedes pela primeira vez dois dias antes. Mas as coisas começaram a dar errado para ele na largada. Porque largou mal. Perdeu a ponta antes da primeira curva e, aí, viu Russell começar a se distanciar, mantendo um absoluto controle sobre a corrida.

Com sua frieza habitual, Bottas reconheceu que largou mal, mas disse que antes do safety-car seu ritmo permitia imaginar que brigaria pela vitória com Russell no final. E não é mentira, ele estava se aproximando do inglês. Depois da confusão no pit stop, porém, despencou no pelotão e, com pneus duros usados, foi presa fácil para vários adversários. Terminou em oitavo. Mas evitou criticar o time. “Normalmente a gente acerta tudo. Erramos desta vez, e quando erramos erramos como equipe. Não faz sentido criticar ninguém agora. George fez um grande trabalho e provavelmente venceria hoje. Deu azar”, resumiu, com elegância.

Depois da corrida, Leclerc se desculpa com Pérez: mesmo caindo para último, mexicano venceu

A prova teve seu primeiro safety-car logo na primeira volta, quando Leclerc mergulhou por dentro na curva 4 para tentar passar Pérez e Verstappen, e acabou batendo no mexicano. O holandês da Red Bull conseguiu desviar do carro rosa, mas acabou se chocando contra a barreira de pneus. Resultado: Leclerc e Verstappen fora, Pérez caindo para a última colocação e um pedido de desculpas ao final da corrida. Na confusão geral, Sainz apareceu em terceiro, com Ricciardo em quarto e Kvyat em quinto.

A relargada aconteceu na sétima volta e o espanhol da McLaren partiu para cima de Bottas. Passou e levou o troco. Russell se mandou. Ninguém mais se lembrava de Pérez. Mas o mexicano foi à luta. Na 11ª volta, já estava em 11º prestes a entrar na zona de pontos de novo. Jorginho se estabilizava na ponta mantendo Bottas a dois, três segundos de distância. Os pit stops da Mercedes iriam demorar. Largando com médios, os dois relatavam aos boxes que a condição da borracha era boa, e seguiam com segurança em primeiro e segundo, a léguas do terceiro colocado.

Primeira parada de Russell: nessa, tudo bem; na seguinte, trapalhada da Mercedes

Foi só na volta 46 que Russell parou, para colocar um jogo de pneus duros e ir até o fim da prova. Voltou em segundo, 20s6 atrás de Bottas. mas começou a descontar. Quando Valtteri parou, na volta 50, perdeu a ponta e voltou mais de 8s atrás do jovem inglês. A vitória estava nas mãos de Russell, se nada de excepcional acontecesse.

E não aconteceu durante algum tempo, embora Bottas esboçasse uma reação. Depois de todos os pit stops, as cinco primeiras posições na volta 52 eram: Russell, Bottas, Sainz, Kvyat e Ricciardo. Pérez era o nono. Veio então um safety-car virtual por conta da quebra de Latifi, e alguns carros foram para os boxes para colocar pneus novos. Foi quando o mexicano renasceu na corrida. Ganhou as posições dos que pararam e apareceu em quarto. Na relargada, passou Ocon numa bela manobra e assumiu o terceiro lugar. Russell e Bottas estavam longe demais, mas de novo o acaso entrou em campo. Ou na pista, sendo mais preciso.

A asa de Aitken: safety-car e início das trapalhadas da Mercedes

Era a volta 61 das 87 previstas para o GP de Sakhir. Jack Aitken, substituto de Russell na Williams, roda bisonhamente na entrada da reta dos boxes e bate o bico, deixando sua asa dianteira no meio da pista. Primeiro, um safety-car virtual. Duas voltas depois, o carro de segurança entra na pista. E a Mercedes chama seus pilotos para levar a cabo a presepada do ano, já descrita lá em cima.

Mesmo assim, Russell ainda teve a chance de vencer, quando se livrou de três carros em cinco voltas depois da relargada, na volta 68. Quando o time alertou para o furo no pneu traseiro esquerdo, estava 2s2 atrás de Pérez, com dez voltas para chegar e passar — o que fatalmente aconteceria. Bottas, por sua vez, se arrastava com pneus duros usados, os mesmos que tinha quando parou pela segunda vez e foram recolocados em seu carro porque os originais estavam no de Russell. “Fizemos uma merda monumental”, definiu o chefe Toto Wolff.

Pérez: liderança graças à trapalhada da Mercedes e primeira vitória mexicana em 50 anos

Com a nova parada de George, Pérez respirou aliviado e se viu diante da possibilidade de ganhar pela primeira vez na F-1. Atrás dele estava Ocon, da Renault, que não tinha carro para chegar. Em terceiro vinha o companheiro do mexicano, Lance Stroll. E o pódio ficou assim. Ocon conseguiu seu melhor resultado na F-1 e, como Pérez, cruzou a linha de chegada chorando. Levou seu primeiro troféu para casa. Com o terceiro lugar de Lance, a Racing Point conseguiu o melhor resultado de sua história e firmou-se em terceiro no Mundial de Construtores com 194 pontos, abrindo dez de vantagem sobre a McLaren.

Sainz, Ricciardo, Albon, Kvyat, Bottas, Russell e Norris fecharam a zona de pontos. A festa da turma da Racing Point (todo respeito agora, é time que ganha corrida!) foi linda, com abraços, beijos, sorrisos e lágrimas. “Sonhei com este momento por dez anos. Achei que na primeira volta tudo estava perdido, mas nunca desisti. Sobre o futuro, estou em paz comigo. Não está mais nas minhas mãos. Se não estiver aqui no ano que vem, volto em 2022”, disse o mexicano.

Sergio no pódio: “Espero que isso não seja um sonho”

Pérez está fora da futura Aston Martin, sucessora da Racing Point, porque Vettel foi contratado pelo novo time para parear Stroll. Outra ironia: foi Sergio quem, em 2018, salvou a equipe de fechar as portas entrando com uma ação na Justiça que permitiu que a então Force India caísse num regime de recuperação judicial, em vez de falir de vez. Pagou salários de funcionários. E dois anos depois acabou demitido.

Sua chance de continuar correndo reside numa única possibilidade: a Red Bull, que ainda hesita para dispensar Albon e mudar sua política de só usar pilotos formados em suas fileiras. O tailandês fez mais uma prova discreta e chegou em sexto. Semana passada, mais uma ironia, conseguiu seu segundo pódio no ano graças à quebra do mesmo Pérez nas voltas finais do GP do Bahrein.

Pietro, 17º: cumpriu o que a equipe pediu e chegou ao final de seu primeiro GP

A corrida também marcou a estreia do brasileiro Pietro Fittipaldi, que chegou em 17º — o último entre os que terminaram a prova. Não cometeu erros, trouxe o carro intacto para casa, como se diz, e andou num ritmo parecido com o de seu companheiro na Haas, Kevin Magnussen.

Pietro terá a chance de fazer seu segundo GP domingo que vem em Abu Dhabi, já que Grosjean não tem condições de correr. “Foi uma loucura, difícil de andar no tráfego, frear atrás de outros carros, mas aprendi muito. Meu objetivo era terminar meu primeiro GP, e terminei”, falou, com humildade e sinceridade. Fez sua parte.

Russell na frente de Bottas: finlandês colocado em xeque

O GP de Sakhir deixou algumas lições, duas delas bem claras. Bottas vive um momento delicado, e se andar atrás de Russell de novo na prova que encerra o campeonato pode entrar numa espiral depressiva difícil de reverter. A outra foi a confirmação do talento de Russell, que na primeira chance que teve com um carro bom nas mãos mostrou que pode ganhar corridas, confirmando o acerto da Mercedes em apostar nele para o futuro. “Ah, e mostrou também que Hamilton não é tudo isso, qualquer um ganha com esse carro”, vão dizer os que insistem em não reconhecer o talento de Lewis, heptacampeão mundial.

Bom, uma afirmação dessas é uma bobagem tão grande que dá até preguiça de argumentar com quem pensa assim. Em vez de perder tempo discutindo teses rasas baseadas em uma única corrida, prefiro celebrar a emocionante vitória de Pérez, o inédito pódio de Ocon, a beleza do GP de hoje. Como digo sempre, provas como essa servem para nos lembrar que a F-1 respira, sim, e que o papo de que está chata e previsível é conversa de quem não sabe apreciar um lindo espetáculo.