Blog do Flavio Gomes
Indústria automobilística

A FORD, A FORD

SÃO PAULO (tudo muito cinza no horizonte) – A Ford acaba de anunciar o encerramento de suas operações no Brasil depois de 102 anos. As fábricas de Camaçari (BA), onde eram produzidos a EcoSport e o Ka, e de Taubaté (SP), de motores e transmissão, além da planta de Horizonte (CE), onde era feito o […]

SÃO PAULO (tudo muito cinza no horizonte) – A Ford acaba de anunciar o encerramento de suas operações no Brasil depois de 102 anos. As fábricas de Camaçari (BA), onde eram produzidos a EcoSport e o Ka, e de Taubaté (SP), de motores e transmissão, além da planta de Horizonte (CE), onde era feito o Troller, vão fechar as portas. Em fevereiro de 2019, a montadora americana já havia lacrado a fábrica de São Bernardo do Campo (SP), histórica, onde eram montados seus caminhões — foi comprada da Willys em 1967. Dos 6.171 funcionários da empresa no país, 5 mil serão demitidos. Essa massa de trabalhadores está distribuída assim: 1.652 em São Paulo, 4.059 na Bahia e 460 no Ceará.

Não vi ainda os cálculos dos especialistas sobre a quantidade de empregos indiretos que serão afetados com essa decisão. Segundo a Ford, ficarão ativos apenas o campo de provas de Tatuí (SP), um centro de desenvolvimento de produtos na Bahia e uma sede administrativa em São Paulo. O que vão testar em Tatuí e o que vão desenvolver na Bahia, isso não tenho a menor ideia.

Há uns anos, lembro de ter postado uma nota aqui no blog reportando que a Ford estava se redefinindo como uma “empresa de mobilidade”, tendo investido na compra de uma empresa que alugava bicicletas na Alemanha. Era um sinal.

Mas isso, claro, não explica tudo. Porque no Uruguai e na Argentina a montadora continuará produzindo seus veículos. O fechamento das fábricas da Ford no Brasil tem a ver com a desgraça em que este país foi transformado depois do golpe que tirou Dilma Rousseff da presidência, arrebentando o país e detonando seu mercado interno — golpe deflagrado assim que Dilma se reelegeu, quando empresários, mídia e elite econômica em geral decidiram sabotar o governo, inconformados com mais uma vitória do PT. Tem a ver com a mentira da política econômica neoliberal reformista levada a cabo a partir de Michel Temer. Tem a ver com a tragédia da eleição de um tosco ignorante para o Planalto, transformando o Brasil num país medieval e sem rumo, preocupado com mamadeiras de piroca, vacinas que transformam pessoas em jacarés e coisas do tipo.

E, desculpem, não tem nada a ver com “custo Brasil”, impostos, legislação trabalhista. Essas empresas estão aqui há anos. No caso da Ford, há mais de um século. Cada empresa se adapta ao país onde resolve se instalar. Essa baboseira toda de “custo Brasil” é compensada com moeda fraca, mão de obra barata, mercado interno extenso, capacidade de exportação e margens de lucro altíssimas.

É muito triste testemunhar o fim da trajetória de uma empresa como a Ford no país. Muito, muito triste. A marca do oval azul está aqui desde 1919, época em que automóveis ainda eram uma novidade planetária. Quando passou a produzir seus carros em São Bernardo em 1967 — até então a Ford operava com veículos que chegavam aqui desmontados –, entraram em nossas vidas o Galaxie, o Corcel, a Belina, o Escort, o Maverick, o Del Rey, a turma da Autolatina (Verona, Versailles, os modelos equipados com motor AP da VW), e depois Ka, Fiesta, Focus, EcoSport, e ainda os utilitários como a F75, a Rural, as picapes F-alguma-coisa (sou péssimo com os nomes-códigos), e os caminhões, e os tratores, é só olhar para o lado na rua e a gente vai ver um Ford rodando.

O que será das concessionárias? O que será de todos esses trabalhadores? O que será dos carros recém-comprados pelos consumidores em todo o Brasil?

O que será do meu Corcel II?