Blog do Flavio Gomes
F-1

NÃO ENCHE O SAKHIR (3)

SÃO PAULO (bom começo) – Farei aqui uma provocação, como se fosse um advogado redigindo uma inicial. Considerando… …que Hamilton é um gênio; …que também é muito experiente; …que pouco antes do ocorrido a equipe tinha avisado o requerente que não podia mais passar por fora da pista na curva 4; …que o mesmo retrucara: […]

Hamilton: 96 vitórias, e essa foi das mais difíceis

SÃO PAULO (bom começo) – Farei aqui uma provocação, como se fosse um advogado redigindo uma inicial.

Considerando…

…chegamos à conclusão que Hamilton armou uma arapuca para Verstappinho, que ainda tinha um tempinho de três voltas para passar o requerente em ponto menos perigoso, com asa móvel à disposição e tudo mais.

E Max caiu.

Max pelo lado de fora da curva 4: teria sido uma arapuca hamiltoniana?

Não sei o que vocês acham, talvez eu esteja superestimando a genialidade de Hamilton, mas gosto de algumas teorias mirabolantes e defenderei esta por algum tempo, até alguém me apresentar argumentos contrários.

No caderninho que comprei por R$ 4,69 no mercado para fazer minhas anotações nesta temporada (foram dois, um de capa verde e outro de capa vermelha), assim que Verstappen saiu de seu segundo pit stop, na volta 40, perdendo novamente a liderança para Hamilton, fui registrando as diferenças entre eles volta a volta. Lewis tinha parado na 29ª. Seus pneus, portanto, eram 11 voltas mais velhos que os do jovem Max. Ambos com compostos duros.

Na volta 41, a diferença pró-Hamilton era de 7s7. Nas seguintes, uma a uma, caiu para 6s6, 5s4, 5s1, 4s3, 3s9, 3s0, 2s7, 2s5, 1s8, 1s4, 0s6 e 0s1. Sempre na linha de chegada, a diferença anotada. Caindo de pouco em pouco, é verdade, nada muito absurdo. Mas como se sabe, em granjas a frase é muito famosa, de grão em grão a galinha enche o papo.

Na 53ª volta, portanto, um mero décimo, menos que uma piscadela, um pentelhésimo. Na 49ª, quando o engenheiro Bono — que não é o Vox — falou para o inglês que aquele moço que estava aparecendo no espelhinho era Verstappen, Lewis, com a autoconfiança que 95 vitórias e sete títulos injetaram em suas veias em anos de F-1, falou: “Deixa comigo, Bono”.

Hamilton para Bono, ao ver Max no retrovisor: “Deixa comigo!”

Se estava arquitetando alguma armadilha, acho que nunca saberemos. Às vezes é até instintivo. Seja como for, deu certo e o britânico, heptacampeão mundial, venceu uma prova de abertura do campeonato depois de seis anos — a última fora em 2015 na Austrália. Agora no Bahrein, circuito escolhido pela F-1 para dar o pontapé inicial na temporada mais longa da história, com 23 etapas previstas.

Venho dizendo, em textões e videozões, que este campeonato será diferente dos últimos baseado no que a Mercedes fez nos três dias de testes lá mesmo, no Bahrein, e no que aconteceu nos treinos de sexta e ontem. Verstappen enfiou uma luneta de quase 0s4 em Hamilton na classificação, largava na pole, era o favorito à vitória. E, no fim, ganhou a Mercedes de novo. Desde o início da era híbrida na categoria, em 2014, a equipe foi derrotada em provas de abertura apenas em 2017 e 2018, pela Ferrari de Sebastian Vettel.

Errei na previsão?

Não. Será, sim, um Mundial bem diferente, porque a Mercedes encontrou um adversário. Mas, se é assim, porque ganhou como sempre?

Aí é que está. Ganhou, mas não como sempre. A diferença na quadriculada entre Hamilton e Verstappen foi de 0s745. E Max teve de devolver a posição para Lewis depois de ultrapassá-lo a três voltas do final. Não conseguiu mais reagir porque seus pneus ficaram sujos, e a corrida acabou antes que pudesse tentar alguma coisa.

A Mercedes jogou na estratégia e driblou uma equipe que tem um carro mais rápido. E certas estratégias tendem a dar certo quando se tem o melhor piloto de todos os tempos a seu serviço.

Toto Wolff: nem ele acreditou

Para entender esta vitória, então, vamos começar do começo.

O GP do Bahrein teve um início com alguns solavancos, o primeiro deles chamado Nikita Mazepin, que rodou e bateu pateticamente na primeira volta, provocando a estreia de um Aston Martin como safety-car. Na relargada, na volta 4, foi a vez de Gasly acertar a traseira de Ricciardo obrigando a direção de prova a travar o pelotão com o safety-car virtual para limpar a pista. Só na quinta volta que a corrida foi começar de verdade. Até ali, de muito relevante, Bottas tinha perdido a terceira posição para Leclerc. E só. Verstappen e Hamilton eram os dois primeiros.

Bottas recuperou o terceiro lugar rapidinho, Norris e Leclerc travaram uma bonita disputa pelo quarto posto, Pérez — que largara do box quando seu Red Bull apagou na volta de apresentação — começava uma linda recuperação depois de antecipar sua primeira parada e, lá na frente, Hamilton mantinha Verstappen em seu campo visual sem permitir que o rapaz chegasse a abrir 2s de vantagem.

A jogada da Mercedes foi chamar Lewis para a primeira parada na volta 14, colocar pneus duros em seu carro e ordenar: enfia o pé que a gente dá o “undercut” no cara. “Undercut”, em português, é um acrônimo de “a gente para antes, coloca pneus novos, sai voando que nem louco, reza pra não ter ninguém na frente atrapalhando e quando ele parar vai voltar atrás se tudo der certo, e depois a gente vê o que faz”.

Numa dessas voltas pós-pit stop, Hamilton chegou a virar quase 3s mais rápido que Verstappen. Que foi parar na 18ª, para voltar em segundo 7s atrás do inglês, bufando de raiva. Mas estava com pneus médios, em tese mais rápidos que os do adversário. Teria de remar, mas uma hora chegaria nele para retomar a ponta.

Na chegada, 0s745 de vantagem: igual, mas diferente

Enquanto se desenhava uma disputa de gato e rato entre os dois pela vitória, lá no meio a gente se divertia com brigas de várias naturezas. A melhor delas na volta 21 envolvendo Alonso, Vettel (que não tinha trocado pneus ainda) e Sainz — oitavo, nono e décimo. Foi como ver dois craques veteranos fazendo embaixadinhas no gramado, com um garoto tentando roubar a bola; ele acaba roubando, mas sofre.

Max, previsivelmente, com borracha mais macia, foi tirando a diferença para Hamilton. Quando, na volta 28, armava o bote para passar, viu o inglês se pirulitar de novo para os boxes. Lewis colocou pneus duros novamente e voltou em terceiro. Verstappen reassumiu a ponta. Bottas era o segundo, mas seu pit stop, na volta 31, foi desastroso e ele saiu definitivamente da briga para a qual, na verdade, não havia sido convidado.

Verstappen, naquele momento, tinha 20s de vantagem para Hamilton e uma parada para fazer. E demorou para trocar seus pneus pela última vez. Foi na volta 40, quando Lewis já tinha descontado 6s e se preparava para liderar de novo no momento em que o holandês fosse para os boxes. Max colocou pneus duros para a parte final da corrida. Voltou quase 7s atrás da Mercedes #44. E, então, começou a perseguição já relatada lá em cima neste texto, que culminaria com a ultrapassagem defeituosa na volta 53, a posição devolvida, a derrota enfiada goela abaixo da Red Bull.

McLaren: Norris e Ricciardo nos pontos, com discrição

O brilho do duelo entre Hamilton e Verstappen ofuscou algumas atuações muito boas nessa prova de estreia, a melhor delas, sem dúvida, de Sergio Pérez. O mexicano chegou em quinto depois de largar em último e ganhou, inclusive, o título de “piloto do dia” concedido pelo amigo internauta. Ele contou que o carro apagou do nada na volta de apresentação e já estava pronto para bater no cinto e pedir umas fajitas com guacamole pelo iFood quando, de repente, tudo voltou a funcionar.

Fez as mais belas ultrapassagens da prova e mostrou que a Red Bull acertou na mosca ao contratá-lo. Chegou em quinto. É um pilotaço. Em condições menos adversas, e assim que acertar a mão em classificações, trará pontos de baciada para o time. E alguns troféus, também.

Pérez: estreia pela Red Bull com atuação digna dos grandes

Merecem destaque da mesma forma, embora com menos entusiasmo, as duplas de McLaren e Ferrari. Todos terminaram nos pontos. No time papaia, Norris foi quarto e Ricardão, sétimo. Na equipe vermelha, Charlinho terminou em sexto e Carlinhos, em oitavo.

Mas a gente gostou mesmo foi do Tsunoda.

Ou Tsufoda. Ou Tsunami. Vamos pensar no assunto.

Yuki, o ninja da AlphaTauri: pontos na estreia

Desde o GP do Bahrein de 2016 que um estreante não marcava pontos na F-1. Naquela ocasião, o belga Stoffel Vandoorne disputou a prova no lugar de Fernando Alonso pela McLaren, depois de um acidente que o espanhol sofrera na Austrália. Chegou em décimo. Coincidentemente, com motor Honda, também.

Hoje, Yuki fez uma prova corretíssima, largando apenas em 13º, e terminou em nono fazendo algumas ultrapassagens muito bonitas e esbanjando respeito por seus rivais. “Foi muito emocionante passar Alonso”, contou. “Depois que passei, procurei copiar o que ele estava fazendo na minha frente.” Quando Alonso estreou na F-1 pela Minardi, em 2001, Tsunoda era um bebê de menos de um ano de idade que comia papinha em Sagamihara, no Japão.

É o máximo.

Vettel se desculpa com Ocon: péssima estreia

Quem não foi o máximo, longe disso, foi Vettel. Largou em último depois de perder cinco posições no grid por ter feito sua volta de classificação com bandeiras amarelas na pista, e depois, na corrida, acertou a bunda de Ocon numa freada desastrada. Só neste fim de semana, levou cinco pontos na carteira. Foi lá pedir desculpas ao francês da Alpine, OK, gesto nobre. Mas seu desempenho foi horroroso, 15º lugar com um pênalti extra de 5s por ter batido no carro azul do colega.

Sebastian foi o único piloto a fazer a prova inteira com apenas uma parada, na volta 25. A estratégia evidentemente deu errado. Para não dizer que foi tudo uma desgraça, chegou a ocupar o sétimo lugar lá pela volta 19, quando todos tinham feito seus pit stops e ele seguia se arrastando com borracha em petição de miséria pela pista barenita.

Mas é muito pouco. Stroll, pelo menos, terminou em décimo e fez um pontinho para a Aston Martin. Que decepcionou como um todo — a equipe andou para trás em relação ao que fizera no ano passado como Racing Point.

Fim de prova no Bahrein: Bottas fez a volta mais rápida

Alpine e Alfa Romeo também podem ser colocadas no balaio das decepções. A primeira porque mostrou estar longe de McLaren e Ferrari — para ficar apenas no segundo pelotão — e a segunda, porque dela se esperava ao menos alguma briga por pontinhos mais robustos do que as migalhas normalmente reservadas ao nono ou décimo colocados. É verdade que Raikkonen chegou perto, mas sem empolgar. Ficaram devendo, ambas.

Dos estreantes, Tsunoda já foi aplaudido e Mick Schumacher pelo menos levou o carro até o final sem muitos sobressaltos. Seu pai, quando estreou há 30 anos na Bélgica, quebrou na primeira volta. Mazepin é uma anomalia. Na Inglaterra já estão chamando o bobalhão de Maze-Spin. Eu já nem sei o que dizer.

Mick Schumacher: estreia correta, nada além disso

Sobre a transmissão da TV, agora, porque sei que será muito discutida, debatida, elogiada e criticada.

A Band (argh, detesto Band, sempre vou falar Bandeirantes) começou cedo a falar de F-1, lá pelas 9 da manhã, e terminou bem depois do pódio, o que é uma delícia para quem gosta de corridas. Claro que não será assim sempre — esse pré-hora, como a gente chama em TV, tão longo. Mas era a volta da F-1 ao canal depois de 40 anos, então tudo se justificava. Comecei a ver quando Piquet chegou aos estúdios. O pessoal na apresentação não escondia a ansiedade, e a conversa com o tricampeão e seu filho Nelsinho ficou meio truncada. Tanto que o destaque, ao menos nas redes sociais, foi o momento em que Piquet chamou a Globo de “globolixo”.

Há quem ache engraçado. Eu considero apenas boba, essa referência. Molecagem de Nelson-pai — quase previsível, eu diria, do tipo que já perdeu a graça. Até porque o termo vem sendo usado por bolsominions nas mesmas redes, e Piquet tem feito esse papel, infelizmente, de defender o seboso nojento e fedido que virou presidente. Problema dele.

Com “bola rolando”, como se diz, o quarteto Sérgio Maurício/Reginaldo Leme/Felipe Giaffone/Mariana Becker se virou bem. Achei que o narrador abusou um pouco do “espetacular” para qualquer coisa que acontecia na pista, mas isso é um pouco meu gosto pessoal. Não curto muito, em emissora nenhuma, narrações que ficam levantando a bola demasiadamente do evento. Se o espetáculo é bom, ele se basta. Não precisa ninguém gritando a todo momento que é espetacular e sensacional. Mas, repito, é gosto pessoal. Sempre fui mais comedido no ar.

O pós-corrida, para mim, foi o destaque. Primeiro, o pódio. Depois, a chance de Mariana entrevistar o vencedor, Hamilton. Na sequência, o bate-papo no estúdio, que não acompanhei até o fim. Mas estava agradável, até onde vi.

A audiência média da corrida foi de 5,1 pontos, com pico de 6,1. Menos do que a Globo apresentava no ano passado — o GP do Bahrein de 2020 deu 9,3 de média. Não é ruim. E acho que tende a aumentar na medida em que o público for descobrindo onde estão as corridas agora.

Deu tudo certo, em resumo. Para a F-1 e para a emissora. E vamos em frente.

Hamilton festeja mais uma: tudo certo para a F-1 e para a Bandeirantes