Blog do Flavio Gomes
F-1

TEA FOR TWO (3)

SÃO PAULO (que campeonato, putz!) – Para começo de conversa: eu não teria punido ninguém, mas entendo que a FIA seguiu seu padrão dos últimos anos, de puxar orelhas, e por isso ninguém deve ficar revoltado ou quebrar a tela de LED da TV. Para meio de conversa: se sou Hamilton, não tiro o pé […]

Hamilton: 99 vitórias, quarta na temporada e de novo na briga

SÃO PAULO (que campeonato, putz!) – Para começo de conversa: eu não teria punido ninguém, mas entendo que a FIA seguiu seu padrão dos últimos anos, de puxar orelhas, e por isso ninguém deve ficar revoltado ou quebrar a tela de LED da TV.

Para meio de conversa: se sou Hamilton, não tiro o pé mesmo. Afinal, estou atrás na classificação e o que vier é lucro num fim de semana em que fiz uma pole que não valeu e em que perdi o primeiro lugar no grid numa corrida de tiro curto que inventaram justo quando consigo andar na frente de novo.

E para fim de conversa: se sou Verstappen, tomo um pouquinho mais de cuidado nesse tipo de briga franca e aberta, porque lidero o campeonato e tenho mais a perder do que os outros, neste momento. O holandês saiu de Silverstone zonzo e quase zerado — levou três pontinhos ontem na Sprint. Perdeu muito ao pagar para ver se o outro iria afinar. O outro não afinou, ganhou e encostou na tabela. E, como desejava, saiu no lucro.

Talvez Max tenha de repensar uma coisinha ou outra na situação em que se encontra em 2021. Não, ele também não tem a obrigação de estender o tapete vermelho para ninguém, claro. O que se espera de um piloto é isso: brigar pela posição, não aliviar para ninguém. Ainda mais quando se trata da liderança de um GP contra seu maior adversário. OK, o que ele fez não tem nada de tão desastroso nem foi uma imprudência inadmissível — ele fez isso anos atrás com Ocon no Brasil, isso sim.

Só que, às vezes, uma levantadinha no do pedal acelerador para não jogar pontos pela janela é recomendável. Ninguém iria chamá-lo da banana se o fizesse. Porque corrida não se ganha na primeira volta, diz uma máxima do automobilismo. E quando você tem um carro muito bom, capaz de ganhar qualquer prova, algumas opções têm de ser consideradas numa disputa como a da primeira volta do GP da Inglaterra de hoje — épica, diga-se. No passado recente, até outro dia, Max era franco atirador. Podia guiar como um alucinado à vontade, porque título era algo fora de seu alcance. Agora, luta de verdade para ser campeão. O franco atirador é outro.

O momento do toque na Copse: notem o volante virado de Hamilton

Foi, mesmo, um momento mágico o início da décima etapa do Mundial. Nas oito primeiras curvas de um traçado velocíssimo, Verstappen e Hamilton, pilotos excepcionais, reviveram em modo compacto o duelo entre Villeneuve e Arnoux em Dijon-Prenois — o primeiro pela Ferrari, o segundo pela Renault, valendo o segundo lugar do GP da França na distante temporada de 1979. Lado a lado, separados por centímetros, furiosos, alucinados, partiram como se suas vidas dependessem de quem iria fechar a primeira volta na frente. Apesar de fazer alguma ressalva ao comportamento de Verstappen — porque, como já dito, tinha mais a perder –, entendo sua tenacidade. Pilotos são assim. Hamilton também foi agressivo. E ninguém jogou o carro em cima de ninguém.

Só que quando chegaram à curva 9, a Copse, clássica curva de alta do não menos clássico circuito inglês, Hamilton viu um espaço e se jogou por dentro. Por fora, Verstappen não recolheu. Ali não precisa frear. Acelerou ainda mais. Contou com uma improvável cautela do rival. Improvável, porque àquela altura, depois de oito curvas olhando nos olhos de Max, não seria ali que Hamilton iria desistir da briga. O resultado foi um toque. De Verstappen em Lewis, roda traseira direita da Red Bull na dianteira esquerda da Mercedes. Os dois poderiam se dar mal. Mas só um se espatifou na barreira de pneus. Foi Max, numa pancada respeitável, com impacto calculado em 51G. O carro ficou destruído. O piloto, zonzo. Não quebrou nada. Foi levado ao hospital para checar se estava tudo no lugar. Aparentemente, e felizmente, está tudo bem com ele.

Hamilton vai buscar Leclerc no final: vitória redentora

Atrás dos dois, de camarote, quem assistia à dupla exibição de valentia era Leclerc, que largou bem e ganhou a terceira posição de Bottas — Norris também passou o finlandês. Enquanto Verstappen se estatelava de um lado e Hamilton tentava entender o que acontecia do outro, passou e assumiu a liderança. Pouco depois, a direção de prova suspendeu a corrida e chamou todo mundo para os boxes. Além do resgate complicado de Max, seria preciso reconstruir a barreira de pneus.

A tensão que se viu no autódromo na meia hora de paralisação até a segunda largada deveu-se menos ao estado de saúde do holandês, que saiu andando do carro — embora meio grogue –, e mais às reações imediatas dos protagonistas. O que diria o chefe da Red Bull, Christian Horner? Como ficaria Hamilton, do ponto de vista anímico, ao ver na TV o quer acontecera com seu adversário? O que fariam os comissários esportivos em relação ao acidente?

Sem Verstappen na pista, com uma surpreendente Ferrari em primeiro e seu carro praticamente intacto, Hamilton se viu numa condição clara de vitória depois de dois dias bem distintos que vivera em Silverstone. Começara com a euforia pela primeira posição na classificação de sexta, passara pela decepção de perder a corridinha de sábado — e a pole-position — e desembocava numa chance de virar o jogo de novo e ganhar em casa. Era questão de respirar fundo e traçar uma estratégia que lhe permitisse superar Leclerc no caso de um pênalti que ele sabia ser bem possível.

Assim que foi dada a nova largada, com Charlinho mantendo a ponta, veio o aviso: 10 segundos de punição, que ele teria de pagar no momento em que fosse para os boxes trocar pneus. O roteiro lógico: passa Leclerc rápido, tenta abrir uma boa vantagem e vê no que vai dar. Só que a primeira parte do plano ficou na teoria. Hamilton simplesmente não conseguiu se aproximar da Ferrari — que sofria com apagões do motor, para desespero do monegasco — e quando fez seu pit stop, na volta 27, caiu para a quinta colocação. À sua frente, Leclerc, Sainz (que ainda não tinha parado), Bottas e Norris.

Norris: alvo imediato de Lewis após os pit stops

Sainz foi prejudicado por uma parada lenta e ficou para trás. Leclerc parou na volta 30 e manteve a ponta. Bottas já tinha trocado seus pneus na volta 22, recuperando a posição perdida para Norris, que fez um mau pit stop. Na 31ª, Hamilton passou o inglês da McLaren e assumiu a terceira posição. Na prática era a segunda, porque a Mercedes, obviamente, pediria a Valtteri para dar passagem ao primeiro piloto do time — o que aconteceu na volta 41. E aí, na volta 42, a disputa ficou restrita a Leclerc e Hamilton, 7s5 atrás. Faltavam dez voltas para o fim da corrida e restava uma interrogação no ar: ele conseguiria chegar?

À razão de um segundo por volta mais rápido que a Ferrari #16, Lewis, começou a remar com vigor. Guiando como um maluco, foi tirando a diferença até chegar a menos de um segundo de distância na volta 50. E na mesma Copse do acidente da primeira volta, ultrapassou Charles, assumindo a ponta. Silverstone quase veio abaixo. E, assim, o piloto conseguiu sua quarta vitória no ano, 99ª na carreira, oitava na pista onde a F-1 começou sua história, em 1950.

A aproximação a Leclerc: vitória a duas voltas do final

A torcida, calculada em 356 mil pessoas nos três dias do evento, delirou como se estivesse comemorando um gol — como escreveu meu amigo Fábio Seixas, espantando o fantasma da derrota da seleção inglesa na final da Eurocopa para a Itália em Wembley, semana passada.

Ao cruzar a linha de chegada, Hamilton recebeu de um comissário de pista uma bandeira do Reino Unido e com ela desfilou pelos quase 6 km de Silverstone extático. Somou 25 pontos importantíssimos (a melhor volta ficou com Sergio Pérez, mas fora da zona de pontuação; a Red Bull colocou pneus macios no carro do mexicano só para ele tirar o ponto extra de Hamilton) e encostou em Verstappen na classificação. Os 33 pontos que o holandês tinha de vantagem no início da prova caíram para oito: 185 x 177. “Parece um sonho”, disse o heptacampeão mundial olhando para a massa nas arquibancadas.

Torcida delira em Silverstone: Wembley com uma semana de atraso

Sua alegria, porém, contrastava com a revolta da Red Bull. “O que Lewis fez foi perigoso e inaceitável. Ele é experiente o bastante para saber que numa curva como a Copse, a mais rápida do campeonato, não se faz o que ele fez. Estou muito decepcionado de ver um piloto do calibre dele fazer isso. Foi um acidente muito violento”, falou Horner. Hamilton se defendeu, em longa declaração. “Ele [Max] não precisava ser tão agressivo. É legal ver pilotos de alto nível tocando rodas, disputando como disputamos. Mas ninguém quer que termine assim. Eu tentei dar espaço a ele. Nenhum de nós tirou o pé, e quando ninguém tira o pé o resultado é esse. Nunca é culpa de um só. Aceitei a punição que recebi e lutei para vencer. Não tira o brilho da minha vitória, porque isso é corrida. Essas coisas acontecem. A gente nunca sabe quão agressivo um piloto pode ser na pista. Gosto de disputar com ele. Mas nunca vou tirar o pé, e sei que ele também não. A gente precisava dos pontos. Ele deixou um espaço e eu fui.”

Hamilton também agradeceu a Bottas — “é um grande companheiro de equipe, sem ele não venceria hoje” — e deu um recado muito claro para Verstappen. No mano a mano, não pretende facilitar as coisas para um piloto que, segundo ele, “corre por uma equipe fantástica que tem um grande carro”. “Lewis não tem as mesmas ferramentas neste ano que teve no passado”, disse seu chefe Toto Wolff. “É um desafio diferente, e em acidentes como o de hoje é preciso dizer que para dançar um tango sempre é preciso que haja duas pessoas. É corrida, se ninguém tira o pé pode acontecer o que aconteceu. O importante é que Max está OK.”

Com a bandeira na volta de comemoração: vitória improvável

A FIA informou que puniu Hamilton porque na curva 9 ele manteve uma linha distante da tangência, ainda que tivesse espaço para isso. A famosa “espalhada”, argumentarão aqueles que defendem a punição. Helmut Marko, dirigente da Red Bull, bradou que ele deveria “perder a superlicença”. “Não acho que eu tenha de me desculpar com ninguém”, rebateu o piloto.

Não é a opinião de Verstappen. Em declaração postada no Twitter, o holandês disparou: “Feliz que estou OK. Mas muito chateado por ter saído da corrida desse jeito. A punição a ele não nos ajudou em nada e não faz justiça à manobra perigosa que Lewis fez na pista. Vendo sua comemoração pela TV no hospital, achei seu comportamento desrespeitoso e não compatível com o que se espera de um esportista. Mas vamos em frente.”

Carro de Verstappen destruído: clima azedou

Parece claro que o clima entre os dois vai se deteriorar, a não ser que haja uma boa conversa antes do GP da Hungria. A Red Bull saiu no prejuízo do fim de semana de Silverstone, tendo marcado apenas os três pontinhos da Sprint, contra 43 da Mercedes. Os rubro-taurinos ainda lideram entre as equipes, mas agora com meros quatro pontos de vantagem: 289 x 285.

Leclerc e Bottas fecharam o pódio, com Norris, Ricciardo, Sainz, Alonso, Stroll, Ocon e Tsunoda na zona de pontos. McLaren e Ferrari seguem próximas na briga pelo terceiro lugar, com o placar apontando 163 x 148 para o time laranja. A disputa pela quinta posição também está ótima: AlphaTauri com 49, Aston Martin com 48 e Alpine com 40. A equipe francesa conseguiu pontuar com seus dois carros e teve em Alonso, sétimo, um dos destaques do dia.

Alonso, sétimo: um dos nomes do final de semana

Leclerc, segundo colocado, foi escolhido por 34% dos amigos internautas como Piloto do Dia. A Ferrari comemorava 70 anos de sua primeira vitória na F-1, obtida lá mesmo em Silverstone no dia 14 de julho de 1951 com o argentino José Froilán González (1922-2013). Por duas voltas, não festejou a data em sua plenitude. “Estou metade triste e metade feliz”, disse Charlinho. “Dei 200% de mim, mas no final, com pneus duros, nosso ritmo não era o mesmo e para Lewis me passar era uma questão de tempo.” Mas ninguém pode reclamar de Leclerc. Fez mais do que seu carro permite, essa é a verdade.

Norris, o quarto colocado, segue em terceiro no Mundial de Pilotos, agora com 113 pontos. É o único que pontuou em todas as corridas do ano. A McLaren finalmente viu uma boa atuação de Ricciardo, que conseguiu, com a quinta posição, seu melhor resultado na temporada.

Resultado final em Silverstone: dois abandonos

No pódio, Hamilton abraçou seu lindo troféu com carinho. Foi o oitavo correndo em casa. Os demais ele conquistou em 2008, de 2014 a 2017 e, depois, de 2019 a 2021. Ano passado, por causa da pandemia, Silverstone sediou dois GPs, o da Inglaterra e o dos 70 Anos da F-1, este vencido por Verstappen.

Infelizmente, sua alegria ao receber a taça e o arrebatamento dos torcedores a Band não mostrou. A exemplo do que fizera a Globo nas últimas temporadas, a emissora paulista cortou a transmissão para passar uma corrida de Porsche em Interlagos. Falta de sensibilidade total. Pode parecer uma bobagem encerrar o relato de um dia tão bonito com essa observação, mas quando é para elogiar, a gente elogia. E quando cabe uma crítica, que seja feita.

De qualquer modo, foi um domingo luminoso para a categoria. Ainda que com polêmica, que vai perdurar por muitos dias, o campeonato renasceu depois de cinco vitórias seguidas da Red Bull. Hamilton e a Mercedes não jogaram a toalha. Podem até perder os títulos — e acho que vão. Mas hoje ambos, piloto e equipe, avisaram que não será sem luta.

Hamilton com a taça: oitava em GPs da Inglaterra

Para quem quiser acompanhar uma boa discussão sobre o GP da Inglaterra, é só assistir ao “Fórmula Gomes” que foi levado ao ar de noite no meu canal no YouTube. O link é este aqui.