Blog do Flavio Gomes
F-1

SPANTOSAS (3)

ITACARÉ (histórico) – Não adianta dar chilique. Não adianta xingar o diretor de prova, a FIA, os comissários, a Liberty. Não adianta ficar repetindo feito matraca que antigamente corriam de qualquer jeito, que a F-1 está mimizenta, que os pilotos são medrosos. Não adianta ficar lembrando que já teve corridas no passado em condições piores, […]

Safety-car na tentativa de largada: não deu

ITACARÉ (histórico) – Não adianta dar chilique. Não adianta xingar o diretor de prova, a FIA, os comissários, a Liberty. Não adianta ficar repetindo feito matraca que antigamente corriam de qualquer jeito, que a F-1 está mimizenta, que os pilotos são medrosos. Não adianta ficar lembrando que já teve corridas no passado em condições piores, nem berrar “pra que servem os pneus de chuva, então?”.

Se algo deve ser criticado hoje depois do que aconteceu em Spa-Francorchamps são as imprecisões do regulamento — que não preveem tudo, paciência. Essas imprecisões podem ter causado algum ruído no entendimento formal do evento, a saber: afinal, quantas voltas teve essa corrida? Por que Pérez pôde largar? Por que chutaram um número de 39 voltas e depois meteram um cronômetro com contagem regressiva de uma hora?

Mas isso não tem nenhuma importância diante da decisão essencial e, essa sim, perfeita: não dá para correr, não corre. Ponto. Cumprir um número de voltas X atrás do safety-car para atender às demandas contratuais e estatutárias é apenas um teatrinho sem maior relevância. É meio ridículo, bobo, mas repito: o importante era assumir que com aquela chuva toda o risco para a vida dos pilotos seria enorme. Se no passado deixavam correr de qualquer jeito, lamento pelo passado. Muita gente morreu e se machucou por isso. Os tempos são outros. Felizmente as pessoas estão mais responsáveis. O público pagou e ficou tomando chuva? Paciência. Acontece. Ninguém está pedindo para que todo mundo fique feliz por isso. Mas acontece e não é culpa de ninguém. É raro, mas não anormal. Foi apenas a sexta vez em mais de 70 anos de F-1 que um GP teve seus pontos divididos pela metade.

Estão todos vivos. E isso é o que importa.

GP de uma volta: oficialmente, foi isso

Aí está o resultado oficial do GP da Bélgica de 2021, vencido por Max Verstappen segundo a classificação da pista na primeira volta, a penúltima antes da volta na qual a mensagem de “corrida suspensa” foi emitida. George Russell foi o segundo e Lewis Hamilton, o terceiro. “O líder cruzou a linha de controle três vezes cumprindo a exigência de ter completado mais de duas voltas, de forma que metade dos pontos sejam atribuídos”, informa o texto no rodapé.

Poderiam ter cancelado o GP? Sim, mas as regras oferecem algumas possibilidades para evitar isso e elas foram aplicadas. Poderiam ter passado para amanhã? Talvez, mas seria complicado — a pista é uma estrada aberta ao tráfego, os voluntários têm de trabalhar, mas o que eliminou essa possibilidade foi a previsão de tempo para a segunda-feira, de chuva o dia inteiro de novo. O que se fez foi… tentar. Já vimos provas atrasadas, já vimos provas encerradas antes do tempo, já vimos de tudo. Tentaram. Não deu. Domingo que vem tem outra.

“Money talks”, disse Hamilton, num discurso meio vazio, desnecessário e com ares de clichê. “Não sei quanto tempo as pessoas ficaram lá tomando chuva ou na frente da TV, mas no fim das contas a decisão foi correta, não há por que correr riscos desnecessários”, falou Vettel. Muito mais sensato. Claro que ninguém gostou do que aconteceu, é esquisito considerar essas voltas atrás do safety-car uma corrida, mas é o que sempre digo: para situações excepcionais, soluções excepcionais.

De novo: estão todos vivos, e isso é o que importa.

A espera no pitlane: chuva foi implacável

De uma maneira ou de outra, acabou sendo um domingo histórico. Foi o GP mais curto de todos os tempos, superando o da Austrália de 1991, interrompido após 14 voltas e muitos acidentes por causa da chuva em Adelaide. Com metade dos pontos atribuídos aos dez primeiros, Verstappen reduziu de 8 para 3 pontos sua diferença para Hamilton na classificação: 202,5 a 199,5 para o inglês. Max chegou à sua 16ª vitória na F-1, sexta no ano. Russell subiu ao pódio pela primeira vez e deu à Williams um troféu depois de quatro anos — terceiro lugar de Lance Stroll no GP do Azerbaijão de 2017. Como Latifi foi o nono, a equipe somou pontos com seus dois pilotos pela segunda vez seguida. Ricciardo, em quarto, obteve sua melhor posição com a McLaren.

Os pilotos, claro, sabem que o valor desses resultados é bem relativo. Mas como tirar de Russell a alegria pelo segundo lugar? Um GP tem três dias, afinal. Seria justo que ele saísse de mãos abanando depois do extraordinário segundo lugar no grid de ontem? Sua alegria era genuína e merecida. Os outros dois do pódio, mais acostumados à cerimônia, não saíram saltitando pelo paddock. Compreensível. Têm, ambos, uma coleção de taças. E, no geral, todos os pilotos compreenderam o esforço para se fazer a corrida e aceitaram sua não realização. Preferiram, em vez de criticar “o sistema” — Hamilton à parte –, elogiar o público que, resiliente, ficou debaixo do temporal por horas a fio até que a prova fosse declarada encerrada, às 18h44 locais.

Público paciente: ninguém arredou pé até o final

O dia começou chuvoso de novo na região das Ardenas e na hora da largada, 15h locais (10h aqui), a direção de prova já avisou que a programação iria atrasar. Às 10h25, atrás do safety-car, os carros foram para a volta de apresentação. Um já estava fora: Sergio Pérez tinha batido na Les Combes quando ia para o grid.

Foram duas voltas seguindo o Mercedão vermelho pilotado por Bernd Mayländer e a constatação: com o tanto de água na pista e a chuva que não parava, a visibilidade era nula. Não haveria condições de começar a corrida daquele jeito. E a bandeira vermelha foi acionada, com os pilotos chamados para o pitlane.

Pérez bate a caminho do grid: condições impraticáveis

A partir daí, o que se viveu em Spa foi espera, e nada mais. De vez em quando a direção de prova avisava que dali a tantos minutos daria mais alguma informação. Enquanto isso, discutia-se se Pérez poderia largar, já que a Red Bull arrumou a suspensão de seu carro. No fim, permitiram, desde que fosse dos boxes.

Foi só às 13h07 (de Brasília) que a direção de prova anunciou: daqui a dez minutos vai começar. Em relação ao horário original de largada, já haviam se passado mais de três horas. Há uma resolução que limita em três horas a duração do evento, independentemente do número de voltas completadas ou interrupções forçadas. Mas, por “motivos de força maior”, a direção de prova parou esse cronômetro e reservou uma hora para a corrida, se houvesse condições de largar.

Às 13h17 os carros foram para a pista, de novo atrás do safety-car. Às 13h25, nova bandeira vermelha. Às 13h44, o anúncio: acabou, vamos para casa.

Nessas três horas entre a primeira largada e a tentativa da segunda, viu-se de tudo nos boxes. Equipes jogando baralho, tomando café, chá e chocolate quente, piloto jogando bola, acenos para a torcida, um dormindo, outro vendo mensagens no celular, outro tirando selfie…

De vez em quando o carro médico ia para a pista verificar as condições e voltava com más notícias.

O acidente de Norris ontem e a lembrança da morte de Jules Bianchi no lusco-fusco molhado de Suzuka, anos atrás, certamente levaram Michael Masi a pensar mais de duas vezes antes de soltar todo mundo na pista. É verdade que os pneus de chuva drenam 80 litros por segundo quando passam pela água e depois de algumas voltas é possível que o asfalto começasse a melhorar. Mas qual o preço a pagar até isso acontecer? Acidentes, certamente. Porque, de fato, não estava dando para enxergar “mais de cinco metros à frente”, nas palavras de Hamilton — que, diga-se, também concordou com a suspensão da prova.

O discurso comum de pilotos e chefes de equipe foi de que, ao fim e ao cabo, Masi fez muito bem de impedir a corrida de ter continuidade. “Se alguém roda na primeira volta, acontece um acidente enorme. Não tinha condição nenhuma”, disseram, em coro, Gasly e Tsunoda — para quem “do sétimo para trás ninguém estava enxergando nada”. O diretor de prova jura que quando mandou todo mundo para a pista na segunda vez, a intenção era mesmo de largar. Mas a chuva persistente e os testemunhos dos pilotos, além das imagens da TV, se encarregaram de abortar a ideia.

São outros tempos, como já dito, de maior preocupação com a segurança e responsabilidade coletiva. Não vi nenhum piloto contrariado por não correr — a condução do processo pode ter desagradado alguém, mas não se ouviu de ninguém que dava para se jogar de peito aberto naquela água. “Claro que a gente não gostou da história de dar metade dos pontos, mas as regras preveem essa possibilidade e agora não temos de reclamar, é empacotar as coisas e seguir para a próxima”, falou o chefe da Mercedes, Toto Wolff. “Os verdadeiros heróis hoje foram os torcedores. Mas não havia condição nenhuma de correr, seria muito perigoso.”

No cercadinho das entrevistas, a imagem mais bem acabada de como a maioria encarou o dia de hoje com naturalidade — sem a revolta de fãs e comentaristas que notei ao longo da tarde — foi a brincadeira de Norris com Verstappen. Ela pode ser vista neste vídeo aqui. “Grande corrida, Max”, falou o inglês. “Eu estava chegando em você!” O holandês, que não é exatamente o rei da simpatia, riu gostoso.

Todos voltaram para casa vivos. É para ficar revoltado?