Blog do Flavio Gomes
F-1

BELLA CIAO (3)

SÃO PAULO (tretas, gostamos!) – Por onde começar? Pela dobradinha da McLaren, histórica, emocionante? Pela redenção de Daniel Ricciardo, que não vencia uma corrida desde 2018 em Mônaco, ainda pela Red Bull, e vinha sendo considerado a maior decepção da temporada? Pelos números da equipe laranja, que não ganhava um GP desde 2012 no Brasil […]

Ricciardo: primeira vitória desde Mônaco/2018

SÃO PAULO (tretas, gostamos!) – Por onde começar? Pela dobradinha da McLaren, histórica, emocionante? Pela redenção de Daniel Ricciardo, que não vencia uma corrida desde 2018 em Mônaco, ainda pela Red Bull, e vinha sendo considerado a maior decepção da temporada? Pelos números da equipe laranja, que não ganhava um GP desde 2012 no Brasil com Jenson Button e mesmo assim segue sendo a segunda maior vitoriosa da história, com 183 triunfos (só perde para os 238 da Ferrari)? Pelos 11 anos que se passaram desde o último 1-2 para o time de Woking, com Lewis Hamilton e Button no Canadá em 2010? Ou pelo acidente entre Max Verstappen e Hamilton, os grandes protagonistas do Mundial?

O GP da Itália surpreendeu. Desde sexta-feira, diga-se. Foi um fim de semana em que o favoritismo trocou de mãos entre Mercedes e Red Bull, depois da classificação e da Sprint, e acabou com uma inesperada dobradinha de quem não estava lá muito bem cotado nas casas de apostas. Foi a primeira de uma equipe neste ano — sim, só a McLaren fez dobradinha em 2021, acreditam? E Ricciardo, agora com oito vitórias no currículo, foi o 12º piloto a subir no pódio neste que é um dos melhores campeonatos de todos os tempos. Mais de meio grid já levou ao menos uma tacinha para casa.

Mas vamos começar pelo acidente, afinal ele é mais relevante para o campeonato e terá consequências — a maior delas, o previsível acirramento de uma rivalidade que, para muita gente, corre o risco de passar dos limites do razoável. E uma imediata: a perda de três posições no grid para Verstappen na próxima corrida, em Sóchi, por decisão dos comissários depois do GP, que o responsabilizaram pelo sinistro.

A batida aconteceu na metade da corrida, na volta 26, graças a um capricho dos deuses do automobilismo, sejam eles quem forem. Dois pit stops ruins, de Red Bull e Mercedes, fizeram com que Hamilton e Verstappen se encontrassem na pista depois de passarem o tempo todo, até ali, caçando os pilotos da McLaren em Monza. Max, que largou na pole e perdeu a liderança para Ricciardo, ficou na cola do australiano até a parada para troca de pneus, quando esperava ganhar a posição no famoso “undercut”. Mas um problema na colocação da roda dianteira direita de seu carro, na volta 24, fez com que o pit stop consumisse intermináveis 11s1 de seu tempo precioso.

Pouco depois, na 26ª volta, foi a vez de a Mercedes demorar mais do que o normal na troca de Hamilton, 4s2, perdendo a chance de devolvê-lo à pista na frente de Norris, a quem perseguia desde a primeira volta na luta pela terceira colocação. Ele só conseguiu a ultrapassagem pouco antes do pit stop. Lewis saiu dos boxes e viu o jovem britânico novamente passando à sua frente. E, pior: tendo de dividir a primeira curva, vejam só, justo com Verstappen — que vinha babando logo atrás. Com Max atrasado pela parada desastrosa, Hamilton, se tudo desse certo, voltaria em segundo, tendo apenas Ricciardo à frente. E numa situação interessante: como largou de pneus duros, contra os médios dos principais rivais, faria a segunda metade da corrida com os médios, uma borracha teoricamente mais veloz. Dava para pensar em vitória.

Só que não deu tão certo assim, por conta do pit stop lento da Mercedes. E a dividida com Verstappen resultou nessa sequência de imagens aí no alto. Hamilton cruzou a pista assim que terminou a linha branca da saída dos boxes, deu o lado de fora da tomada para a primeira chicane para o holandês, fez a curva 1 para a direita e Max, ao seu lado, não tirou o pé. Hamilton também não aliviou e reduziu o espaço para o rival. Quando ambos viraram para a esquerda, em baixa velocidade, o choque foi inevitável. Para piorar, Verstappen decolou na zebra interna em forma de salsicha, sua roda traseira se enroscou no carro de Hamilton e os dois foram parar na brita. Um em cima do outro. O Halo, que protege a cabeça dos pilotos, salvou Lewis. Porque o carro de Verstappen aterrissou em cima do cockpit da Mercedes #44.

A imagem está aí embaixo. E é assustadora.

Hamilton x Verstappen: podia ter terminado mal

Verstappen saiu do carro e nem quis saber de Hamilton. Voltou a pé para os boxes sem olhar para trás. Atitude lamentável. Sabendo que tinha pousado em cima do colega, nem foi ver se estava tudo bem com ele. Coisa de moleque marrento e mal-educado. Pouco depois começou a batalha das versões, com declarações fortes de todos os lados. A saber:

Verstappen: “Ele não me deu espaço. Veio para cima de mim quando saiu dos boxes, tive de colocar o carro na parte verde da pista e fui por fora. Claro que ele imaginou que eu faria isso. Mas continuou me espremendo. Não precisava, e eu não esperava que ele fizesse aquilo. Mesmo se me desse espaço, acho que continuaria à frente depois da curva 2. Mas continuou me apertando e eu não tinha para onde ir. Aí o carro passou na salsicha e por isso o carro voou e aconteceu o que aconteceu. Mas somos profissionais o bastante para continuar disputando um contra o outro, e essas coisas acontecem”.

Hamilton: “Eu estava dando tudo de mim e finalmente passei o Lando antes do pit stop, estava na liderança. Mas nossa parada foi lenta. Quando saí, vi que Ricciardo tinha passado e Max chegando. Deixei um carro de espaço para ele, entrei na curva 1, estava na frente indo para a curva 2 e, do nada, quando vi ele estava em cima de mim. Na primeira volta, na curva 4, tirei o pé para deixar ele fazer a chicane na frente e fui na zebra. Foi uma situação idêntica e eu dei o caminho para ele. Assim é uma corrida. Mas ele, não. Sabia o que ia acontecer, que ia pular na zebra, mas mesmo assim fez. Não sei mais o que dizer”.

Christian Horner: “Não dá para culpar ninguém, acho que é 50/50. Um incidente de corrida”.

Toto Wolff: “Comparando com o futebol, Max fez uma falta tática. Sabia que se ficasse atrás, Lewis possivelmente ganharia dele. Eles vão conversar com os comissários. Agora, se ninguém disser nada, vão continuar até um parar em cima do outro num ponto de alta velocidade. Onde isso vai parar?”.

Não sei onde isso vai parar. Mas sei que vão me perguntar o que acho, e acho que quando alguém como Christian Horner não ataca o adversário diretamente, é porque sabe que seu piloto tem alguma culpa no cartório. Mas é uma culpa relativa, não carece pendurá-lo numa cruz. Verstappen poderia, sim, aceitar o fato consumado, tirar o pé e fazer a chicane atrás de Hamilton. Em vez disso, apostou: ele vai me dar espaço, saio da chicane mais forte e passo o cara.

Perdeu a aposta, porque Lewis não deu o espaço desejado e, da mesma forma, contou com a boa vontade do holandês para contornar a segunda perna da chicane. Afinal, tinha feito algo parecido na primeira volta, na Roggia (a curva 4 citada acima), evitando a batida — o que fez, inclusive, com que perdesse a terceira posição para Norris.

É meio briga de rua, um tentando falar mais alto que o outro. São dois pilotos combativos, nenhum deles disposto a ceder. Pode-se dizer que até este momento, na temporada, Hamilton cedeu mais. Evitou batidas em Ímola e Barcelona, por exemplo. Mas foi duro em Silverstone, onde venceu mesmo tendo levado uma punição, e hoje, de novo. Vejam bem: duro, não desleal. Da mesma forma, acho que Verstappen não foi desleal ao forçar a barra na chicane. Foi igualmente duro. Um pouco otimista além da conta, talvez. E essas disputas, quando ninguém cede, normalmente acabam como acabou hoje. Fica cada um defendendo seu lado, e no fim das contas todos têm razão. Resumindo: se eu tivesse de julgar o caso, colocaria o episódio na categoria de “incidentes de corrida”. Mas chamaria os dois às falas para alertar: isso aí ainda vai dar merda.

A FIA, no entanto, considerou Max culpado, como já informado. Assim, nas duas refregas mais intensas do ano temos um empate em punições.

Largada: Ricciardo assume a ponta e vai embora

Mas Ricciardo não tem nada com isso, e o sorriso aberto voltou à F-1 com uma vitória deliciosa, conquistada a partir de uma excelente largada e com uma pilotagem segura e madura, lembrando o Ricardão dos tempos de Red Bull. “I never left”, ele falou, uma frase que fica melhor em inglês do que numa tradução livre em português, algo como “eu sempre estive aqui”.

Porque muita gente achava, de fato, que ele já não estava mais lá. Daniel faz uma temporada sofrível em seu primeiro ano de McLaren. Tinha como melhor resultado, até hoje, um quarto lugar na Bélgica, no GP que não aconteceu. Em corrida, mesmo, um quinto em Silverstone. Mesmo com a vitória, sua colocação no Mundial é discreta oitavo lugar com 83 pontos. Seu companheiro Norris tem 132 e está em quarto.

Nada disso importa hoje. É fato que depois das férias ele melhorou, e é fato que… ganhou uma corrida, ora bolas! E não foi porque todo mundo abandonou, ou porque algum lance de sorte o colocou no lugar certo na hora certa. Não. Ricciardo foi terceiro ontem na Sprint, pulando uma posição no grid com a punição a Bottas. Fez uma largada perfeita e se sustentou com muita competência em primeiro, com Verstappen fungando no seu cangote, até a bateria de pit stops.

Voltou em primeiro já com outro piloto a assediá-lo — no caso o companheiro Norris, com um carro igual. O safety-car entre as voltas 26 e 31 não alterou o cenário. Foi um triunfo merecidíssimo, clássico, que muda sua história na McLaren. OK, Lando não o atacou — seria uma besteira monumental instigar os dois a brigarem loucamente, arriscando mandar uma dobradinha para o brejo. Mas tampouco precisou da camaradagem da chefia. Prova disso foi a melhor volta da prova, na última. Uma demonstração de que, se precisasse brigar para defender a liderança, tinha suas armas.

Bottas: de último a terceiro

Outro que andou pacas foi Bottas. Largou na última fila e terminou em terceiro. Foi o quarto a receber a bandeirada, mas Pérez, o terceiro, recebeu uma punição de 5s por ter levado vantagem ao passar Leclerc por dentro da chicane, caindo para quinto. “Eu disse para a equipe que hoje iria chegar pódio”, festejou o finlandês, cumprindo a promessa. E a Mercedes tem de agradecer a ele pelos 18 pontos acumulados no fim de semana, ajudando a ampliar a liderança da equipe para 362,5 pontos, contra 344,5 da Red Bull. Já a luta pelo terceiro lugar ficou mais favorável à McLaren, que com os 45 pontos somados em Monza foi a 215, contra 201,5 da Ferrari (que marcou 20 com Leclerc em quarto e Sainz em sexto).

Ricciardo, Norris e Bottas no pódio, com Leclerc, Pérez, Sainz, Stroll, Alonso, Russell e Ocon fechando a zona de pontos, este foi o resultado do GP da Itália. Com destaques para a boa prova de Lance pela Aston Martin e de Jorginho, de novo nos pontos com a Williams — que já deve ser olhada como uma força de meio de grid, e não mais como time da parte de baixo da tabela. A Alpine também merece uma menção honrosa por colocar seus dois carros entre os dez primeiros.

A festa foi bonita em Monza, que teve metade de sua capacidade vendida em ingressos por causa da pandemia, sem a tradicional invasão da pista pelos torcedores ao final. Ricardão, por sua vez, manteve a tradição de tomar champanhe na sapatilha, o tal “shoey”, levando junto na balada Norris e Zak Brown, o chefe da McLaren. “Já não gosto de espumante, e na sapatilha dele é pior ainda”, brincou Lando — que demonstrou uma legítima felicidade pela vitória do companheiro. “Nós não tivemos sorte. Tivemos ritmo, tomamos decisões corretas, trabalhamos para acertar o carro, fomos atrás daquilo que queríamos conquistar. Tivemos de ultrapassar, tivemos de nos defender, tivemos de fazer tudo. E o resultado foi incrível. Uma dobradinha! Eu podia pensar em atacar? Podia. Mas sei que minha hora vai chegar”, disse. E está certíssimo.

Norris e Ricciardo com Brown: “shoey” para comemorar

Depois de três finais de semana seguidos com corridas, a F-1 faz uma pausa agora e só volta daqui a duas semanas em Sóchi, para o GP da Rússia. Serão dias de alguma tranquilidade no noticiário, já que muitas das dúvidas sobre a dança das cadeiras para 2022 foram dirimidas na semana passada — Russell na Mercedes, Bottas na Alfa Romeo, Albon na Williams.

A rivalidade Hamilton x Verstappen vai render algumas discussões, mas a temperatura delas depende um pouco da disposição de ambos, e de suas equipes, para esticar o assunto. Conhecendo Hamilton, acho que ele não vai passar os próximos dias soltando indiretas contra Max. Sabe que isso é improdutivo e não é muito seu estilo. O piloto da Red Bull, por sua vez, também não é um adepto da troca de farpas pela imprensa. Assim, o tema tende a esfriar, para ser retomado na Rússia.

Mas a gente pode falar da treta, como não? Então, às 19h, corram lá no meu canal no YouTube para o “Fórmula Gomes” de hoje, que vai estar bem divertido!