Blog do Flavio Gomes
F-1

KIMI

ITACARÉ (sol, temos) – Quatro pilotos estrearam na F-1 no dia 4 de março de 2001 em Melbourne, na Austrália. Um deles, o colombiano Juan Pablo Montoya, o mais badalado. Afinal, tinha sido campeão na Indy em 1999 e o mundo europeu já o conhecia bem da F-3000. Pela Williams, era promessa de se tornar […]

A estreia de Raikkonen: sexto lugar

ITACARÉ (sol, temos) – Quatro pilotos estrearam na F-1 no dia 4 de março de 2001 em Melbourne, na Austrália. Um deles, o colombiano Juan Pablo Montoya, o mais badalado. Afinal, tinha sido campeão na Indy em 1999 e o mundo europeu já o conhecia bem da F-3000. Pela Williams, era promessa de se tornar um futuro campeão. Não foi, mas deixou lá sua história com vitórias, pódios e poles.

Outro era um brasileiro, o menino Enrique Bernoldi, da Arrows. Aposta dos primórdios da Red Bull, acabou não virando, como se diz.

O terceiro era um espanhol chamado Fernando Alonso, que começou na pior equipe do grid, a Minardi, com boas credenciais trazidas também da F-3000. Esse, todos sabem, virou. E muito. Bicampeão mundial pela Renault, voltou à categoria neste ano e é um dos remanescentes daquela temporada, a primeira do século 21.

O quarto se chamava Kimi Raikkonen.

Finlandês, sua estreia causou algum espanto. Afinal, ele tinha no currículo ridículas 23 corridas de F-Renault, quase um carro de criança. Doze meses antes de seu primeiro teste, ainda corria de kart. Passaria direto para a F-1, o que parecia uma temeridade.

Os estreantes de 2001: Kimi, Montoya, Alonso e Bernoldi

E era mesmo. Mas há duas décadas as temeridades eram mais frequentes, por assim dizer. E Raikkonen não ligava muito para o que falavam sobre isso. Aliás, nunca ligou para nada que falassem sobre ele ou sobre qualquer assunto. Aos 21 anos de idade, diz a lenda, quase perdeu a hora para disputar seu primeiro GP porque dormiu demais.

A Sauber, que usava motores Ferrari, foi a responsável pela primeira chance a Raikkonen, que impressionou bastante seu primeiro chefe, Peter Sauber. Foi em Mugello, no começo de setembro de 2000. David e Steve Robertson, pai e filho, seus empresários, convenceram o suíço a testar o menino. Como uma fábrica de sorvetes escandinava pagou pelo teste, ele foi apelidado na equipe de “esquimó”.

O esquimó pegou o carro preparado por Pedro Paulo Diniz, que era titular da equipe naquele ano. Foram três dias dividindo a pista italiana com McLaren e Ferrari — naqueles tempos, testes privados eram permitidos. No primeiro, o brasileiro virou 2s4 mais rápido que Raikkonen. Completou 78 voltas, contra 29 do jovem e calado estreante. No segundo dia, na sexta volta, Kimi foi meio segundo mais rápido que Diniz. Peter Sauber, que não tinha acompanhado o primeiro dia de testes, orientou a equipe, no final da tarde, a tirar 30 kg de combustível do carro e colocar pneus novos. “Em duas voltas, fez o tempo que esperávamos que fizesse.”

A Sauber tinha, evidentemente, um diamante bruto nas mãos. “Vamos contratar o esquimó”, Sauber anunciou ao seu corpo técnico.

Raikkonen terminou o GP da Austrália de 2001 em sétimo, mas foi promovido à sexta posição com uma punição a Panis, fazendo seu primeiro ponto na categoria — naquela época, só os seis primeiros marcavam. No ano seguinte, estava na McLaren. Em 2003, ganhou seu primeiro GP, na Malásia, e terminou o campeonato na segunda colocação, apenas dois pontos atrás de Michael Schumacher — que ao final daquele primeiro dia em Mugello foi ao motorhome da Sauber perguntar quem era o “moleque rápido” que estava andando com o carro da equipe. Vice de novo em 2005, disputou sua última temporada pelo time inglês em 2006 e se transferiu para a Ferrari, onde finalmente ganhou o título em 2007, um ponto à frente de Hamilton e Alonso, companheiros na McLaren que ele havia deixado.

Na Lotus-Renault: duas vitórias (na foto, Abu Dhabi em 2012) e a forma de sempre

Com 103 pódios na carreira, Raikkonen é um dos cinco únicos na história a colecionar troféus na casa dos três dígitos. Ficou dois anos fora da categoria, em 2010 e 2011, e foi se divertir no Mundial de Rali e até na Nascar. Voltou em 2012 na Lotus preta (que na prática era a Renault) e no fim da temporada venceu um GP, em Abu Dhabi, causando o mesmo espanto que gerara ao estrear pontuando em 2001. Terminou o campeonato num excepcional terceiro lugar e foi ao pódio sete vezes. Em 2013 voltou a vencer, na abertura do Mundial em Melbourne. E juntou mais oito taças para a coleção. A forma exuberante fez com que voltasse à Ferrari para mais cinco anos em Maranello. Ganhou seu último GP nos EUA em 2018. Tem 21 vitórias no currículo, 18 poles, e é o piloto que mais andou num carro de F-1 na história. São, até agora, 344 GPs, 18.186 voltas e 90.341 km dentro de um cockpit, considerando apenas as corridas.

Em 2019, a Ferrari dispensou seus serviços, mas alocou o piloto na Alfa Romeo, uma espécie de equipe B operada justamente pela mesma Sauber da sua estreia, que mudou de nome. Voltou ao ponto inicial, portanto. Nesses 20 anos, construiu uma imagem que se tiver de ser resumida em uma palavra pode ser “cult”, com o perdão do uso tardio de um termo meio fora de moda. Ontem, anunciou que no final do ano vai parar de correr.

Não vou perder tempo aqui descrevendo as características mais do que conhecidas de Raikkonen, nem repassando episódios clássicos como o picolé na Malásia, o tombo de um iate depois de encher a cara com os amigos, as entrevistas hilárias de pouquíssimas palavras, a personalidade absolutamente ímpar. No GP de Abu Dhabi de 2012, seu engenheiro desandou a orientá-lo pelo rádio sobre a posição na pista, o ritmo necessário, quem estava na frente, quem estava atrás, e Kimi, irritado com aquele falatório interminável, prestes a ganhar uma corrida totalmente improvável, disparou: “Just leave me alone, I know what to do!”.

É hora de deixá-lo sozinho, agora. Mas sem grandes preocupações. Ele sempre soube o que fazer.