Blog do Flavio Gomes
F-1

ENGOLINDO O CHORO

ITACARÉ (exausto) – A Mercedes retirou sua intenção de apelar contra a rejeição aos seus protestos feitos domingo em Abu Dhabi. Trocando em miúdos, o Mundial não vai acabar no tapetão. Ontem, em seu último ato como presidente da FIA (a eleição do novo mandatário será realizada amanhã), Jean Todt costurou uma espécie de acordo […]

ITACARÉ (exausto) – A Mercedes retirou sua intenção de apelar contra a rejeição aos seus protestos feitos domingo em Abu Dhabi. Trocando em miúdos, o Mundial não vai acabar no tapetão. Ontem, em seu último ato como presidente da FIA (a eleição do novo mandatário será realizada amanhã), Jean Todt costurou uma espécie de acordo de paz que basicamente reconhece os erros, garante que serão investigados a fundo e promete mudanças.

A FIA não fala exatamente com essas palavras, mas quando sugere uma análise mais profunda dos acontecimentos de Yas Marina que “mancharam” o campeonato está admitindo que seu diretor de provas, Michael Masi, fez burrada.

A Mercedes ficou em silêncio desde domingo. Nos últimos três dias, é claro que estudou detidamente o que fazer: levar adiante suas reclamações, justas, e arcar com o ônus de ser chamada de “má perdedora”, ou desistir da briga jurídica para preservar sua imagem de competidora que aceita os resultados de pista, ainda que contestando-os.

A segunda opção foi a escolhida. O que teria a Mercedes a ganhar se insistisse num pedido de revisão do resultado? Um título mundial de pilotos? Ganhou sete nos últimos anos. E conhecendo esse esporte e suas querelas jurídicas, provavelmente não conseguiria reverter o resultado de Abu Dhabi. Perderia e ficaria com fama de chorona. O time conversou com Hamilton, claro, para chegar a essa decisão. Desconfio que se o piloto batesse o pé, a equipe iria até o fim. Mas Lewis também não quis. Pelos mesmos motivos. Ambos têm uma imagem a zelar.

A desistência da Mercedes e a confirmação do título de Verstappen revestem a conquista de alguma legalidade, mas não apagam a sequência de erros do diretor de prova amparada numa interpretação tortuosa de um regulamento mal escrito. No documento assinado por Todt, a FIA promete aparar arestas, evoluir, tornar as coisas mais claras. A Mercedes, por sua vez, dá os parabéns a Verstappen e a Red Bull, mas reafirma seu inconformismo.

Abaixo, a íntegra do comunicado em que anuncia a retirada da queixa. Com termos fortes e bem colocados para o momento.

Caros fãs e comunidade da Fórmula 1,

Deixamos Abu Dhabi sem acreditar no que tínhamos acabado de testemunhar. Claro, faz parte do jogo perder uma corrida, mas é diferente quando você perde a fé nas corridas. Junto com Lewis, discutimos cuidadosamente sobre como responder aos eventos do final da temporada. Sempre fomos guiados pelo nosso amor por este esporte e acreditamos que toda competição deve ser vencida por mérito. Na corrida de domingo, muitos sentiram, inclusive nós, que o rumo que as coisas tomaram não era o correto. O motivo pelo qual protestamos contra o resultado domingo foi a aplicação de uma nova interpretação das regras do safety-car depois que Lewis estava na liderança e a caminho de conquistar o título mundial.

Apelamos no interesse da justiça esportiva e, desde então, temos mantido um diálogo construtivo com a FIA e com a Fórmula 1 para criar clareza para o futuro, para que todos os competidores conheçam as regras sob as quais estão competindo, e como elas serão aplicadas.

Assim, saudamos a decisão da FIA de instalar uma comissão para analisar profundamente o que aconteceu em Abu Dhabi e melhorar a robustez das regras, governança e tomada de decisão na Fórmula 1. Saudamos também o fato de que eles tenham convidados as equipes e pilotos a participarem.

A equipe Mercedes-AMG Petronas trabalhará ativamente com esta comissão para construir uma Fórmula 1 melhor — para todas as equipes e todos os fãs que amam este esporte tanto quanto nós. Assim, por considerar a FIA responsável ​​por este processo, decidimos retirar nosso recurso.

Para Max Verstappen e a Red Bull Racing: gostaríamos de expressar nosso sincero respeito por seus conquistas nesta temporada. Vocês fizeram desta luta pelo título algo verdadeiramente épico. Max, nós parabenizamos você e toda a sua equipe. Estamos ansiosos para voltar a lutar com você na pista na próxima temporada.

Por fim, embora este Mundial de Pilotos não tenha terminado da maneira que esperávamos, não poderíamos estar mais orgulhoso de nossa equipe. Lewis, você é o maior piloto da história da Fórmula 1 e deixou seu coração em cada volta desta temporada incrível. Você é um esportista exemplar dentro e fora da pista e teve um desempenho impecável. Como um competidor puro e um modelo para milhões de pessoas em todo o mundo, nós te saudamos. Valtteri, você foi parte muito importante desta equipe, conseguindo cinco títulos de construtores em cinco temporadas. Obrigado por sua notável contribuição para a história do automobilismo. Kiitos, Valtteri.

Finalmente, a cada uma das mulheres e homens talentosos e apaixonados da Mercedes-AMG Petronas F1 em Brackley e Brixworth: vocês escreveram um capítulo histórico na história da Flecha de Prata ao ganhar o oitavo título consecutivo de construtores. É uma conquista sem precedentes. Em uma palavra: é incrível. Vocês são incríveis.

Hoje aconteceu a festa de gala da FIA para entrega de prêmios em Paris. A Mercedes só apareceu com seu carro de Fórmula E campeão mundial com Nyck de Vries. Hamilton não foi. Toto Wolff, tampouco.

De tudo isso, deve sair uma boa revisão do regulamento esportivo para 2022. E Michael Masi cai. Se continuar no cargo, será uma enorme surpresa.

A Mercedes sai mais forte do episódio, apesar da perda do títulos de pilotos. O desgaste para a imagem da empresa como um todo seria muito grande se uma longa batalha jurídica de arrastasse por meses. Os tribunais das redes sociais, histéricos, não perdoariam o time. Quando colocam na balança o prejuízo que essas coisas causam, companhias do tamanho da Mercedes preferem recuar. Questão de marketing, mesmo. Melhor ficar com um troféu a menos na estante do que ter de lidar com milhões postagens atacando a marca, críticas ruidosas, antipatia se espalhando pelo mundo virtual.

Às vezes é preciso dar um passo atrás para avançar os dois seguintes. A Mercedes engoliu o choro. Mas o fez deixando bem claro que não concorda com nada do que aconteceu.