Blog do Flavio Gomes
F-1

JÁ DEU (3)

SÃO PAULO (chato, chato…) – Sergio Pérez aproveitou a chance e venceu o GP da Arábia Saudita sem muitos problemas hoje em Jedá. A “chance” foi a quebra de Max Verstappen ontem na classificação. O holandês teve de largar em 15º. Terminou em segundo, pouco mais de 5s atrás do companheiro. Pode-se dizer que se […]

Pérez vence pela quinta vez na carreira: domínio da Red Bull

SÃO PAULO (chato, chato…) – Sergio Pérez aproveitou a chance e venceu o GP da Arábia Saudita sem muitos problemas hoje em Jedá. A “chance” foi a quebra de Max Verstappen ontem na classificação. O holandês teve de largar em 15º. Terminou em segundo, pouco mais de 5s atrás do companheiro. Pode-se dizer que se ele tivesse feito a pole, o que seria mais do que normal neste momento histórico da civilização, teria vencido com mais ou menos cinco camelos, quatro tendas, três esfihas de carne e dois quibes crus de vantagem. Ou mil e uma noites.

Foi a quinta vitória de Pérez na F-1, a quarta em pistas de rua – ainda que o circuito saudita permita velocidades não recomendadas em rua nenhuma do mundo. O mexicano já havia vencido em Baku, Mônaco e Singapura antes.

O pódio foi completado por Fernando Alonso, da Aston Martin. Mercedes e Ferrari, com suas duplas, vieram depois dos três primeiros, a léguas de distância. Aí começou mais uma zona patrocinada pela FIA.

Alonso, minutos depois de encerrada a prova, soube que seu troféu teria de ser entregue a George Russell, o quarto colocado. Isso porque teria havido uma irregularidade nos boxes quando fez seu pit stop e teve de cumprir uma punição de 5s por ter se posicionado mal no grid. Na parada, ninguém podia tocar no carro por 5s. Mas o mecânico responsável pelo macaco traseiro encostou o equipamento no veículo antes.

O piloto do time verde, então, tomou mais 10s em seu tempo total de prova, caindo para a quarta posição. A Aston Martin reclamou. Disse que o regulamento fala apenas em “não trabalhar no carro” durante o pagamento da multa. Os comissários, para tirar o pódio de Alonso, se referiram a um suposto acordo entre as equipes que considerariam qualquer toque no automóvel uma irregularidade. A equipe verde alegou que não havia acordo algum. Os comissários, então, concordaram com o time, assumiram que não havia nenhum entendimento claro sobre a questão e reverteram a punição.

Isso aconteceu por volta das 19h15, horário de Brasília, quase quatro horas depois do fim da prova. Resumindo, Alonso ficou em terceiro. E conquistou, assim, o 100º pódio de sua carreira. O troféu que fora entregue por ele a Russell foi devolvido. Fernandinho é o sexto piloto a colocar sua coleção de taças na casa dos três dígitos. Os outros são Hamilton (191), Schumacher (155), Vettel (122), Prost (106) e Raikkonen (103).

À corrida, então? Já antecipando que serão poucas as emoções despertadas por este texto, como poucas foram as da segunda etapa do Mundial.

Alonso pula na frente na largada: pódio quase perdido no tapetão

A escolha majoritária dos pilotos para o GP saudita foi pelos pneus médios na largada. Dos 20 no grid, 16 optaram por eles. As exceções foram Hamilton e Sargeant, com compostos duros, e Leclerc e Norris, que partiram com a borracha macia.

A largada de Alonso foi muito boa, assumindo a ponta na primeira curva. Mas, segundos depois, a direção de prova avisou que sua posição nos colchetes podia estar errada. E estava. O carro se posicionou muito à esquerda do local designado. Quem se deu mal nos primeiros metros foi Piastri, que perdeu um pedaço da asa dianteira num toque sutil com Ocon e teve de ir para os boxes trocar o bico.

A punição a Alonso foi instantânea: 5s que deveriam ser pagos no primeiro pit stop — que no fim seria o único. Informado pelo rádio, o espanhol não reclamou. “OK”, respondeu. Depois da prova, disse que se realmente o carro estava no lugar errado, o erro era dele. “Mas preciso ver as imagens antes.”

Verstappen largou com cautela, ganhando apenas duas posições nas primeiras voltas. Saiu de 15º para 13º. Já na quarta volta, sem muita dificuldade, Pérez passou Alonso e pulou para a liderança, que não perderia mais. Max, de grão em grão, ia passando gente. Na quinta volta, estava em 11º.

Em segundo, Alonso não deixava Pérez escapar. Aproveitava a pequena diferença, inferior a 1s, para abrir a asa móvel em três trechos da pista e não perdia tempo – algo que não teria a possibilidade de fazer se estivesse na liderança. Era uma estratégia inteligente. Na ponta, tendo de se defender da Red Bull #11 e sem asa móvel, seus pneus teriam um desgaste maior. Era uma leitura interessante da corrida, para terminar onde seria possível — sabia que Verstappen iria chegar, mais cedo ou mais tarde, e queria garantir um pódio, pelo menos.

Tranquilo, Alonso foi atrás do que dava: um terceiro

Max entrou na zona de pontos na oitava volta, ao passar Zhou. A diferença para o líder era superior a 16s. Mais à frente, Sainz já tinha superado Ocon para tomar o quinto lugar e Leclerc, com pneus macios, passou Hamilton e foi para sétimo. Em oitavo, Lewis olhou pelo retrovisor e viu Verstappen atrás dele, agora em nono.

Com dez voltas, Pérez, Alonso, Russell, Stroll, Sainz, Ocon, Leclerc, Hamilton, Verstappen e Gasly eram os dez primeiros. Nesse momento, o mexicano começou a se descolar do Aston Martin #14, abrindo 2s de vantagem. Na volta 12, sem que Lewis oferecesse alguma resistência, o holandês deixou a Mercedes #44 para trás e ganhou a oitava colocação.

Na 14ª volta, Stroll foi para os boxes e colocou pneus duros. Max passou Ocon e, com a parada do companheiro, subiu para sexto. Uma escalada segura e consistente. Os pit stops indicavam táticas parecidas de todos: pneus duros para ir até o final da corrida sem nova visita aos boxes.

Sainz fez seu pit stop na volta 16. Leclerc, o último moicano com pneus macios na pista, parou na 17ª. Verstappen, então, assumiu a quarta posição. E, na volta 18, Stroll recebeu o pedido pelo rádio: “Pare o carro, Lance”. Teve um problema num dos motores elétricos. O safety-car, então, foi acionado. Sem precisar, diga-se. Seu carro estava numa posição mais do que segura. Coisas da Liberty, que adora uma dose artificial de competição.

A parada do espanhol: atrás, o macaco tocou o carro

Com o carro de segurança na pista, Pérez foi para o box. Verstappen fez o mesmo. Alonso, idem. Russell, Hamilton e os demais que ainda não haviam parado também trocaram pneus. Foi bom para Alonso. Ele voltou em segundo, e mesmo com a punição de 5s paga pôde encostar em Pérez de novo. E foi bom para Verstappen, claro, que estava em quarto, mas longe dos primeiros. Com o pelotão reunido, a diferença foi anulada.

Pérez, Alonso, Russell, Verstappen, Sainz, Hamilton, Leclerc, Tsunoda, Ocon e Gasly eram os dez primeiros com a turma em fila indiana esperando a relargada. Que veio na volta 21. Do pessoal que brigava por alguma coisa, estavam todos de pneus duros, exceto Hamilton – que colocou médios no pit stop.

Alonso teve algum trabalho para segurar o ímpeto da noviça rebelde Russell, que partiu para cima do asturiano nos primeiros metros. Fernandinho se defendeu bem e foi embora. Hamilton fez uma bela ultrapassagem sobre Sainz e subiu para quinto. Max colou em Jorginho. Antes da metade da corrida, já dava para rascunhar uma dobradinha da Red Bull. Com quem na frente? O tempo diria.

Para vencer, Pérez precisava sumir na dianteira, de modo que quando Verstappen aparecesse em segundo um pedido para trocar de posição fosse constrangedor demais. Na volta 24, quando foi autorizado o uso da asa móvel após o safety-car, Max passou Russell e foi para terceiro. Daí a atacar Alonso era uma questão de segundos. Passou na volta 25 sem nenhuma objeção. Burro o espanhol não é.

Pérez absoluto: não deixou Max chegar e levou o GP saudita

Quando ganhou a segunda posição, a diferença de Verstappen para o mexicano era de 5s7. Eles tinham os mesmos pneus com a mesma vida útil, praticamente – Pérez fizera seu pit stop apenas uma volta antes que o holandês. O que uma equipe faz nessa hora? Se o de trás chega, é porque está mais rápido. Largou em 15º, vem babando, pedir para não tentar a vitória é sacanagem. Já o que está na frente, largou na pole, salvou o sábado do time, certamente vai achar que ninguém ousaria permitir uma briga fratricida. “Fiz a minha, poupei o carro, eu mereço!”

O melhor era esperar para ver o que iria acontecer. No rádio de ambos, naquela altura, silêncio absoluto. Pérez rezava para Nossa Senhora de Guadalupe. Max acelerava. Nas cinco primeiras voltas depois da ultrapassagem de Verstappen sobre Alonso, a diferença ficou estável, oscilando na casa de 5s. Enquanto isso, em sétimo, Leclerc entrava do rádio para reclamar da vida. A Ferrari estava atrás de Red Bull, Aston Martin e Mercedes – até da Mercedes, com seu carro estapafúrdio. “É ridículo”, resmungava o monegasco. Na Itália, tomando vinho e vendo a corrida numa velha TV de tubo de 14 polegadas, Mattia Binotto sussurrou com seus botões: “Foda-se”.

Justiça seja feita, Checo manteve a vantagem com solidez. E, para ajudá-lo, Verstappen começou a se incomodar com seu carro, que já havia quebrado na classificação. Relatou pelo rádio, na 38ª volta, que tinha alguma coisa esquisita acontecendo. Citou o semieixo e um ruído estranho. O time respondeu que estava tudo bem e não havia com o que se preocupar. Mas, depois, o engenheiro voltou ao rádio e perguntou se o barulho continuava. Max confirmou. No outro carro da Red Bull, o de Pérez, outra comunicação radiofônica: “Meu pedal de freio está ficando longo”.

Rascunho de dobradinha não é dobradinha, e por isso a tensão tomou conta dos boxes da equipe austríaca. Confere daqui, verifica ali, faz sinal da cruz acolá, o negócio era torcer para acabar logo. Depois, o papo mudou. Era engenheiro determinando ritmo, piloto perguntando se o outro faria o mesmo, e a tensão passou aos torcedores de ambos. Mas a diferença entre os dois se mantinha igual: 5s, um pouco mais, um pouco menos. Parecia mais teatrinho de rádio fomentado pela transmissão da TV do que vida real. A corrida estava decidida.

O último bom momento da prova foi na volta 46, com Magnussen partindo para cima de Tsunoda para ganhar a décima colocação, que valia um pontinho. Para equipes pequenas, casos da Haas e da AlphaTauri, um décimo lugar tem peso.

Resultado corrigido com punição a Alonso revertida: pódio devolvido

Verstappen tirou o pé nas últimas voltas, percebendo que alcançar o parceiro era impossível e arriscado, já que seguia ouvindo vozes interiores alertando para algum piripaque iminente em seu carro. Foi quando pintou a dúvida via rádio de outras equipes, Mercedes e Aston Martin. Primeiro, Russell foi avisado para tentar chegar a menos de 5s de Alonso, porque uma nova punição poderia ser aplicada pela irregularidade na parada do espanhol. Depois, a Alonso foi recomendado que chegasse mais de 5s à frente de Russell, para evitar problemas. O que ninguém previa era que a punição possível seria de 10s, não 5s.

Pérez recebeu a bandeirada 5s355 à frente de Verstappen, que na última volta cravou a melhor da corrida, fez o ponto extra e garantiu a manutenção da liderança do campeonato com 44 pontos contra 43 do companheiro – seria do mexicano se fosse ele o dono da volta mais rápida, “roubada” por Max no apagar das luzes. Alonso, em terceiro, cruzou a linha 5s138 antes que Russell, que no fim das contas ficou em quarto, seguido por Hamilton, Sainz, Leclerc, Ocon, Gasly e Magnussen.

Russell com o troféu de Alonso: posse transitória

Foi uma corrida ruim, a de Jedá. Sem dramas, reviravoltas, surpresas. Exceto, claro, a perda do pódio do veterano da Aston Martin e sua posterior restituição. Tinha sido uma punição tão besta, aplicada tanto tempo depois do ocorrido, que Russell só foi saber que ficaria com o terceiro lugar quando a repórter da Bandeirantes, Mariana Becker, interrompeu uma entrevista que ele dava no cercadinho dos pilotos para lhe dar a informação. “Pódio, eu?”, abriu um sorriso o piloto da Mercedes. Não reclamou, claro. “Mas eles mereciam esse pódio”, concedeu. Horas depois, a justiça foi feita.

No fim, um desfecho besta para um GP sofrível. Como será esta temporada, tamanha a superioridade da Red Bull neste ano. A próxima etapa será na Austrália daqui a duas semanas.