Blog do Flavio Gomes
F-1

PARQUE DO BETO (3)

SÃO PAULO (bom dia!) – Foram quase três horas de corrida até que Max Verstappen pudesse comemorar sua segunda vitória no ano, 37ª na carreira. O GP da Austrália, na madrugada de hoje em Melbourne, teve três bandeiras vermelhas e o final decretado numa volta fake atrás do safety-car só para cumprir o regulamento. Lewis […]

Largada em Melbourne: apenas a primeira de três…

SÃO PAULO (bom dia!) – Foram quase três horas de corrida até que Max Verstappen pudesse comemorar sua segunda vitória no ano, 37ª na carreira. O GP da Austrália, na madrugada de hoje em Melbourne, teve três bandeiras vermelhas e o final decretado numa volta fake atrás do safety-car só para cumprir o regulamento. Lewis Hamilton foi o segundo e Fernando Alonso fechou o pódio. Stroll, Pérez, Norris, Hülkenberg, Piastri, Zhou e Tsunoda completaram a lista dos dez primeiros. Apenas 12 carros viram a bandeira quadriculada.

E como foi que se chegou a isso? Vai ser preciso ler com atenção o relato da corrida, cujo resultado até pode ser considerado normal, levando-se em conta as posições de largada e a relação de forças da F-1 neste momento. Mas que teve um andamento, para dizer o mínimo, incomum. Sobretudo nas últimas voltas.

Aos fatos, pois!

Primeiro abandono do dia: Leclerc, na primeira volta

Num domingo de sol e temperatura agradável, na casa dos 17°C, os pneus médios foram a escolha da maioria dos pilotos para a largada. Gasly, Ocon, Zhou e Bottas partiram com macios; De Vries, Pérez e Sargeant optaram pelos duros.

O início foi faiscante. Cercado de Mercedes por todos os lados, Verstappen não sabia direito para onde olhar quando as luzes vermelhas se apagaram. Russell foi para o embate corpo a corpo, trazendo Hamilton com ele. Nenhum dos dois tinha muito a perder. George mergulhou por dentro na primeira curva e foi embora. Lewis veio na sequência, deu um chega-pra-lá no holandês e levou também. Resultado: Max em terceiro nos primeiros metros.

Mas já na primeira volta o safety-car foi acionado porque Leclerc, pobre Leclerc, foi parar na brita após tocar em Stroll. Abandonou, para enriquecer a lista de infortúnios da Ferrari neste século. Uma lástima. Alguns pilotos aproveitaram para ir aos boxes e colocar pneus duros, que poderiam ser usados até o fim da corrida.

A relargada aconteceu na volta 4. Russell, Hamilton, Verstappen, Sainz e Alonso eram os cinco primeiros. Em sexto aparecia Albon. Max babava na gravata. “Ele me jogou pra fora!”, reclamou pelo rádio enquanto o safety-car estava na pista. “Ele” era Hamilton.

Albon bate e corrida é interrompida: bandeira vermelha

Assim que a direção de prova autorizou o uso da asa móvel, na volta 6, os três primeiros começaram a ensaiar o que fazer para atacar e/ou se defender de quem estivesse por perto. Mas nem deu tempo de elaborar grandes estratégias. Na sétima volta, Albon bateu. Estava boa demais para ser verdade, sua posição… O sonho de uma tarde de outono para a Williams acabou no muro. Safety-car de novo. Russell, então, parou e colocou pneus duros. Sainz fez o mesmo. Lewis assumiu a liderança.

E também não deu tempo de saber quem se daria bem ou não nessa hora. Porque a prova foi interrompida com bandeira vermelha para a retirada do carro do tailandês e, também, limpeza da pista. Aí ficou fácil saber quem saiu no lucro: os que não haviam parado para trocar pneus, porque sob bandeira vermelha as trocas são livres. Russell, que caiu para sétimo, ficou no prejuízo. Sainz, que despencou para 11º, da mesma forma. Hamilton, Verstappen, Alonso, Stroll, Gasly e Hülkenberg, os seis primeiros, se pudessem sairiam de seus carros saltitando e dançando poropopó-pó-pó-pó-pó abraçados. Todos ganharam um pit stop de graça.

“Me fodi”, disse Russell pelo rádio. Não com essas palavras, posto que George é moço educado e de boa família. “Creio que diante destas circunstâncias talvez minha situação não seja tão confortável agora nesta competição”, foi o que disse de verdade. “Sim, acho que você se fodeu”, respondeu o chefe Toto Wolff, um pouco menos polido.

Nova largada, com Hamilton na frente: até aí, tudo normal

Pérez, que havia largado dos boxes depois de enfrentar problemas de freio na classificação, aparecia em 14º quando a corrida foi para sua segunda largada, com todos paradinhos no grid. E quase todo mundo com pneus duros, para ir até o final – De Vries e Sargeant eram os únicos com médios.

Na nova largada, décima volta para todos os efeitos, Hamilton manteve a ponta com Verstappen em segundo e Alonso em terceiro. Russell ganhou duas posições e pulou para quinto. Houve uma certa confusão no alinhamento, que a direção de prova prometeu investigar numa CPI em algum momento nesta temporada.

Ver a Mercedes em primeiro não deixava de ser surpreendente. Tanto era que duas voltas depois Max nem tomou conhecimento do carro preto #44 e passou Hamilton com facilidade. Em uma volta, abriu 2s5 de vantagem. Russell, um pouco mais atrás, apressava-se para recuperar o que perdera no pit stop fora de hora e assumia a quarta posição ao passar Gasly. Sainz, outro que trocara pneus sob o safety-car, também acelerava sem dó. Na volta 15, já era o sexto.

Max se aprumava na liderança quando o carro de Russell, na volta 18, passou pela reta dos boxes lançando labaredas pelo rabo. O desafortunado inglês abandonou, mas não foi preciso chamar o safety-car. Com delicadeza e elegância, o britânico estacionou a viatura perto de comissários munidos de extintores de incêndio e, gentilmente, solicitou que extinguissem as chamas. Um final triste para quem esperava tanto da corrida, largando em segundo e liderando a prova até a primeira interrupção. Voltou a pé aos boxes e agradeceu a todos pelos bons, embora parcos, momentos vividos. “Hoje você se fodeu de canudinho”, falou Toto Wolff, consolando-o com sua habitual fineza. Infelizmente a transmissão da TV não registrou o momento, mas me contaram que foi assim mesmo.

Russell abandona: motor em chamas

Na volta 22, Pérez entrou na zona de pontuação pela primeira vez ao ultrapassar o nativo Oscar Piastri. A briga boa, porém, acontecia na frente com Sainz perseguindo o valente Gasly, quarto colocado. O francês, que é menino e veste rosa, vejam como são as coisas, se segurava como podia. Mas na volta 25 não resistiu e a Ferrari #55 passou.

Enquanto isso, em segundo, Hamilton entabulava colóquios radiofônicos repletos de tensão com sua equipe. “Alonso está muito rápido”, falou, primeiro. “Estamos vendo, Lewis.” “Estes pneus não vão aguentar até o fim, não”, seguiu. “Pode ser que aguentem, Lewis.” “Não sei se coloquei ração para o Roscoe”, continuou. “Ele já comeu e está dormindo, Lewis.”

Com metade da prova, 29 voltas, Verstappen, Hamilton, Alonso, Sainz, Gasly, Stroll, Hülkenberg, Norris, Pérez e Ocon eram os dez primeiros. Sainz, depois de passar Gasly, não conseguia se distanciar do Alpine. Mais adiante, Alonso ensaiava uma aproximação para cima de Hamilton. “A Angela está com meu relógio?”, perguntou o inglês, preocupado com um monte de coisa ao mesmo tempo. “A senhorita Cullen não trabalha mais conosco, Lewis.” “Tem uns caras muito rápidos atrás de mim, amigo”, mudou de assunto, ao olhar pelo retrovisor. “É uma corrida de automóveis, Lewis. Nesse tipo de competição, os competidores costumam andar rápido.”

A prova havia caído num longo e enfadonho marasmo. Na volta 43, Pérez finalmente chegou em Norris e conquistou oitavo lugar. Duas voltas depois, passou Hülkenberg e foi para sétimo. Ao saber que Roscoe estava alimentado, até Hamilton parou de falar no rádio. De repente, a 11 voltas do final, Verstappen teve um problema. Com mais de 10s de vantagem sobre Lewis, travou as rodas dianteiras numa freada, foi na grama e perdeu bastante tempo. A diferença caiu para 7s5. Resmungou qualquer coisa, recuperou o foco e fez a melhor volta da corrida.

Mas, na volta 54, ocorreu um imprevisto que complicaria o desfecho da prova, que parecia tão tranquila. Kevin Magnussen deu uma lambida no muro e perdeu um pneu, que ficou deitado no meio da pista. O safety-car foi acionado para que alguém recolhesse o dito cujo, até para evitar problemas com dengue e chikungunya, essas coisas desagradáveis que agentes de saúde felizmente se encarregam de prevenir com sua atuação diligente e laboriosa.

Bem, e agora? Junta todo mundo, limpa a pista, relarga em movimento se houver tempo e acaba? Poxa, faltam só duas voltas…

Que nada.

A Liberty, dona da F-1, curte uma emoção meio sem pé nem cabeça. Meteram uma bandeira vermelha na 56ª das 58 voltas da corrida. Segunda interrupção da prova, todos nos boxes, pneus macios sendo retirados das profundezas do inferno para que os meninos pudessem usufruir de sua proverbial aderência.

Caos na terceira largada: Sainz causou acidente múltiplo

É um troço meio circense? Sim. O safety-car resolveria a parada tranquilamente, só que a corrida provavelmente terminaria sob bandeira amarela, o que é, reconheçamos, anticlimático. Mas necessário, às vezes. Em 2021, a sanha por finais eletrizantes deu no que deu – um título tirado de Hamilton na mão grande graças à inépcia do diretor de prova de então, Michael Masi. Estamos falando de um esporte caro e perigoso. Uma terceira largada para duas voltas com todo mundo de pneus macios? Sério? O potencial de dar alguma merda era gigantesco.

E deu. Verstappen, Hamilton, Alonso, Sainz, Gasly, Stroll, Pérez, Norris, Hülkenberg e Ocon formavam as cinco primeiras filas do novo grid. A terceira largada foi patética. Com exceção de Verstappen e Hamilton, que partiram assertivos e determinados, os demais pareciam pilotos de kart em prova de fim de ano da firma na Granja Viana. Sainz deu em Alonso, que rodou e ficou puto – mas não bateu em nada. Gasly tentou desviar, foi na brita, voltou à pista e espatifou-se junto com seu companheiro Ocon no muro. Sargeant acertou a traseira de De Vries. Pérez fugiu para a área de escape para escapar da carnificina. A bandeira vermelha foi acionada de novo. Os sobreviventes voltaram aos boxes sem saber o que seria feito para terminar a corrida. Na TV, o contador anotava: volta 58 de 58 previstas.

A direção de prova demorou bastante, mais de meia hora, para decidir que o GP da Austrália seria encerrado com uma nova largada, desta vez em movimento atrás do safety-car, com os carros na ordem do grid anterior, porque a primeira volta da terceira largada não chegou a ser completada. Não haveria disputa. Assim que o safety-car deixasse a pista, a quadriculada seria mostrada. Os maiores prejudicados, claro, foram os pilotos da Alpine. Ambos estavam nos pontos. Acabaram arrebentados no muro. Uma patuscada. Tudo porque, oh!, a Liberty não admite que uma corrida termine com bandeira amarela. Deu tempo para punir Sainz também, que tomou 5s por ter batido em Alonso. O espanhol da Ferrari não se conformou.

Alonso volta ao carro para o final: desfecho desnecessário

Às 4h33 da manhã de domingo pelo horário de Brasília, 17h33 em Melbourne, o safety-car foi para a pista liderando o pelotão com Verstappen, Hamilton, Alonso, Sainz, Stroll, Pérez, Norris, Hülkenberg, Piastri, Zhou, Tsunoda e Bottas. Eram os 12 que restavam. Com a punição, o ferrarista caiu para 12º e todos os demais subiram uma posição. O ponto extra da melhor volta ficou com Pérez.

O público não teve do que reclamar, porém. Pagou um ingresso e viu três largadas. A propósito, registre-se: as arquibancadas e gramados de Albert Park viram 444. 631 pessoas passeando por seu perímetro nos três dias do evento, um recorde.

Max ampliou sua liderança no Mundial e tem agora 69 pontos contra 54 de Pérez. Alonso (45), Hamilton (38), Sainz (20), Stroll (20) e Russell (18) vêm na sequência.

Corrida, agora, só no fim do mês em Baku. Com a primeira Sprint do ano.